Novo shonen no Brasil se destaca ou é só mais um na multidão? Difícil definir… [Buso Renkin Vol. 1] [MdQ]
Aí está, Buso Renkin foi o primeiro dos anúncios de peso da JBC a chegar às bancas, e por mais que o título desse post possa sugerir que minha opinião sobre o primeiro volume não foi grande coisa, a verdade é que gostei bastante, mas tudo nesse início da história está em cima do muro, e não consegui definir se vai cair para o lado da excelência ou para o da mesmisse.
De qualquer forma, vale os R$ 10,90 investidos, e o porquê você confere depois do continue.
Primeiro deixe-me comentar sobre algo que me chamou a atenção positivamente: os comentários do autor no final dos capítulos. Não é novidade alguma que os mangakás mantenham algum tipo de coluna nesse esquema, o próprio Masashi Kishimoto (Naruto) chegou a contar praticamente toda a sua vida aos leitores dessa forma, mas aqui a situação é um pouco incomum. Nobuhiro Watsuki fala muito do processo criativo de cada personagem ou situação, e isso nos dá uma visão totalmente diferente de certas coisas.
Saber que o Kazuki foi pensado como uma versão masculina da Misao de Samurai X, mantendo até mesmo traços parecidos de cabelo, que o autor se surpreendeu ao ver como era fácil para ele desenhar a Tokiko e que aí percebeu que é por sua semelhança com o Kenshin, também de Samurai X, ou que uma das cenas finais do volume, que a mostra furando e arrancando os olhos de um homúnculo ficou “censurada” por um balão de fala por imposição da editora devido ao público alvo, tudo isso contribui para uma interpretação além da história, um envolvimento com todo o mangá num sentido de obra mesmo, da idealização ao produto final. Extremamente interessante.
Isso dito, quem sabe agora eu falo um pouco do mangá em si, né? Bom, temos um pano de fundo bem comum para os shonens que misturam fantasia e vida colegial, e eu diria que o início tem mais características de Bleach do que qualquer outra coisa. Kazuki (Ichigo) morre devido à Tokiko (Rukia) tê-lo acidentalmente envolvido em sua luta contra um homúnculo (hollow), e então ela o salva ao lhe conceder uma kakugane (poderes shinigami) que permitirá a ele usar um buso renkin (zanpakutou). Sim, eu sei que em Bleach é o Ichigo quem salva a Rukia, mas vocês entenderam as semelhanças.
Mas não é uma coisa tão dejá vù quanto parece, não fiquei com a mesma sensação de “já vi isso em algum lugar” que dominou as impressões de Kekkaishi (e isso nem foi um ponto negativo dele), apenas nota-se quando se para pra pensar na história. E na verdade, ela não progrediu muito nesse primeiro volume. Tivemos a explicação da alquimia, que foi o que deu origem aos homúnculos e também às armas que os combatem, os buso renkins; sabemos que Tokiko é uma guerreira filiada a alguma organização e foi explicado como os homúnculos surgem, mas fora isso nadinha foi revelado.
Por outro lado, os personagens já foram bem definidos, e esse me parece ser um dos pontos altos do mangá, as personalidades. Kazuki se mostra um protagonista com traços um tanto incomuns. Não é tímido ou introvertido como alguns (normalmente os que têm dupla personalidade), revoltado ou soturno como outros e nem predestinado ou com o “dom de reunir pessoas a seu redor”. O personagem tem um humor muito próprio, engraçado porém não barulhento ou extrovertido como o de Naruto, e surpreende por ter várias poses de “eu sou o cara” ao mesmo tempo em que “convencido” está longe de ser uma característica sua.
Já Tokiko é mais comum, aquela mentora durona que esconde suas fraquezas enquanto treina o personagem principal, internamente vendo como ele talvez seja especial, ao contrário da primeira impressão. Mas é uma fórmula da qual eu particularmente gosto bastante, então não tenho muito como opinar negativamente sobre esse fato, além de que tudo sobre ela está totalmente escondido dos leitores por hora, e até mesmo seu nome só nos foi revelado no terceiro capítulo.
