Uma releitura que poderia ter rendido mais. Muito mais!
Parece até piada, não deu nem um mês desde esse meu post dizendo que eu iria dar um tempo nessa xaropada toda que estão sendo esses animes ultimamente, quando sem querer poucos cliques acabaram por me levar ao recém lançado filme de Berserk todinho traduzido. Nem em sonho eu apostaria que isso fosse acontecer ainda nesse ano. Se você pega como parâmetro os filmes dos blockbusters japoneses (ou otaku, eu sei lá…) acaba por descobrir que é mais fácil esquecer o assunto até segunda ordem do que ficar que nem retardado no pé dos Fansubers perguntando quando diabos o próximo filme meia sola do Naruto vai cair na rede.
Mas enfim, o velho ritual de quando animes ainda possuam alguma relevância na minha programação se repetiu depois de tanto tempo. Me empolguei, baixei, perdi mais de 1 hora na frente do computador com um fone de ouvido para aumentar a imersão e agora como prometido (eu sempre me atraso) vou despejar aqui as minhas impressões logo após o continue.
Não curte spoilers? Tem alergia só de ouvir falar no nome? Nem sabe o que é um Behelit pra começo de conversa? Então me desculpe, mas já aviso que Berserk e papas na língua são duas coisas que não combinam, está bem? Fica a dica.
Eu gostei de Ougon Jidai Hen, é um filme visualmente estonteante, como poucos, mas sendo Berserk a ocasião exigia ainda mais. Essa ainda não é aquela animação que povoa os meus sonhos mais loucos, uma em que resolvam copiar ou ao menos tentem transportar da forma mais fiel possível o mesmo traçado empregado no mangá. Eu sei que isso é sonhar pra cacete e tudo mais, mas não considero algo impossível, só acho que a cada ano que passa fico mais convencido de que tal coisa só vai rolar quando o próprio Miura fizer um cursinho de animação e ele mesmo botar a mão na massa pra produzir essa parte. O que considerando a preguiça dele, jamais vai acontecer.
Mas e daí? Eu consigo viver com isso, desde a animação lá de 1997 eu faço isso. Aliás muito antes de conhecer Berserk eu vi o mesmo acontecer com Slam Dunk do mestre Inoue. O que não desceu muito bem foram aqueles efeitos de CG se misturando com animação tradicional. Ao meu ver, por algum milagre eles pouco interferiram nas cenas mais velozes, aquelas com muito combate. Mas em outras… minha nossa, o efeito literalmente transformou os personagens em robozinhos, quase como se fossem personagens de vídeogame. O Zodd grandalhão na caverna é o melhor exemplo, não fosse essa uma animação tradicional ele cairia como uma luva num Super Sentai fazendo uma ponta como monstrengo do dia.
Mas de todos os defeitos desse longa esse é o que menos deixa a desejar. E eu já chego lá.
A história vai melhor, ela permanece imutável e eu achei admirável o jeito como os produtores inseriram emoção em cenas que todos nós já estamos mais do que carecas de saber como acontecem. Eu inclusive fiquei imaginando comigo mesmo que criar algo do zero deve ser mesmo difícil, mas me perguntei também se tentar recriar um momento marcante e causar o mesmo impacto da primeira vez não é algo ainda mais complicado de ser feito.
E eles conseguiram esse feito, ao menos por aqui. Pra mim foi impossível não me deixar levar nas duas primeiras cenas onde o Griffith conversa com o Gatts sobre os seus sonhos. Aquele entardecer rejuvenescido, aquela música que amolece o coração logo nos primeiros acordes. Sério, achei aquilo um tiro certeiro que adentra, sem fazer cerimônia, até mesmo o coração do fã mais xiita que existir desse mangá. É praticamente um convite para esquecer o que vem pela frente e reviver o momento.
Sacrifícios? Femto? A Mão de Deus? Nada, por um instante eu desejei até que o bando do falcão vivesse uma história diferente, uma história de sucesso mesmo. Porque eu voltei a minha atenção para o Griffith e o que eu enxerguei foi um menino sonhador. Assim como 3 anos mais tarde (ou poucos minutos depois, como queira) enxerguei um capitão justo, alguém merecedor de estar à frente de todas aquelas vidas. Mesmo já sabendo o que se esconde por trás do personagem, o que lhe reserva o futuro, eu novamente me senti como se estivesse conhecendo o Griffith pela primeira vez.
