A matéria que o Pedro publicou ontem no Portallos causou polêmica com os leitores (leia aqui). Mas o assunto é tão complexo que ao invés de simplesmente opinar dentro da postagem, resolvi ampliar seu contexto, abrindo outros argumentos e ponto de vista em cima do mesmo tema.
Resumidamente o Governo quer que os canais de TV por Assinatura tenham um maior espaço para produções nacionais. Criando cotas e incentivo. A lógica é quase a mesma que foi utilizada com o cinema nacional alguns anos atrás (notou como o Brasil produz mais filmes – e de maior qualidade – e que estes se destacam mais nos cinemas na última década? Nos anos 90 basicamente só a Xuxa ou Os Trapalhões faziam filmes). MAS PARE AÍ MESMO! Chega de pensar nisso, antes vamos fazer a seguinte reflexão: Como anda a qualidade da TV por Assinatura atualmente?
Pense sobre isso.
Repeteco…
Pense na quantidade de reprises que são exibidas diariamente em basicamente todos os canais. Séries que possuem 4 horários diários na mesma semana de um mesmo episódio, os chamados horários alternativos. Temporadas que são exibidas de 3 a 4 vezes ao ano, enquanto a nova não estréia. Séries antigas que há anos são exibidas ininterruptamente, enquanto outros clássicos são esquecidos no tempo. Séries de comédia que além da temporada recente, ocupam blocos de uma ou duas horas diárias com reprises maçantes dos mesmos episódios que se revezam em questão de meros meses.
Posso citar alguns exemplos, como Two and a Half Man, Friends e Big Bang Theory que ocupam juntos 3 horas diárias do canal Warner com reprises (que em questão de meses, repetem tudo de novo). Que tal Simpsons, que ocupa 2 horas diárias com 4 episódios que se revezam entre um tal horário sendo que o episódio-reprise que você assistiu ontem as 18h, vai passar novamente na próxima semana as 18h30, sendo que se seguisse a cronologia da série, um mesmo episódio deveria levar meses para voltar a ser exibido. Mas não, lá está ele, quase todo mês, sendo exibido num horário diferente. E o desenho Padrinhos Mágicos que passa em três canais diferentes?
Se for falar de filmes então… Filmes que passam em canais diferentes, as vezes no mesmo dia. Filmes que você acha na programação toda maldita semana. Porque os canais de filme básicos estréiam novos filmes apenas um ou duas vezes por semana, no restante dela, reprisa tudo exaustivamente. Sempre os filmes mais famosos, que você já viu um milhão de vezes. Harry Potter em julho foi um inferno. Passou em vários canais, com direito a maratona dos 4 primeiros filmes, mordendo horas e horas da mesmíssa coisa.
Infocomerciais…
Outra grande perda de tempo da TV por assinatura são os infocomerciais (ou infomerciais – creio que seja o termo correto, mas acho esquisito) que alguns canais possuem. Geralmente eles não ocupam o horário nobre, sendo exibidos no período da manhã de alguns canais, que como não possuem nada de bom para exibir (ou reprisar), vende o horário para ficar exibindo estes programas de comerciais, que tentam vender parafernálias na TV (imagino que muita gente deve comprar, pois do contrário eles não seriam tão insistentes com isso). Horas e horas que você paga pela sua TV por Assinatura que vão para o ralo com empresas tentando lhe vender algo porque o canal não tem nada melhor pra exibir (até tem, mas é mais lucrativo não exibir).
Falta de conteúdo…
Isso é algo que venho percebendo nestes últimos anos. Quanto tive TV por assinatura nos anos 90, não era tão evidente. A falta de programas para preencher a grade de tantos canais. Antigamente exista apenas os mais famosos hoje em dia: Fox, Warner e Sony (e alguns outros). Todo conteúdo era centrado em meia dúzia de canais, então faltava espaço para se exibir tudo que se gostaria. Séries tinha apenas 2 horários por semana (as mais famosas tinham três), chegavam por aqui com atraso por falta de horário (também existiam outros fatores, a internet mesmo obrigou os canais a acelerarem a exibição atualmente).
Hoje em dia você tem a Fox, o FX e a Fox Live, tem Sony, Sony Spin (Animax) e AXN. Tem Warner, tem I-sat, tem Sci-Fi, tem Universal, tem Cartoon Network, Boomerang e ToonCast, tem Disney e Disney XD. Um mesmo grupo empresarial passa a ter múltiplos canais dentro da TV por assinatura. Cada um pode ter uma linha de gênero televisivo, mas todos acabam as vezes compartilhando um mesmo conteúdo. A pouco tem atrás AXN e Animax exibiam Lost, por exemplo. Com isso canais do Grupo Fox não possuem apenas 24 horas diárias de programação, passando a ter 72 horas de programação para preencher três canais dentro da TV por assinatura. Com isso se a Fox tinha 15 séries apenas com um único canal, ela divide eles entre seus novos canais, passam a adquirir mais um pouco de conteúdo novo em cada um e nesse recheio maluco, entope as veias de três canais com mais reprises. Ele não triplica o número de programas na mesma proporção que cria novos canais, acaba-se dividindo-o e a aquisição não é na mesma proporção que seria se tivesse um único canal por assinatura.
Isso criar um sistema de TV por assinatura inflado, onde operadoras de TV vende pacotes com 200 canais que se unificassem, o conteúdo mal renderia para 20 canais. Há buracos demais em toda essa situação.
Voltando ao foco!