Os outros compõem um bom elenco secundário, apesar de que Mahiro, irmã mais nova de Kazuki, teria ficado muito melhor na ideia inicial de Watsuki. Planejada como um contraponto a Tokiko, como a pretendente da “vida normal” de Kazuki, isso daria uma maior sensação de “perigo! perigo!” em relação ao relacionamento de Kazuki e Tokiko, que com o papel de irmã que Mahiro recebeu acaba ficando “seguro demais”. Pensem o que mudaria no lado romântico de Bleach se a Inoue fosse irmã do Ichigo e talvez vocês me entendam, hahaha.
Mas antes de ser rebaixada a irmã mais nova, Mahiro foi prima e irmã mais velha, motivo pelo qual sua aparência realmente não condiz com a da “irmãzinha”.
A parte engraçada do mangá é bem executada, focando-se principalmente no protagonista, mas com praticamente todas as cenas que envolvem sua irmã também se usando desse recurso cômico muito bem. Algumas cenas são particularmente inspiradas e bem executadas: ri muito quando o Kazuki saiu correndo e gritando pela Tokiko para pegá-la no colo em sua aterrisagem depois do ataque conjunto dos dois que a mandou pelos ares, e aí ela levemente pousa atrás dele, que quase teve o nariz decepado por seu busou renkin. Mas o personagem também pode ser sério quando quer, e uma de suas características mais fortes parece ser agir sem pensar, porém com determinação, o que até agora só deu bons frutos e até rendeu uma ou duas situações heroicas.
Nesse primeiro volume chegamos a ter quatro lutas contra homúnculos desconsiderando a que matou Kazuki logo no início, um vilão central (ao menos para o primeiro arco da história) e um prazo para derrotar seus capangas antes que algo muito ruim aconteça. O ritmo da narrativa é bom, mas vou confessar que o design dos inimigos não desceu muito bem na minha garganta ainda. O fato de parecerem mais robôs do que aberrações também tira a sensação de asco ou medo que os monstros conseguem passar, o que me deixou também com uma desconfortável impressão de que o mangá está mais “certinho” do que precisava ser.
Watsuki nos conta como foi “ousado” de sua parte ter mostrado a barriga de Tokiko em determinada cena, chamando até mesmo de erotismo. É estranho pensar nisso dessa forma depois de ler um mangá cômico como Ranma ½, que é completamente saturado de peitos e cenas de nudez, por mais que sem a menor conotação sexual que algo como Gantz tem. A ausência de sangue (robôs, lembrem-se) também contribui, apesar de que os golpes destroem a lataria o suficiente para dar aquela sensação de satisfação ao ver o protagonista derrotar alguém que deu trabalho. Fora isso, os próprios buso renkins têm um quê de brinquedo, apesar de serem bem criativos e terem alguns elementos realmente bacanas, como a faixa de pano ligada à lança de Kazuki.
Buso Renkin, sete capítulos depois, acaba num momento em que sua identidade ainda não está definida, e numa hora chave para os rumos do mangá. Acredito que o volume 2 será a consolidação de uma imagem mais clara de “o que é Buso Renkin e para onde ele vai”, ainda mais considerando sua duração de apenas 10 volumes. A impressão geral é boa, principalmente pelo brilho que os personagens dão à história, e agora é esperar pra ver que caminho tudo isso vai trilhar.
Pequena nota sobre a versão brasileira: apesar de gostar muito do trabalho da JBC (acho a tradução de Tsubasa especialmente boa, apesar de encrencar com a insistência de substituir “-san” por “senhor”), senti que Buso Renkin merecia um tratamento mais “Panini” de ser, com direito àqueles glossários no final do volume. Alguns termos que foram traduzidos poderiam ter sido mantidos nesse caso, e algumas adaptações não precisavam mesmo terem sido feitas, considerando um público acostumado às expressões japonesas. Ler “maninho” toda hora sempre me lembra como “nii-san” soa melhor, e não acho que “jan-ken-pon” tenha ficado tão bem como “dois-ou-um”; que deixassem “pedra-papel-tesoura” ao menos. Nada, porém que descaracterize a narrativa, só fiz um pequeno comentário porque é raro isso me chamar atenção nos volumes nacionais como aconteceu dessa vez.