E isso poucos remakes são capazes de fazer, esse aqui por exemplo, bem atual por sinal, não teve a mesma competência.
Também achei que o Gatts voltou muito bem rebootado. Aquela luta contra o Bazuso nunca resumiu tão bem o personagem: um suicida nato que está sempre à procura da morte. Achei a relação dele com o Griffith muito bem desenvolvida, destacou bem a importância do encontro dos dois para a vida dele. Porque aqui (muito mais do que no velho anime de 97) fica nítido que o desenvolvimento do Gatts, aquilo que fez ele parar, olhar pra si mesmo e perceber que estava preso dentro do sonho de outra pessoa depende exatamente desse encontro. Assim como a triste história de ascensão e queda do bando do falcão.
Mas é uma lástima que esse nível de detalhamento, essa atenção toda não tenha sido aplicada para os outros personagens. A Caska por exemplo passa o filme todo apagada. É mais fácil pensar nela como a mulher ciumenta que está sempre implicando com o mais novo queridinho do chefe que na mulher corajosa que agente aprendeu a gostar. O mesmo vale pro resto do bando, aquele resto que realmente importa. O Pippin é um dos que continua o mesmo: um grandalhão de poucas palavras, mas muito gentil. Não faz mal ele não aparecer tanto, ao menos no anime sempre foi assim. Mas há outros que simplesmente não dá pra entender porque foram literalmente jogados pra escanteio.
O Rickert por exemplo é a criança que nunca mereceu muito destaque em batalhas, o que eu sempre curti nele mesmo é que ele era uma das peças chave que fortalecia os laços cada dez mais fortes que o Gatts formava com todos do bando. Característica mais que marcante do garoto que foi totalmente esquecida, sem indício algum de que seria explorada em algum momento do longa. Judeau é outro que infelizmente (e infelizmente mesmo) também passa longe de ser expressivo e olha que a primeira (e única) cena dele no filme entregou um pouco da personalidade dele e do segredo amoroso que ele sempre escondeu.
Sempre gostei daquele ar de enigmático do personagem, um companheiro com cara de traidor que nunca fugiu à luta. Mas tudo foi rápido demais e foi só isso.
De todos ali, acho que o Corkus foi o que mais falou e que infelicidade seria esse filme caso isso fosse diferente. O cara sempre foi um zero à esquerda no grupo, um oportunista de mão cheia, mas ele era um dos mais queridos do mesmo jeito. Como um amigo falastrão e desajeitado que numa hora te dá nos nervos e noutra já está rendendo momentos bem humorados. Senti até que envelheceram ele um pouquinho mais só pra evidenciar aquele lado ranzinza que ele sempre teve.
Mas enfim, um único resgate não é o suficiente pra apagar a sensação de que faltou alguma coisa. E isso não é só pelos personagens omitidos, o lado mais sujo do passado do Griffith também foi varrido pra debaixo do tapete e a infância do Gatts foi resumida num simples flashback sem muito conteúdo. Como se a revolta dele não precisasse ser nem explicada. Isso e outros fatores deixaram a execução do enredo incrívelmente mais leve e esse novo/velho mundo de Berserk ficou tão mais bonito, tão inocente e tão colorido que aquele clima de mundo desumano praticamente sumiu.
Como se os produtores tivessem levado esse reboot tão a sério a ponto de esquecer o quão chocante é o passado de cada um ali. Como se a estrada para o sucesso do bando do falcão até o reino de Midland fosse um romance da Disney, quando na verdade o desenvolvimento do grupo envolveu até mesmo acordos sórdidos mediante relações sexuais entre personagens chave. Daqueles que você olha e retruca com todas as letras possíveis: “EU NÃO ACREDITO QUE ELE FOI CAPAZ DE FAZER ISSO”. O lado nú e crú de um enredo que nunca se prendeu à moralismos perdeu um pouco da sua identidade na minha opinião.
Se você é fã de longa data você sabe que cedo ou tarde o lado mais odioso, mais obscuro do ser humano vai entrar em cena (obviamente) no segundo filme. Mas o início do arco de ouro nunca foi esse mar de rosas, esse aparente conto de fadas que o filme faz parecer que ele é. E a situação não podia ser mais mais triste, porque o filme não tem censura alguma e mesmo assim não aproveita o melhor que a série tem pra oferecer.
