1984 é um dos principais exemplos de história que apresenta a sociedade em um futuro distópico, ou seja, aquela história em que uma “utopia negativa” é apresentada ao leitor. No caso de 1984, um futuro marcado pelo totalitarismo, pela opressão e pela extinção da individualidade. Um livro que deveria ser apreciado por todos e discutido abertamente nas escolas, uma vez que trás consigo um contexto histórico riquíssimo e cabem diversas discussões e reflexões.
Resumo:
O Partido governa em regime socialista totalitário. Todos são vigiados a todo o momento, através de câmeras (chamadas de telatela, que também servem para anúncios do Partido) que são instaladas nas ruas, no trabalho e, até mesmo, dentro das casas. Não é permitida nenhuma expressão de sua individualidade, aliás, não existe o individuo, existe apenas o Partido e todos trabalham para servir os ideais do Partido. Esse controle também se dá pelo novo idioma que está sendo aperfeiçoado chamado Novilíngua. Esse idioma tem como objetivo reduzir ao máximo o vocabulário e exterminar qualquer possibilidade de expressão individual que possa ser contrária aos interesses do Partido.
Outra ideia explorada no livro, e muito importante para o entendimento da história, é o conceito de duplipensar (ou duplipensamento) que é basicamente a capacidade de sustentar duas ideias opostas e aceitar ambas como verdadeiras. Ninguém melhor que o próprio Geoger Orwell para explicar:
Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da Democracia e que o Partido era o guardião da Democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar.
A ideia de duplipensamento pode ser notada no lema do Partido, que é “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”. Assim como também nos Ministérios que existem na Oceania. O Ministério da Verdade (onde Winston trabalha) é responsável por censurar as notícias ruins e falsificar as notícias antigas para que o Partido sempre tenha razão. O Ministério do Amor é responsável pela espionagem e por controlar as pessoas, também reprime o sexo e tortura os rebeldes que cometem crimideia. O Ministério da Fartura administra a fome da camada mais baixa da população (a prole) e divulga falsas estatísticas sobre os alimentos. E por fim, o Ministério da Paz é responsável pela guerra, dentre outras coisas, para destruir os bens da prole de forma que ela não acumule riquezas.
Uma paz verdadeiramente permanente seria o mesmo que a guerra permanente.
É nesse contexto que Winston conhece Júlia, representante exemplar da Liga Juvenil Anti-Sexo, mas que não demora a revelar que possui pensamentos contra o domínio do Partido, semelhante ao de Winston. Entretanto, Júlia prefere levar uma vida mais devassa, mais descompromissada a realmente reivindicar por algo. Winston, claro, se apaixona. Mas sexo para obter prazer é visto como pouco ortodoxo e os dois precisarão manter o relacionamento em sigilo, desconfiando de tudo e de todos. Mas até quando?
— Detesto a pureza, odeio a bondade. Não quero virtude em lugar nenhum. Quero que todo mundo seja devasso até os ossos.
— Bom, então acho que vai gostar de mim, querido. Sou devassa até os ossos.
Editora: Companhia das Letras
Autor: George Orwell
Tradução: Alexandre Hubner, Heloisa Jahn
Ano: 2009
Páginas: 416
Acabamento: Brochura
Preço: R$27,00 ~ R$50,00
Opinião:
O livro é todo narrado do ponto de vista de Winston e segue um clima bastante tenso do início ao fim. Não é bem vista nenhuma forma de comportamento pouco ortodoxo, não é permitido fazer sexo que não seja para procriação, não é permitido escrever em cadernos e muito menos cantarolar ou falar consigo mesmo. Pessoas que não seguem os princípios estabelecidos pelo Partido desaparecem, são “evaporadas” pela Polícia das Ideias. O Ministério da Verdade cuida disso, esse, inclusive, é o trabalho de Winston, alterar os registros para que os evaporados jamais tenham existido e quem falar sobre eles também não terá existido. Isso parece familiar, não?
Ao longe, um helicóptero, voando baixo sobre os telhados, parou um instante como uma libélula e voltou a afastar-se a grande velocidade, fazendo uma curva. Era uma patrulha policial, bisbilhotando pelas janelas das pessoas. As patrulhas, contudo, não eram um problema. O único problema era a Polícia das Ideias.
