Quadrinhos Disney além dos limites tradicionais. Limitações de mercado e editoriais.
A imagem acima é composta de nove quadros e nove temas. Nove ideias que levam diversidade ao universo dos quadrinhos Disney. Quem está acompanhando a coleção Essencial Disney já deve ter notado que os quadrinhos Disney, assim como qualquer outro gênero de quadrinhos, seguem certas rotinas fundamentais. O Mickey está sempre acerca de um mistério, o Donald está sempre arranjando encrenca, o Tio Patinhas está sempre tentando enriquecer ainda mais. Cada personagem tem seu pequeno núcleo de situações e histórias, que segue sempre certos parametros imutáveis. Ao menos é isso que a linha de publicações Disney no Brasil quer que seus leitores pensem.
Porém as coisas não são assim preto no branco. O Universo Disney é riquíssimo em diversidade, em grande parte graças a Disney Itália, um dos principais pólos de produção de quadrinhos Disney do mundo. Mas é uma diversidade negligenciada no Brasil. E quando não fazem de conta que não existem, esse material é tão maltratado por aqui que acaba impedindo os leitores de se tornarem fãs. Uma lástima.
Culpa do comodismo, numa editora que há 60 anos não muda a linha Disney, que não é provocativa e ousada. Que insiste em endeusar grandes artistas, uma única escola Disney e que não consegue se modernizar como as outras editoras estrangeiras que trabalham com os quadrinhos Disney. E depois culpam um mercado nacional, que se cansou de ler a mesma coisa há décadas, que não vê algo novo, inovador, saindo por aqui de forma correta há muito tempo. Aquilo que eu discuti um pouco por aqui há duas semanas.
Quer entender melhor?
Bem, me deixe voltar um pouco. Para o quadro que abre a matéria. Como disse ele é composto de nove quadros com nove temas. Esses quadros são propagandas de páginas de dentro de uma revista publicada na Grécia: a Miki Maoys. É uma revista semanal, composta por 100 páginas. Nem todas as páginas são de quadrinhos, mas geralmente ela fica entre 80 a 85 páginas por semana com quadrinhos, e o restante com matérias, passatempo e outras coisas de menor importância.
Essa revista publica de tudo um pouco. Não tem como foco apenas um personagem, como são as nossas revistas de inéditas (cada título tem o seu personagem que conduz toda a edição). A Miki traz histórias do Donald, do Mickey, do Patinhas, assim de qualquer outros personagem. Muitas revistas lá fora publicam quadrinhos Disney dessa forma. Nós também fazemos algo parecido por aqui com a Disney BIG, o problema é que essa é uma revista de republicação, não oferece nada de novo ao leitor veterano, e também faz um péssimo trabalho de contextualização ao leitor novo, como a falta de data da origem das HQs, mas isso é outra história.
Mas a grande sacada dessa revista grega é que ela possui um foco. Todo mês ela tem um destaque, algo especial, que deixa toda a revista atraente para leitores, velhos ou novos. Aí entra as chamadas que abrem essa edição. Cada quadro acima representa uma página de propaganda que os leitores na Grécia encontram na edição, avisando qual será o destaque das próximas 4 edições. De 4 em 4, um novo tema surge, uma nova proposta, uma novo ritmo.
HQs longas, com mais de 100 páginas são divididas em 4 edições, em 1 mês você leu toda a obra. Séries italianas saem por fases, de 4 em 4 edições, com uma folga de alguns meses, para que você conheça outras séries nesse meio tempo, para que a própria série em si não canse ninguém. Isso também ajuda os leitores casuais, que não curtem comprar tudo sempre. Você compra as 4 edições do mês em que curtir o tema.
Na imagem que abre o post temos como destaques (da esquerda para a direita, de cima para baixo) a série Topolinia 20802 (inédita no Brasil), uma HQ do Tio Patinhas chamada Missão Efeito Borboleta que possui 100 páginas (inédita no Brasil), uma HQ da série Máquina do Tempo onde o Mickey e o Pateta vão para os tempos do Marco Polo e também é uma HQ com quase 100 páginas (inédita por aqui), a série que raramente sai no Brasil onde Donald e Peninha são espiões para a Patinhas Agência de Inteligencia (P.A.I.), a série Pateta Reporter que se passa na década de 30 (inédita no Brasil), a série Os Mágicos do Mickey (que foi abandonada no Brasil de forma incompleta), HQs da série que coloca a Família Pato na Idade das Pedras que lembra um pouco daquele clima dos Flintstones, a série Donald Duplo (que também está atrasadíssimo no Brasil, com uma janela horrível – e demorada – entre suas fases) e, por último, histórias de época, aquelas que colocam os personagens vivendo em períodos históricos ou viajando no tempo por estas eras, tema bem incomum de se encontrar nas mensais de inéditas, porém saiu bastante em Clássicos da Literatura Disney. Ah ainda outros universos, outras séries, outros épicos que não quis incorporar ao quadro (senão o mesmo ficaria gigante), mas tem todo o universo da série Donald Menino, a série TNT onde Donald e Peninha entram para uma agência que caçam monstros sobrenaturais, Mickey Mistery, a série PKNA que muitos dizem ser a melhor série do Superpato já criada, Crônicas do Planeta T com o Mickey e por aí vai. O que não falta nos quadrinhos Disney é diversidade, originalidade e ousadia. Tirar os personagens de suas rotinas clássicas, coloca-los em novas aventuras, novas séries e novas versões de si mesmos.
