Algumas histórias te fisgam sem você nem perceber. Pode ser pela riqueza da trama ou pela sutileza dos personagens, você vai acompanhando o decorrer dos acontecimentos e quando menos percebe já está intimamente ligado àquela obra. Pode ser um filme, uma música, um livro; pode ser famoso, desconhecido, aclamado pela crítica ou ridicularizado por todos, não importa! Aquela obra te marcou e não há nada nem ninguém que irá tirar aquilo de você.
Você pode achar piegas eu estar falando isso, mas, mesmo que não admita em alto e bom som, você guarda aquela lembrança de experimentar aquela obra com carinho.
Fazia um bom tempo que eu não tinha uma experiência de leitura tão prazerosa, mas só fui perceber que tinha sido fisgado, quando estava virando as últimas páginas do livro Não Me Abandone Jamais.
Não que o livro seja uma revolução no mundo da literatura ou que mereça prêmios pela sua escrita. Pelo contrário, a escrita do autor Kazuo Ishiguro é até simplória, ele não se estende muito nas descrições dos lugares e nas características físicas dos personagens. Aliás, só foi depois que a Dakini comentou que ela teria que ler um outro livro desse autor para uma matéria na faculdade é que fui pesquisar um pouco mais sobre o cara. Ele já foi indicado a vários prêmios literários, chegou a ganhar alguns e já foi nomeado pela revista Time como um dos “50 Melhores Escritores Britânicos desde 1945”. Nascido no Japão, mas criado na Inglaterra, ele cresceu sobre a influência dessas duas culturas tão distintas. O que com certeza impactou diretamente na sua escrita, que é totalmente introspectiva e voltada pra o desenvolvimento dos personagens. E é exatamente isso que temos neste livro.
Escrito como se fosse uma espécie de diário da personagem principal, Não Me Abandone Jamais é narrado de forma não-linear, com os acontecimentos sendo contados a medida que a personagem se “lembra” deles. Portanto, avançamos e retornamos no tempo sem nem ao menos perceber. Tamanha é a habilidade de Ishiguro em nos conduzir pela história.
A história… Acho que o maior pecado seria eu contar, mesmo por cima, do que se trata o livro. Basta dizer que é uma ficção científica distópica, onde Kathy – a personagem principal – discorre sobre a sua infância em um internato inglês chamado Hailsham e relembra a sua amizade/triângulo amoroso com Tommy e Ruth. Um sentimento de estranheza me acompanhou durante toda a minha leitura. O modo como as coisas são narradas, a forma como as coisas acontecem, tudo isso vêm acompanhado de uma inquietação desconcertante. Que me perseguiu mesmo após sermos apresentados à verdade sobre os personagens e aos temas que Ishuguro se propõe a discutir.
Não Me Abandone Jamais é um excelente livro, sem dúvida. Trata de temas atuais e polêmicos com uma sutileza de fazer inveja a Michael Bay (depois de ler o livro você vai entender o por quê de tê-lo citado).
O livro foi adaptado para os cinemas em 2010, sob supervisão de Ishiguro e traz nos papéis principais os atores Carey Mulligan, Andrew Garfield e Keira Knightley. Pretendo vê-lo em breve, para fazer uma crítica e também uma comparação com o livro.
Ficha Técnica
Título: Não Me Abandone Jamais (Never Let Me Go)
Escritor: Kazuo Ishiguro
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 344
Ano: 2005
Leia um trecho do livro.