Percebe-se então que há muito lixo na TV por Assinatura, não concorda? Não há que se falar que com a nova Lei Nacional de Cota de Conteúdo Nacional vá restringir o conteúdo estrangeiro dos canais. A Lei não diz isso, apenas diz que parte da programação que já existe, seja ela inédita ou reprise ou blocos comerciais, deve ser de conteúdo produzido por aqui, incentivando até mesmo a produção independente.
A TV por assinatura já tem bastante canais brasileiro, como os do grupo Globosat, a nova lei não vai obrigar os canais a diminuírem ou acabarem com o conteúdo estrangeiro. Pelo contrário, vai obrigar a criar mais conteúdo, ainda que nacional.
Você acha mesmo que a Fox vai deixar de exibir um Simpsons em horário nobre para exibir Turma da Mônica? Que a Warner vai deixar de passar Fringe para exibir qualquer outro programa brasileiro? Você acha que a TV por Assinatura será tomada pelas novelas ou programas de auditório como Gugu e Faustão? PARA COM ISSO!
O Multishow já produz conteúdo nacional há anos e nem por isso é um canal que tem “Gugus” e “Faustãos” ou até mesmo novelinhas. O conteúdo nacional da TV por assinatura deve seguir a tendência daquelas séries latinas que a HBO já produziu em parceria com o Brasil (e que eu nunca assisti por não ter HBO, mas dizem que não é tão ruim quanto qualquer outra coisa na TV aberta).
Não me sentiria mal se pudesse assistir um programa de Talk Show como o Jô Soares num horário mais convidativo (na Globo haja saco pra ficar madrugando pelo Jô Soares). Ou até mesmo aquelas séries que a Globo produz de vez em quando que possuem um apelo mais inteligente e ácido do que as novelinhas bocós. Eu gostava muito de “Os Normais”, por exemplo. E esse tipo de programa combina com a TV por assinatura, porque existe uma maior liberdade no conteúdo e menos censura do que a exibição da TV aberta. Vale lembrar que lá nos Estados Unidos isso também acontece. Séries como Dexter e Californication são produzidos por canais pagos lá, porque não poderiam ser exibidos na íntegra na TV aberta americana. Esse tipo de conceito também deve ser aplicado por aqui, ou seja, séries brasileiras mais inteligentes, mais maduras, voltada a um público que exige mais qualidade no assunto. Séries que precisam concorrer com os seriados americanos na TV por assinatura. A qualidade dos programas tem que se equiparar com o público da TV por assinatura, mais exigente do que o da TV aberta.
Por isso não tenho medo da cota. Espaço existe e potencial para se produzir com qualidade já existe, séries como Presença de Anita e Os Normais provam isso. Até mesmo o já batido programas humorísticos como Casseta & Planeta poderiam ser ainda mais ácidos e críticos se fosse uma produção para a TV Paga, sem se limitar pela censura e politicamente correto da TV aberta. É tudo uma questão de adaptação.
Mas esse medo de que você não vá assistir Piratas do Caribe 4 ou ver os novos episódios de The Walking Dead porque a nova lei vai estragar a sua diversão é sem sentido. A procura pelos chamados enlatados americanos continuará existindo. A Internet vai continuar pressionando os canais a exibirem eles rapidamente em relação aos EUA, até porque se um canal grande largar a exibição de séries famosas em pró do conteúdo nacional, com certeza haverá um outro canal pago, de menor porte, que vai se interessar pela série americana que tem um custo menor (pois não precisa produzir). Sumir as séries não vão. O mesmo vale para os filmes, e a lei do incentivo a produção nacional está aí com força total, mas as produções norte-americanas continua estreando no país, até mesmo nas estréias mundiais. Anda atrasando algumas coisa sim, mas a culpa é das salas 3D e não dos filmes nacionais.
Por isso, não acho que valha a pena colocar pilha nessa polêmica. Vamos deixar a coisa rolar. Ver como os canais vão se adaptar, quais programas serão exibidos, como ficará a questão das reprises e infocomerciais e o espaço descartável que existe. Espaço de sobra existe para o conteúdo nacional, sem precisar tirar Simpsons, Family Guy, Big Bang, Fringe, Modern Family, Grey’s Anatomy, House e outras séries que todo mundo adora.
Sempre leio algumas pessoas dizendo: “se eu pago, eu vejo o que quero”. Isso é a mais absoluta verdade. Mas será que estamos pagando atualmente para ver o que queremos? Eu não me sinto a vontade pagando o tanto que pago, por tanta reprise e conteúdo vazio, por um pacote com 200 canais onde somando os programas que assisto em alguns não preencheria a programação nem de meia dúzia de canais.
É preciso pensar sobre isso… depois de tudo isso, você ainda acha que programas independentes produzidos no Brasil podem estragar a já broxante TV Paga brasileira? Esse é o menor dos males.
Há dois erros nessa polêmica toda em torno de conteúdo nacional na TV Paga (na minha opinião): Achar que isso vai acabar ou diminuir com os programas estrangeiros (não vai) e achar que o conteúdo nacional produzido para este tipo de público vai ter a mesma qualidade dos programas populares da TV aberta (não vai).
E aí? O que me diz?
Obs: Adorava o Stargame que era exibido no Multishow nos anos 90. Quem se lembra? Programa de Videogames produzido no Brasil.
Obs 2: Aos cabeça-duras, não estou dizendo que os infocomerciais e as reprises vão acabar por causa da nova lei de cota nacional de programas, estou apenas dizendo que espaço e programação sem importância é o que mais tem na TV Paga. Se a cota nacional entrará nestes blocos de programas ou vai pegar espaço de programas de melhor qualidade, ninguém aqui é vidente para saber. É aguardar e ver o que acontece, mas em tese, não é a lei que define isso, e sim os próprios canais. Se houver má-fé, virá deles, e não dá lei nua e crua.