A impressão que fica é a de que infelizmente 3 filmes não serão o bastante pra retratar tudo do jeito que gostaríamos. E não porque o filme foi feito pra agradar as massas que nunca tomaram conhecimento do enredo, mas sim porque a duração do longa é o fator determinante pra que isso não vá pra frente de forma satisfatória. 1 hora e 16 minutos se mostrou muito pouco tempo para reapresentar tudo que há de bom no início da história.
Será que custava tanto assim produzir material que batesse 2 ou mesmo 3 horas de filme? Que se dane o público que não aguentar ficar mais de 2 horas com a @#$%#¨pregada na cadeira do cinema. Batman: The Dark Night Rises por exemplo é um filme que vai fazer a geral ficar quase 3 horas dentro da sessão quando for lançado. Porque diabos uma animação de tamanha importância teve que ser tão enxugada?
Se isso fosse uma produção dedicada ao público ocidental eu até compreenderia, mas não é. Isso é material pra japonês consumir. Não dá pra entender. INFELIZMENTE. E eu acredito que nada ali seja corrido demais a ponto de não ser entendido, MAS ISSO APENAS por quem é fã de longa data, porque mesmo sentindo falta do carisma a mais que sempre teve o resto do bando, do lado cruel da história que aparece muito pouco aqui mesmo não se dedicando a ser um filme pra todos, eu ainda sabia quem era quem ali. Porque a minha base já estava construída.
Então como uma obra que se propõe a recontar um dos melhores mangás da atualidade e ainda apresentá-lo às novas gerações (se é que a intenção era mesmo essa) Ougon Jidai Hen falha feio na minha opinião. Como se tudo tivesse sido feito às pressas (e agora pensando no cronograma maluco de 3 filmes num único ano eu já não duvido de mais nada). É como se eu estivesse vendo um daqueles episódios especiais onde os caras resolvem fazer um resumão de tudo o que rolou em anime X numa transmissão com pouco mais de 1 hora de duração.
Se eu nunca tivesse visto nada sobre Berserk antes e baixasse o filme por pura curiosidade, nada nele me marcaria. O Griffith seria a estrela do show, o corajoso cavaleiro andrógino que consegue ser mais charmoso que a princesinha do reino. O Gatts seria o escravo gladiador sem vontade própria que só adquire cérebro lá pro final do filme. E a Caska só seria digna de ser lembrada pela ceninha onde ela aparece pelada mostrando tudo.
E o resto… bem, o resto não seria nada porque o andamento do filme os trata exatamente dessa forma.#fato
Mas piadas (e minhas repetições) toscas à parte, o que eu quero dizer é que Ougon Jidai Hen se comporta como um filme única e exclusivamente feito para os fãs e ainda assim falha por não trazer tudo o que um fã de carteirinha esperaria de um remake desse tamanho. O filme não serve nem como um caminho fácil pra quem não tá afim de ler o já extenso mangá.
Não consigo achar o resultado final como algo decepcionante porque o apelo de alguns momentos de fato me emocionou tanto quanto da primeira que os vi. Mas como um todo ele deixa muito a desejar. Acredito que ainda exista a remota possibilidade disso tudo se acertar no próximo filme, dos personagens ofuscados pelo triângulo principal ganharem a chance de aparecer por mais de um minuto em cena antes que o terceiro filme faça isso da forma mais óbvia e sem graça possível, além do passado de alguns vir à tona já que a linha original da trama não foi seguida à risca. Mas eu não vou nutrir muitas esperanças não.
Se 2 horas já não me parece tempo suficiente armazenar tudo que é pertinente e igualmente importante para a série, mais uma mísera hora e poucos minutos (julgando que o segundo seguiu os mesmos moldes desse primeiro) não fará milagre nenhum pelo enredo e tampouco vai cativar um novo publico. E a sensação no fim das contas foi a mesma de quando eu via os créditos descendo naqueles filmecos bem meia boca de Naruto e Bleach. A de que aquilo tudo poderia ter sido muito melhor, mas que por algum motivo tosco não foi.
O filme é ótimo, mas não é Berserk por inteiro, é só um pedaço, um pedaço muito pequeno dele. Mas enfim, quantas vezes eu já cai nessa armadilha mesmo? Ah… perdi as contas, e lá vai o velho ciclo dos filmes de anime se repetindo uma vez mais. E agora parece que está comprovado: nem mesmo as melhoras obras, aquelas que pareciam estar acima de qualquer suspeita, escapam dele.
Que pena.