Crônicas Veríssimo: Fuga – Comédias da Vida Privada

Rá, segunda! Não atrasei e nem esqueci! E hoje escolhi uma crônica muito boa, nem me lembrava mais dela. O pior é que é uma situação que é a minha cara. XD

Podem anotar no caderninho de vocês para não esquecerem. Pedimos, claro, das pessoas que gostam e são fã deste grande escritor brasileiro, que comprem seus livros de crônicas, já que são baratinhos, principalmente os mais antigos. Prestigiem e apoiem. Isso aqui é apenas uma amostragem mínima do quão bacana são os textos de Luis Fernando Veríssimo. Esta semana o livro escolhido é o O Melhor das Comédias da Vida Privada, outro que está na minha lista de mais engraçados do Veríssimo. Excelente mesmo! A Editora Objetiva podia muito bem lançar um outro livro com o tema que com certeza iria fazer o mesmo sucesso que este.

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Fuga

– Edgar, vê lá, hein?

O Edgar era famoso pelas suas gafes. Embora as negasse.

– O que é isso? Pode deixar.

A mulher ficava em pânico. Depois, contando para os outros, ela ria. “O Edgar fez outra das dele.” Mas na hora ficava em pânico.

– Edgar, pelo amor de Deus…
– Mas que bobagem!
– O Flores e a Noca acabaram de se reconciliar. Ela teve um romance com um violoncelista alemão, fugiu de casa, viveu um ano e meio com o alemão em Munique, mas voltou e agora eles estão juntos de novo. Não fala nem em alemão, nem em violoncelo. Pelo amor de Deus, Edgar!
– Pode deixar.

Na chegada, quando Flores abriu a porta, o Edgar exclamou:

– Ô, Flores! Cê sempre teve cabelo dessa cor?
– Não. Entrem, entrem. Como vão?

A caminho da sala, a mulher ainda conseguiu dar um beliscão na manga do casaco do Edgar e dizer, entre os dentes:

– É pe-ru-ca.
– Que peru?
– Pe-ru-ca, Edgar!
– Ah.

Durante o jantar, tudo bem. A mulher sentiu um frio na barriga quando viu o Edgar examinando o rótulo do vinho alemão. Mas o Edgar só sorriu para a anfritiã, a Noca, e comentou, sem qualquer maldade:

– Coisa muito boa, hein?

“Agora ele vai perguntar se a Noca trouxe da Alemanha, na volta”, pensou a mulher, mas o Edgar ficou firme. A mulher respirou, aliviada.

Aconteceu depois do jantar, quando o Flores quis exibir seu novo laser e colocou um disco. Bach. Cordas. Se fosse um concerto de violoncelo, diria a mulher, depois, no carro, para o Edgar, ainda vá. Mas mal se ouvia o violoncelo. E no entanto o Edgar dissera:

– Eu me amarro num violoncelo.

E mais:

– O que esse alemão safado faz com um violon…
– Edgar!

A mulher tinha se levantado da poltrona. O Edgar levou um susto.

– Que foi?
– Me lembrei! Eu deixei o forno aceso! Temos que voltar para casa!
– Mas…
– Agora mesmo!

No carro, ela não quis ouvir desculpas. O Edgar ainda tentou.

– Ela fugiu com o Bach? Não fugiu.

Mas a mulher não queria conversa. O Edgar ainda a matava.

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