São Paulo ou Rio? Sonho ou fantasia? Hum… alguém liga?
Não dá, acho que eu nunca vou descobrir o porquê dos TPS dessa geração serem infinitas vezes mais atrativos que os FPS na minha humilde opinião. Até esse ano eu achava que o gameplay mais foda envolvendo tiroteios era o de Call Of Duty: Modern Warfare 2 e aquela matança desenfreada na favela. Lembro que a dublagem era bem escrota, os vagabundos misturavam inglês com português, davam uma sopa desgraçada em cima daqueles telhados e ainda berravam vergonhosamente pedindo por… socorro.
Mas e daí? Aquilo foi o mais próximo que tivemos do nosso país recebendo alguma atenção por parte dos gringos (não que aquele seja o melhor jeito de nos apresentar, mas…) nesse mundo dos games e querendo ou não foi foda. Mas isso só até a Rockstar lançar Max Payne 3 e chutar bundas com mais um, vejam só vocês… TPS. Fechei o jogo umas duas vezes (e contando) e me arrisco a dizer que mesmo aquele que não curte muitos jogos do gênero vai começar a pesquisar mais games nesse estilo caso jogue esse até o final.
Na minha visão Max Payne 3 trata o prazer de se dar um tiro (virtualmente falando) como nenhum outro game do gênero trata, seja ele um FPS ou TPS. E curiosamente isso acontece justamente pela ótica de um homem que preferia estar morto a puxar um gatilho novamente.
Que ironia, não?
O Max é um suicida nato e mesmo esse já sendo o terceiro jogo da franquia, tem muito flashback com menções aos outros 2 jogos pra dizer o porquê disso. No início é notável que os encarregados pelo enredo tentaram explorar um pouco o drama do personagem, mas infelizmente isso não se sustenta quando o Max sai às ruas sem destino de volta. Mas achei isso é ruim não, a conduta do Max me provocou outras coisas ao longo do jogo. Cheguei a me identificar um pouco com ele no que diz respeito as emoções por exemplo.
Me voltou à mente um período de reclusão pelo qual passei há algum tempo. Na verdade, eu quase enxerguei o meu eu daquela época no Max, porque o personagem tem várias pessoas à sua volta, mas continua se sentindo sozinho. Ele prefere passar o jogo inteiro imerso dentro dos próprios pensamentos, criando mil e um diálogos, ideias, conclusões que ele guarda pra si mesmo. Não somente porque ninguém ali é confiável, mas porque em meio a tanta dor, arrependimento e um certo desejo de voltar no tempo pra consertar as coisas a vida fica sem sentido o bastante pra se expor, pra se abrir com alguém próximo.
Isso não tornou o Max o cara mais interessante que eu já num jogo dessa geração, mas me fez comprar as motivações dele sem muito questionamentos. Só que a diferença entre eu e o Max é que ele se acha um velho que chegou ao fundo do poço. Ele não quer mais tentar, acha que já deu tudo o que tinha que dar e talvez ele tenha mesmo razão. Afinal desde que a sua história começou pelas mãos da Remedy lá no PlayStation 2 o cara já perdeu 2 grandes amores, fora amigos durante o processo.
E esse é o combustível principal para as loucuras que o jogo mostra. Algumas eu achei engolíveis (e essa palavra existe?), mas a grande maioria dos acontecimentos eu posso resumir num grande conto de fadas, só que com tiroteios e muita morte. Mas vamos com calma, apesar dos pesares ainda existe um equilíbrio nessas forças. A Rockstar acerta em cheio no enredo quando mostra que a rede dos corruptos no seu jogo é parecidíssima com a nossa aqui no Brasil da vida real.
Dentre tantos personagens depois do Max, acho que o policial Da Silva é o único a merecer ser citado (com o resto você se diverte enquanto espera pra saber se eles vão ou não morrer no meio do caminho). Ele dá a real pro Max desde o início e é impossível não concordar com ele diz, porque faz todo sentido, vivemos isso: Não existe figura pública que seja 100% incorruptível e mesmo se existisse, tal fato não duraria por muito tempo. Porque uma vez que você mergulha de cabeça na rede de corrupção dos políticos e policiais com a intenção de levar a sujeira dos mesmos à público ou simplesmente fazer o seu trabalho de modo honesto, cedo ou tarde só vai te restar uma saída.
Se unir à eles ou morrer tentando remar contra a maré.
Porque a justiça é falha e policial aqui não tem incentivo nenhum pra ser herói. Apenas alguém de fora, alguém que não tem mais nada a perder é que poderia dar conta do serviço, meter a mão nessa sujeira toda e morrer se assim fosse preciso. É aí que entra o Max, de modo um tanto exagerado, mas entra. Subindo o morro desarmado e saindo de lá com metade das mortes da favela nas costas, invadindo uma delegacia pra pegar a cabeça de um policial corrupto, mas não sem antes derrubar uma horda de policiais subalternos. Botando um prédio abaixo, detonando uma milícia inteira e não contente acabando com um esquema de tráfico de órgãos na mesma tarde.
E tudo isso sozinho.
