Um Violinista no Telhado de Charles Möeller e Claudio Botelho – Eu Fui! [Teatro/Musical][Comentário]

Um Violinista no Telhado, um clássico da Broadway de 1964 baseado na obra judaica de Sholom Aleichem, presenteado pela coreografia de Jerome Robbins e pela música de Sheldon Harnick e Jerry Bock, conseguiu sete anos em cartaz há décadas atrás.

Anos mais tarde, Charles Möeller e Cláudio Botelho decidiram reviver o clássico. Ergueram, entre pogroms e tradições fortes em plena Rússia czarista, uma produção brasileira do espetáculo que está se apresentando na Oi Casa Grande (RJ). E terá dado certo?

Não é muito comum fazermos críticas e sugestões de espetáculos de teatro aqui no Portallos. Algo raro mas que não escapa quando necessário. E acredito que “Um Violinista no Telhado” seja uma excepção, um espetáculo que devo comentar obrigatoriamente. Não consegui ignorar, deixar de escrever esse texto.

Posso garantir que “Um Violinista no Telhado” não foi apenas um espetáculo mas um espetáculo espetacular.E por aí já é possível ter uma ideia do que se segue. Não me restou uma única dúvida. O preço do bilhete justifica, compensa por tudo.

Compre, assista, será difícil de se arrepender. Continue lendo que há muito a ser comentado

AVISO: Os videos abaixo contêm spoilers que considero leves mas provavelmente relevantes. E a sinopse abaixo poderá conter spoilers para os sensíveis.

Há quanto tempo não entrava num teatro! Era praticamente uma criança da última vez que fui à uma peça. Ganhei um convite, nem estava informado ou ciente da produção. Apesar de não ter paixão por teatro, não encontrei nenhuma razão para negar o convite. Estava mesmo precisando distrair a mente. Por que não ir? Então fui.

Quando cheguei na Oi Casa Grande, aqui no Rio de Janeiro, estava conhecendo as instalações pela primeira vez. Muita coisa mudou desde que saí daqui, há seis anos atrás – há novos estabelecimentos em todos lugares. Sentei na platéia setor 1 e aguardei o espetáculo começar. Não havia muita animação em mim mas alguma curiosidade.

Poucos minutos depois que José Mayer se apresentou no palco, o meu cepticismo foi perdendo o trono até ser destronado. Bastou me surpreender pela incrível qualidade técnica musical da primeira música (“Tradição”) – sim, os atores cantaram muito bem – que a minha receptividade ganhou outra natureza.

É igualmente fundamental ter em consideração as anteriores experiências de Möeller e Botelho com “Hair” e “Gipsy”, aliás bem sucedidas. E aliados à produtora Conteúdo Teatral, executaram o maior projeto musical até o momento. Contrataram uma enorme equipe e foram geniais na adaptação de um dos maiores clássicos norte-americanos. Sou obrigado a reconhecer. Seria tão incorreto afirmar que firmaram um novo clássico brasileiro?

Acho que era normal esperar que as vozes não soassem tão bem. Nem conseguia imaginar José Mayer cantando. E mesmo assim, lá estava ele e os outros, cantando ao vivo com ótima afinação. Julguei mal, ainda bem. Melhor foi ter julgado com antecedência, assim mesmo.


Como está escrito no Livro Sagrado…

Esse espetáculo é maravilhoso! Antes de escrever sobre o elenco ou qualquer outro fato sinóptico, vou dedicar esse parágrafo ao primeiro elemento que conquistou a minha admiração: o cenário. Perfeito. Suberbo. Fiquei observando as casas no plano de fundo, as pequenas janelas iluminadas e os pontos cintilantes do céu escuro da noite. Os efeitos da iluminação exatamente como deviam ser, um ambiente dinâmico, era impossível não mergulhar no contexto, imergir na história e fazer dela um refúgio, um bom refúgio.

E os efeitos especiais, por assim dizer, incluindo iluminação, cenário artístico e alterações dos espaços alcançaram gradualmente patamares mais elevados de satisfação. Uma pessoa precisa estar morta para não se deixar conquistar pela beleza artística da produção. E a música completa o cenário, a iluminação e a história. Combinação acertada!

Não havia efeitos especiais como nos filmes, claro. Não tinha um 3D de óculos inútil, mas uma profundidade calculada, bem trabalhada e elaborada. Era a definição de direção artística. Eles foram infalíveis em tudo, sem qualquer exagero. Não estou comparando necessariamente teatro com cinema, embora tenha tido sempre preferência pelos filmes, mas “Um Violinista no Telhado” foi uma experiência de entretenimento melhor que muitas que tive com filmes recentes.

