A Árvore da Vida merece ser assistido e digerido. Terrence Malick fez uma direção alternativa, livre (literalmente) e criou uma experiência introspectiva extremamente artística e sensível. Entre o forte e o sublime, somos caos. Tudo é caos.
Prologue: [on screen, unspoken] “Where were you when I laid the foundations of the Earth, when the morning stars sang together, and all the sons of God shouted for joy?” Job 38:4,7
Não mentirei, não houve um momento sequer em que considerei ir ao cinema absorver a produção de Malick. O trailer e a divulgação não marcaram espaço próprio para o filme nos meus planos. Porém, a maioria do que acontece na vida não segue as regras ou os roteiros esboçados. Recebi um convite, tive a oportunidade de ir. Fui.
Distribuído pela Fox Searchlight Pictures com um gasto de $39,148,570 perante o orçamento de $32 milhões, The Tree of Life teve quatro nominações, duas no Cannes Film Festival e o restante no Golden Trailer Awards, dos quais ganhou o Palm d’Or e o Best Independent. Enfim, chega de informações e vamos ao que interessa. O filme vale o ingresso?
Um filme diferente…
Esse foi o primeiro filme que assisti no Rio de Janeiro desde que voltei para cá (há cinco dias, por aí). Está disposto a ver um filme calmo e puramente filosófico do início ao fim? Se for ao cinema assistir A Árvore da Vida, tente esquecer a maior parte dos outros filmes que foram exibidos recentemente nos cinemas.
Malick optou por explorar um estilo cinematográfico filosófico, reflexivo ao extremo. A ação, a ordem cronológica evidente, a trabalhada descrição das personagens, a existência do lado do bem e do lado do mal; nada disso se aplica a esse filme.
Não há vilão. Não há vitória. Nem derrota ou felicidade plena ou dor desacompanhada. É basicamente a biografia de Jack O’Brien, um personagem importante que recuso a nomear protagonista porque Malick não fez protagonistas, secundários e figurantes. Também não se limitou a dar vida apenas às personagens. Ele recriou memórias latentes naquilo que para ele os personagens já eram e depois partilhou por analepse.
Nos holofotes do palco estiveram seres humanos tão humanos que tornam um drama real, muito real, uma natureza caótica e surpreendente que mistura, num conflito constante e antigo, a brutalidade e a suavidade. A Natureza e o Universo estreiam as memórias evocadas por Jack à volta da morte do seu irmão aos 19 anos.
“[voice over] Where were You? You let a boy die. You let anything happen. Why should I be good ? When You aren’t. ” – Young Jack.
Assim começa o filme, com uma tragédia. Os pais recebem a notícia da morte do filho. Em consequência, o irmão reflete sobre a ausência do irmão anos mais tarde e ao observar uma árvore, ele revive toda a sua vida. A sua árvore da vida. Ali eles concretizam a metáfora. Adorei a forma como encadearam os acontecimentos e as sequências.
Aliás, The Tree of Life é repleto de metáforas. Todas solidas que aperfeiçoam a reflexão principal. É genial o regresso ao Big Bang, à origem da vida, a formação rochosa e a agressividade da natureza com os seus toques de sutileza. O dinossauro dominando o outro. O caos fluindo ordenadamente.
Estando atento, pode perceber diversas semelhanças entre o curso natural da vida e do Universo e os membros da família O’Brien. Acredito que todo esse paralelismo exige uma dose de genialidade. E na parte artística e técnica, reuniram cenas perfeitas, monótonas mas sinceras. Elas atingem o espectador. Você se sente descoberto intimamente, psicologicamente. Alguma coisa significante ocorre ali, diante de você, mesmo que seja apenas um filme.
As memórias ocorrem nos anos 50’s. Assistimos à criação da família O’Brien, o nascimento dos filhos. Jack, criança, sofre uma educação rígida e seca, junto ao seu irmão, por parte do seu pai (Brad Pitt). Pouco afeto, muita disciplina. É uma típica família comandada pelo homem, no caso militar reformado. E a brutalidade usada pelo pai representa uma face da natureza e da vida que apesar de violenta, revela iniciativa criativa por meio da destruição dos obstáculos intervenientes.
Mrs. O’Brien: “[voice over] The nuns taught us there were two ways through life – the way of nature and the way of grace. You have to choose which one you’ll follow.”