Na vida real eu tenho certeza de que nem com todo o bullet do mundo ele conseguiria tal feito, não é a toa que se você aumentar a dificuldade, retirar as travas de mira e limar o bullet time o jogo muda totalmente de figura. Mas sei lá… eu não quero reclamar que faltou realismo ali não. Porque mesmo concordando que sim eu não consigo imaginar o game de outra forma. Mas já abrindo um adendo nisso, acho que o fator determinante para essa minha estranheza toda deve ter sido a mudança de ares.
Em um dado momento dentro da bagunça que vira a favela de Nova Esperança, o Max diz que os mafiosos de New Jersey parecem santos perto dessa guerra entre policia e ladrão de São Paulo. Logo, uma característica (o bullet time) que se encaixava tão bem no contexto digamos… mais calmo dos 2 primeiros games talvez tenha se tornado um exagero com tantas cabeças para derrubar.
Porque a julgar pelo pouco que eu vi, os outros jogos eram bem menos frenéticos que essa terceira edição. Mas eu posso estar perfeitamente enganado uma vez que a minha experiência com Max Payne 1 e 2 se limita à vídeos no YouTube. E se assim for fiquem à vontade para me corrigir nos comentários.
E não, eu não estou sendo hipócrita quando deixo de mencionar outros jogos de premissa parecida com esse, eu apenas levei Max Payne 3 mais à sério que a grande maioria, eu acho. Eu costumo correr pra frente do videogame afim de viver experiências novas, conhecer lugares que talvez eu não tenha a oportunidade de ver em vida, vivenciar enredos fantásticos sem precisar pegar num livro. Mas eu também costumo perder um tempo com ele quando eu simplesmente quero fugir da vida real (na verdade, na maior parte das vezes).
Então pra quê prezar sempre por uma dose 100% realista todas as vezes? Não, não dessa vez. O jogo pra mim só merece elogios e um deles vai para a reprodução desse nosso cantinho no mundo.
Eu já tinha me conformado com o fato de que eu não reconheceria nenhuma localidade de São Paulo mesmo que o Max desce uma passadinha bem em frente à igreja da praça da Sé. E não deu outra. Aquele estacionamento de ônibus, o estádio… nada. O único momento em que eu parei pra olhar os detalhes de verdade foi quando o Max raspou a cabeça e resolveu meter a cara na favela. Só que ali mesmo já deu pra perceber que o que a gente desconfiava nos trailers era mesmo verdade. Tudo ali tem muito mais cara de Rio de Janeiro do que qualquer outra cidade e nem adianta dizer o contrário.
Aquele moleque logo na entrada com uma camiseta claramente inspirada no time do Fluminense já entregou tudo. Mas uma São Paulo com cara de Rio de Janero? Que se dane, eu aplaudi a Rockstar do mesmo jeito. Não me lembro onde, mas ouvi de alguém certa vez que nem mesmo quem mora aqui consegue ver todas as paisagens desse Brasil e montar um retrato realmente fiel dele logo depois. Então se alguém de fora quase chegou lá apenas fazendo uma visitinha discreta por aqui eu só posso mesmo aplaudir. Porque o nível de detalhismo é simplesmente de cair o queixo.
As casas maltratadas, os pneus velhos jogados ao sol, a pelada de sábado à tarde, a turma sentando naquelas cadeiras de plástico para tomar uma cerveja. E o que dizer dos diálogos aqui e ali? O sambinha que toca ao fundo de cada casa? E o som do Emicida bombando logo na entrada do morro, então?
Às vezes a gente reclama muito da forma como somos lembrados lá fora. Se não é bunda, é samba, é favela, é violência. Em Max Payne 3 a coisa não é diferente, mas eu sinto algo mais ali. O pessoal da Rockstar que esteve por aqui andou por essas favelas, seja lá quais foram elas. Ouviram o que as pessoas diziam, o que faziam ali e trataram de capturar mesmo a sua verdadeira essência. E não é só isso, porque a jogada de mestre é exatamente colocar um gringo mal humorado totalmente incompreensível no meio dessa gente feliz, cheia da malandragem.
Criou-se ali um contrate foda demais e me causou mais uma estranheza, mas dessa vez 10o% boa. Afinal quantos jogos onde o alvo a ser morto fala e xinga claramente na sua língua você já jogou? E sem querer alfinetar, mas já o fazendo. A Sony pode ter começado a muito bem vinda moda dos jogos dublados/legendados, mas é a Rockstar a primeira a se mostrar realmente comprometida em reproduzir a nossa língua da forma que ela realmente merece. Com mais emoção e menos robotização.
E então fica sobrando o gameplay. Para se recuperar de qualquer ferimento é só arranjar uns analgésicos, mas os tiros que o Max recebe em pontos vitais matam na mesma hora, independente do seu estado vital. Perdi as contas de quantas vezes eu peguei cobertura e acabei morrendo por uma simples espiadinha de nariz pra fora e a kill cam cruel mostrando onde exatamente a bala entrou logo em seguida.