E fiquei surpreso por constatar isso. Esqueci o resto e aproveitei o espetáculo. Toda produção tem os seus momentos mais marcantes e nem de tão longe esse musical foi uma excepção. Sempre há alguma coisa acontecendo, captando a atenção. A coreografia é suficiente e as músicas, tanto em letra quanto em ritmo, transformam a história em algo mais real para a audiência.

Por ser um musical teatral, já existe uma vantagem inegável na apresentação. Aquilo tudo acontece na sua frente, tem um impacto mais próximo da audiência. Foi muito bom mesmo ter ficado lá, sentado durante 130 minutos – isso porque não é pelo corpo estar sentado que nós estamos apenas sentados. Isso seria bem difícil de realizar.

Em “Um Violinista no Telhado” (“Fiddler on the Roof” no original) não emerge unicamente uma história. Circunda a simplicidade do conteúdo, um contexto histórico e de crítica social que acaba por evocar uma certa identidade. Basciamente, temos diálogos, monólogos e críticas (não apenas sociais) que transcendem através da musicalidade. Uma mais ativa, explosiva e frequente, e outra mais tênue e rara (o violino tocado por um garoto, bem pequeno – bastante impressionante).

Direi que esse é um programa cultural um tanto caro mas precioso. Vale os 100 reais (ou 120 reais, dependendo do lugar que você compra) pelo que oferecem. Ação localizada na Rússia czarista, tempo histórico automaticamente denunciado, começamos pelo vendedor de leite Tevye introduzindo as antigas tradições da comunidade judaica.

Por isso, temos um vendedor de leite pobre, judeu, com três filhas e casado com Golda. Tudo acontece numa vila muito pequena e isolada do interior, camuflada pelo gelo da Rússia, Anatevka. E há vários conflitos em paralelo. A questão da honra e da tradição judaica, tendo Tevye que acertar o casamento das filhas. Uma casamenteira intrometida. Uma mãe preocupada. Um russo com ideias revolucionárias. Um ambiente familiar de confraternização e novas ideias para a época.

E muita neve. Muito canto. As filhas tendo que casar e Tevye contribuindo com os seus monólogos e deliberações. Para cada problema que aceita, precisa encontrar uma solução para dar à Golda. Quem já assistiu, sabe do que estou falando. Adorei tudo, mas talvez a cena do fantasma da avó e da ex-esposa do açougueiro mereça um prêmio: pelos efeitos especiais, pelas atuações e pelo sentido de humor.

O espetáculo te adota, te abriga. E paralelamente, os judeus sofrem o preconceito, a discriminação. Os conflitos são redimensionados até atingir o cume. E quando termina tudo, a despedida, sentimos como se algo muito bom que acabamos de viver estivesse se esvaindo. O espetáculo tem que ter sido relevante! Concorda?

Os temas principais rondaram vertentes religiosas e filosóficas. Destacaram o horror da discriminação, contudo reservaram mais tempo para a crítica à mentalidade conservativa, às tradições. Como diria o Livro Sagrado, quer dizer, Tevye, toda tradição já foi algo novo algum dia.

Evitei alguns spoilers na sinopse, não estranhe a falta de comentários mais profundos de alguns acontecimentos. Esse texto é para incentivar aqueles que ainda não foram assistir “Um Violinista no Telhado” a ir até lá e sentar por 130 minutos que serão muito bem gastos.

É importante a liberdade de pensamento e a opção da mudança. Aquilo que não muda, adoece.

UM VIOLINISTA NO TELHADO
UM ESPETÁCULO DE Charles Möeller & Claudio Botelho

Baseado em histórias de Sholem Aleichem, sob permissão especial de Arnold Perl.


TEXTO

Joseph Stein

LETRAS
Sheldon Harnick

MÚSICA
Jerry Bock

VERSÃO BRASILEIRA
Claudio Botelho

DIREÇÃO
Charles Möeller

ELENCO
José Mayer – Tevye
Soraya Ravenle – Golda

Rachel Rennhack – Tzeitel
Malu Rodrigues – Hodel
Julia Bernat – Chava

DIREÇÃO MUSICAL
Marcelo Castro
COREOGRAFIA ORIGINAL
Jerome Robbins
RECRIAÇÃO COREOGRÁFICA
Janice Botelho
CENÁRIO
Rogério Falcão
FIGURINOS
Marcelo Pies
ILUMINAÇÃO
Paulo Cesar Medeiros
DESIGN DE SOM
Marcelo Claret
VISAGISMO
Beto Carramanhos
COORDENAÇÃO ARTÍSTICA
Tina Salles
CASTING
Marcela Altberg
PRODUÇÃO EXECUTIVA
Aniela Jordan e Luiz Calainho

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