Não estou dizendo que o formato clássico tem que acabar. Na Miki Maoys essas HQs continuam saindo também. Como ela tem 100 páginas ela tem espaço de sobra para as novidades, as inovações, mas também aos clássicos, ao universo regular. A revista equilibra o inovador com o tradicional, coisa que as nossas publicações não fazem.
Hoje em dia os colecionadores pagam R$ 10 por uma edição semanal, com 100 páginas, de Essencial Disney, que apesar de ter material inédito, apenas traz histórias do universo regular, tradicional dos quadrinhos Disney. O formato luxo que encarece a revista é totalmente desnecessário para tal material. Se há mercado para que o leitor torre 10 pratas semanais por HQs normais, porque não existe uma revista no formato mais tradicional (formatinho) com uma periodicidade semanal e mais barata?
Fazendo uma matemática aproximada. Pato Donald mensal com 50 páginas custa 3 reias. São 6 centavos por página. Tio Patinhas custa 5 reais. Custa R$ 0,06(25) por página. Uma revista com 96 páginas custaria quanto? R$ 0,06(25) x 96 = R$ 6. Não seria melhor pagar 6 reais por uma semanal em formatinho com 96 páginas do que 10 reais por esse material que está saindo em Essencial?
Eu sinceramente não entendo a Editora Abril e algumas de suas políticas de mercado. As edições mensais estão sufocadas, não possuem espaço pra nada. As coleções semanais de luxo, ao menos a atual, não tem material digno de ser chamado “luxo”. Séries e HQs especiais (de 100 páginas) não possuem espaço para serem publicadas no país, exceto por especiais e encadernados que as vezes levam anos para sair. Fora o zilhões de titulos de repetecos. Fica difícil assim.
O mercado internacional de quadrinhos Disney é mais inteligente, mais adaptável. Lá também existe mensais fininhas, mas eles possuem encadernados de inéditas com periodicidade mensal ou bimestral. Existem edições extras que publicam material inédito. Existem essas revistas semanais, como a Miki Maoys que tratam séries e HQs especiais com o foco e a atenção que merecem. Além de que o material clássico, as republicações também acabam sendo melhor organizadas.
Infelizmente no Brasil continuamos com uma mentalidade atrasada e com isso o mercado não cresce, ou se cresce, é um crescimento irrisório. Não é de se admirar que a Panini com a Turma da Mônica tenha uma vendagem 10x maior. A Panini vem fazendo um excelente trabalho com os título do Maurício de Sousa. Revistinhas com maior número de páginas, uma coleção realmente focada em HQs hitóricas, almanaques temáticos, assinaturas com englobam quase toda a linha da casa e até mesmo em Portugal as edições da Mônica vão, enquanto os fãs Disney de Portugal choram por não ter uma única revistinha nas bancas há anos.
(Mais algumas artes de capas com material diferente: Cronicas do Planeta T, Donald e Peninha TNT: Tamers of Nonhuman Threats, A História da Arte, Superpato que por sinal em vários países tem revista própria e aqui no Brasil a gente sufoca o personagem na mensal do Tio Patinhas, Mickey Darkenblot, Donald Duplo, Mágicos do Mickey que retornou em 2011 depois de uma senhora pausa lá fora, Donald Menino e, por fim, Drácula di Bram Topker sucesso da semana passada na Itália que deve sair por aqui sufocando a mensal do Mickey por dois meses, enquanto lá na Itália em duas semanas tá tudo resolvido)
A Editora Abril precisa acordar, precisa parar com essa linha editorial ultrapassada. Precisa de um carro-chefe, uma revista semanal baratinha, com um material mais ousado, diferente. Precisa de um almanaque de verdade, como o saudoso Almanaque Disney. Precisa aperfeiçoar seu pacote de assinaturas. Precisa aprimorar sua loja online, oferecer as revistas em comics shops virtuais. Precisa engordar mensais como Mickey e Pato Donald, que deveriam voltar a ter suas 68 páginas como era nos anos 90. Precisa direcionar melhor seus titulos de republicações, fortalecendo-os ao invés de ficar criando versões das mesmas revistas com um número absurdo de páginas.
Leitores são atraidos por novidades. Atualmente ela pode estar conseguindo alguns por tanto material que anda vomitando nas bancas de qualquer jeito. Mas sem organização, sem ousadia, sem diversificação, esse público não vai ficar por aqui por muito tempo. Todos os títulos da casa atualmente garantem a venda a curto prazo da linha, mas não pensam em cultivar os leitores a longo prazo. Isso é um erro lastimável. As revistas atuais acabam sendo cansativas, sempre na mesma linha, sempre com republicações previsíveis. Soma-se isso com a péssima decisão de setorizar a toda a linha Disney novamente.
Assim não dá!
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