Ficou bom, melhor do que pegar cover e se recuperar automaticamente o tempo todo. Lá pro final da história eu já estava colocando o Max na frente de todos aqueles atores de filme de brucutus dos anos 90 (Van Damme? Schwarzenegger? Rambo? Pffff…). Mas se tem uma coisa que é notável e que te puxa sempre de volta pra realidade é o quando o jogo te força a exercitar a sua cautela. Porque ao menos aqui, meio minuto de tiroteio à queima roupa já é sinônimo de morte.
A inteligência artificial é o melhor exemplo disso, os NPC’s não são daqueles que ficam parados no mesmo lugar atirando a esmo por um ano até que você vá lá dar cabo deles. Os caras são dinâmicos, vão avançando sempre e a imersão só aumenta com os diálogos deles. As ordens, os gritos de dor, os palavrões que você ouve pelo menos uma vez ao ano e por aí vai.
Tem também a engine responsável pela física dos personagens que pra mim é o ponto alto desse jogo. É por causa dela que eu considero Max Payne 3 o jogo de tiro mais prazeroso que tive a oportunidade de jogar até hoje. Porque o modo como os corpos caindo interagem com os elementos do cenário a sua volta é impressionante. Posso até estar enganado, mas acho que ali não existe jeito de prever de que modo cada NPC vai expressar os seus últimos momentos de vida.
O mesmo vale para as mecânicas à disposição do Max. Inicialmente eu broxei, achei ele muito lento, mas era só questão de costume já que o grande barato da historia era ver de quantas maneiras era possível testar a mente maluca do protagonista. Exemplo? O tiroteio no estádio de futebol, eu fiz questão de pular um lance inteiro daquelas escadas na arquibancada enquanto a atirava nos vagabundos lá embaixo.
Foi um daqueles momentos onde o bullet time do jogo te dá vontade de tirar uma boa foto de tudo aquilo que o Max consegue enxergar naqueles poucos segundos. Só que a surpresa maior veio mesmo quando o efeito acabou e o Max desceu o resto da escadaria rolando como qualquer pessoa normal faria.
Talvez tenham sido poucos os que se apegaram a esse e outros detalhes, sinceramente não sei, mas pelo menos 90% da graça do jogo ficou ali pra mim. Deu um pouco mais de veracidade à situação, o próprio Max em meio a tantos diálogos com seus botões certa vez pára pra conversar consigo mesmo (e ele faz isso muito bem) e diz que simplesmente não sabe mais o que diabos ele está fazendo ali no meio daquela m@#$% toda. Mas que ele não vai parar.
Não vai parar porque o seu senso de justiça fala mais alto e se você se envolve demais com a causa do mesmo jeito que eu me envolvi, você acaba por sentir o mesmo. Então ainda que o bullet time e outras fatores soassem como fantasiosos demais ao meu ver, o melhor jeito de voltar para a terra firme era sempre ver o maldito do bandido caindo no chão e se tornando menos uma pedra no meu sapato.
Não porque eu tinha prazer na morte dele (apesar de que o slow motion da kill cam e as balas entrando uma após a outra é sempre um convite quase que irrecusável para se apreciar uma morte) e sim porque era ele ou eu. Senti um pouco o peso disso e dentro das leis que regiam aquele mundo tão parecido com o nosso, levei o Max até onde ele e eu achávamos que deveríamos ir pra resolver o assunto de umas vez por todas.
E enfim… eu ainda estou pra encontrar um FPS que me faça sentir algo igual sem que eu precise apostar no já muito bem publicitado gênero de guerra. Talvez seja por isso que os TPS como Uncharted me atraiam mais. Talvez seja por isso que eu tive de voltar lá em 2007 pra conhecer o melhor FPS dessa geração na minha humilde opinião. Porque eu me amarro muito mais em fazer parte de uma aventura bem contada do que bancar o soldadinho de chumbo no campo de batalha (calma gente, isso não foi uma crítica a jogos de guerra).
E acho que é isso, queria ter testado o multiplayer, mas o meu tempo anda tão escasso que sinceramente não sei quando e se vou conseguir aproveitá-lo. E mesmo que eu não consiga fazê-lo antes do dia em que a Rockstar feche os servidores do jogo (o que acredito que vai demorar muuuuuito ainda pra acontecer) a experiência já valeu do mesmo jeito. Se o Brasil realmente vive um bom momento no cenário dos games como muitos dizem (e eu custo a acreditar totalmente ou… sei lá, cegamente nisso) então sem dúvida esse jogo é um dos que veio para evidenciar ainda mais tudo isso.
Agora se não for, tudo bem também. Nessa situação em que o nosso mercado (ou algo perto disso) se encontra, com tudo parecendo tão nebuloso, eu acho um milagre que toda essa atenção com o Brasil esteja mesmo acontecendo. Algo que é pra se admirar essas iniciativas recentes da Microsoft, Ubisoft, Sony (com algumas ressalvas), entre outras produtoras. E se antes estava faltando a Rockstar, talvez a partir de agora não falte mais. O tempo dirá.
Eu só lamento isso não ter acontecido antes. Quando um tal de L.A. Noire apareceu por essas bandas.