O lado do pai não perdoa, não poupa a ingenuidade. Ele luta pelo que quer e acredita. Ele usa a força quando acha necessário. É uma parte mais ativa. E o lado da mãe aceita esse outro lado da vida, lida com o domínio e tenta fazer dele uma ferramenta positiva. É a face sublime, calma e consciente que perdoa e alivia. Esse balanço é não só o núcleo da família O’Brien, como o núcleo do equilíbrio do Universo, da Natureza, da química da vida.
Os filhos que são presos entre esses lados, tentam administrar a própria via de existência. Eles se revoltam, mudam, tentam compreender, experimentam alternativas, fogem do meio familiar. Procuram definir eles próprios. E a mensagem que o filme acaba por transmitir mostra que mesmo que não acreditemos numa força criadora, ela está em todas as coisas, na nossa vida, presente em todos os momentos. Essa é a conclusão que tiramos do amadurecimento. Ela, assim como a realidade, não depende de nós para existir. Não interessa negarmos hoje, amanhã a podemos descobrir pois descobrí-la é compreender a vida.
Um extremo abriga o domínio e a manipulação humana e o outro os limites que o Universo impõe. Nós lutamos, manipulamos, conseguimos aquilo que queremos – nunca tudo. Mas somos ativos e aceitamos os limites que aprendemos que devem ser respeitados. Quando isso não acontece, a Natureza retoma o equilíbrio.
É um filme muito filosófico, requer muita concentração. É indispensável se dispor à interpretação pessoal e crítica. Cada um encontrará respostas específicas pela visão que adotar. Não é um filme de verdades absolutas, nem um filme religioso como pode parecer inicialmente. É um filme que tenta captar a realidade crua e nua.
A nostalgia desperta igualmente um sentimento marcante em A Árvore da Vida. Na cena final, temos o reencontro dos personagens da memória de Jack, um reencontro de aceitação, quando ele se reconcilia com o seu passado. Ele materializa o seu irmão morto e a alegria que a sua presença causa – não nele, mas naqueles que foram importantes para ele, mesmo que ele não soubesse na época: mãe, pai, entre outros.
Mrs. O’Brien: “[voice over] The only way to be happy is to love. Unless you love, your life will flash by.” [silence]
Por aí, Malick afirma que por pior e mais desagradável que o seu passado possa ter sido, no futuro a sua projeção mostra o quão perfeito fora. Cada momento. Os ruins e os bons. A lembrança transforma as impressões porque estamos prontos a compreender e aceitar a natureza brusca e perceber a beleza dela. Não é cliché, caso esteja pensando isso. É um filme valioso, mas diferente de qualquer outro filme recente. Ele tem uma atmosfera artística que combina a calma com o imperativo. Diria ser a recriação da Natureza pura e da relação entre ela e os seres humanos nas suas vidas.
E houve alguma semelhança entre a face do pai e a face da mãe? Sempre. É normal haver um elo entre os extremos. Afinal, sem algo entre eles, no meio mesmo, o contato é inexistente. Tanto o pai quanto a mãe, por vias diferentes, tinham a mesma e única verdadeira motivação: amor pelos filhos. Cada um fez o que achava melhor para os filhos e reconheceram os erros, aceitaram e seguiram em frente. É normal. Todos nascem. Todos morrem. Todos vivem. Entenda hoje ou daqui a quatro décadas, um dia entenderá. Não há fuga para isso.
A Árvore da Vida/The Tree of Life mereceu os prémios que recebeu. Foi um filme diferente, incrivelmente americano (porque o estilo parece mais europeu) e que dividiu muito a recepção pública. Tem sido um filme bem polêmico, na verdade.
Mrs. O’Brien: “[voice over] Do good to them. Wonder. Hope.“
Aqueles que não gostaram e até aqueles que odiaram, penso que tenham ficado assim por não estarem acostumados a um filme que provoca, mistura, explica a vida do ser humano voltando até a criação do Universo – ou então não foram preparados para isso, não estavam esperando algo assim. A própia desconexão da apresentação do filme consegue se conectar a quem assiste atentamente.
Caso não tenha assistido ainda, a responsabilidade é sua. Não recomendarei porque esse filme tem uma direção que causa impressões muito distintas. Você adora ou odeia. Eu adorei. Se estiver apto a aceitar o desafio, compre um ingresso, vá ao cinema. Veja o que você acha independentemente da crítica alheia. Esse é um filme íntimo – e isso é que o destaca.