Como era possível fazer um apelo ao futuro, quando nem um rastro seu, nem mesmo uma palavra anônima rabiscada num pedaço de papel, tinha condições de sobreviver fisicamente?
Esse clima de estar sempre sendo vigiado está presente até mesmo dentro dos lares. Não apenas porque todas as casas possuem telatela, mas também porque as crianças que crescem pré condicionadas a aceitarem as regras impostas, são uma espécie de agentes mirins do Partido e a qualquer momento podem denunciar os próprios pais a Polícia das Ideias. Assim como a denúncia também pode partir de um vizinho.
A história passa por um breve período de tranquilidade: quando Winston está no bem-bom com Júlia. É daquelas épocas em que tudo tá dando certo pro malandro, uma época tão boa, mas tão boa que é lógico que logo irá acontecer algo pra acabar com essa vida mansa. E como é estamos falando de um contexto em que as pessoas são privadas de suas necessidades mais básicas, eu interpretei esse relacionamento mais como uma válvula de escape em que Winston se agarrou para aliviar essa carência, afinal, sexo também é uma necessidade básica. Os dois minutos de ódio também seria um escape, mas é algo coletivo.
Adaptações para o cinema:
O livro recebeu duas adaptações para o cinema. A primeira delas foi em 1956 (cartaz ao lado) com o diretor Michael Anderson. A segunda foi lançada, claro, no próprio ano de 1984, com direção de Michael Radford. Eu assisti apenas ao segundo filme. Logo que terminei de ler o livro já fiquei na ansiedade para ver como seria aquilo tudo, toda a sociedade criada por Orwell representada em filme. O resultado foi que eu não gostei nem um pouco da versão hollywoodiana. É de prache gostar do livro e não do filme.
Se você já leu 1984 recomendo que assista ao filme, mas, caso contrário, recomendo que leia primeiro o livro e depois procure o(s) filme(s). O problema é que o filme é, basicamente, a história do livro simplificada de formar muito superficial. E não pode ser apenas isso, não é mesmo? O filme tem que ter aquele “algo mais” e não se prender apenas em ser fiel ao livro. Contudo, o filme também teve seus méritos. O drama de Winston em relação a mãe foi bem abordado, assim como as cenas finais de tortura, muito interessantes, e também foi legal de ver o momento de tortura no famoso Quarto 101.
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Ainda no ano de 1984, a Apple lançou o famoso comercial do Macintosh todo inspirado em um dos momentos do livro de George Orwell. O comercial, claro, fez sucesso e recebeu até uma paródia em um episódio de Os Simpsons.Ambos os vídeos logo abaixo.
Conclusão:
1984, como eu havia dito, é um livro que apresenta um futuro distópico. Assim como este, muitos outros possuem essa característica, principalmente livros de ficção-científica e posteriormente o que veio a ser chamado de cyberpunk. Alguns exemplos de livros similares são: A Revolução dos Bichos, uma fábula do próprio George Orwell (excelente), Admirável Mundo Novo (tive que parar de ler), Fahrenheit 451, Laranja Mecânica, Neuromancer (único), Ubik (decepcionante), dentre muitos outros.
Mil Novecentos e Oitenta e Quatro também é uma importante obra de crítica política. Ele foi escrito Orwell logo após o final da Segunda Guerra Mundial como uma crítica ao regime da antiga União Soviética. Claro que se levarmos em conta o contexto em que o autor estava inserido tiraremos mais proveito da obra, mas prefiro não aprofundar muito nessas questões políticas, pois não é o meu forte. É um livro em que podemos discutir os mais variados temas.
Creio que o papel mais importante desse livro seja nos fazer pensar, refletir um pouco sobre tudo o que ocorre a nossa volta. Provavelmente, depois de 1984 você terá uma visão muito diferente da que você possui hoje. Você passará a questionar, principalmente, o papel do jornalismo em nossa sociedade e sobre diversos assuntos como, por exemplo, comportamento coletivo, natureza humana, guerra, política e poder mantido por poucos. Um livro espetacular, que deveria ser lido por todos. Deixo aqui no Portallos mais esta indicação.
Abaixo o melhor momento do livro narrado pelo dublador Guilherme Briggs (contém SPOILER):
Como podemos ter um slogan como “Liberdade é escravidão” quando o conceito de liberdade foi abolido?