Era uma vez…
Vocês já passaram o olho na propaganda de uma série e pensaram logo “não tem como isso ser bom”? Já leram uma breve sinopse de uma estória e exclamaram “isso não pode dar certo”? Bem, esse tipo de pensamento às vezes nos poupa de uma experiência ficcional rui, mas outras vezes nos impede de conhecer um show que nos faria pirar a cada semana. É frustrante reconhecer que por causa de um preconceito bobo eu quase não assisti a uma das melhores séries em exibição (na minha opinião, of course): Once Upon a Time.
Logo que eu ouvi “personagens dos contos de fada no mundo real”, pensei que seria mais uma atualização ou adaptação realística de estórias clássicas, coisa que parece ter se popularizado muito, recentemente. E isso não me animava, justamente por ter se tornado algo um tanto batido e parecer querer surfar no sucesso do conceito “fantasia para adultos” que consagrou Game of Thrones. Qual não foi minha surpresa quando em um dia de tédio liguei a TV a cabo e, sem ter achado nenhuma outra opção interessante, assisti a uma reprise do primeiro episódio de OUAT? Eu não consegui acreditar que não tinha visto aquela série até aquele momento! Não era como eu imaginava. Embora se passasse no mundo real e tivesse elementos realistas, era perfeitamente possível reconhecer a fantasia clássica que permeia minha memória afetiva até hoje. Princesas, príncipes, bruxas, fadas, anões, grilos falantes, Pinóquio, Floresta Encantada… tudo e mais um pouco estava lá e pareceu inacreditavelmente crível! E mais! Embora tenha como base a nostalgia, Once tem muitas licenças poéticas para reinventar os contos de fadas e seus personagens e fazê-los mais próximos de nós. Branca de Neve, a Rainha Má e todos os demais estão mais esféricos, mais profundos, mais humanos e surpreendentes. Falarei um pouquinho sobre o enredo.
O garoto Henry descobre em um livro chamado Once Upon a Time a obscura verdade sobre a cidadezinha em que vive: todos que lá moram foram trazidos do mundo dos contos de fadas (embora a mitologia da série não se restrinja a eles) por uma maldição lançada pela Rainha, em sua vingança contra Branca de Neve. Essa maldição impede que eles envelheçam durante 28 anos e que qualquer um saia da cidade, e substitui suas memórias por outras falsas, de uma vida que eles não tiveram. A filha da Branca de Neve e do Príncipe era a salvadora que quebraria a maldição, então ela foi enviada para o nosso mundo ainda bebê através de um armário mágico. Aqui, a menina chamada Emma não teve muita sorte na vida, passando por orfanatos, lares adotivos, sendo presa aos 17 anos e dando a luz a um menino na cadeia, o qual ela daria para adoção: o próprio Henry! No aniversário dela de 28 anos, o garoto bate em sua porta, diz que é o filho dela e conta que ela precisa ir para a cidade de Storybrooke para quebrar a maldição e trazer os finais felizes de volta. Obviamente, ela não acredita, e leva o menino para a cidade, onde conhece a mãe adotiva dele: Regina Mills, prefeita da cidade e outrora Rainha Má. A salvadora logo nota que, apesar de ter uma moral dúbia, Regina verdadeiramente ama Henry, o que não significa que a poderosa mulher seja o melhor para o menino. Emma acaba desejando se aproximar de Henry e fica na cidade (apesar de todas as tentativas de Regina de expulsá-la de lá) e se torna amiga de Mary Margareth, professora de Henry e outrora Branca de Neve. Mãe e filha (que têm quase a mesma idade) moram sob o mesmo teto e desenvolvem um forte laço sem saber a verdade que Henry tenta continuamente expor para ouvidos céticos.
Em meio a tudo isso, Emma consegue fazer (involuntariamente) o tempo da cidade correr novamente e as coisas seguirem rumos diferentes para os habitantes de Storybrooke. Em cada episódio nos aprofundamos mais não apenas nas contra-partes do mundo real como também nas estórias do mundo dos contos de fadas, contadas em flash-backs de modo não linear, em uma estrutura semelhante à de Lost, o que não é coincidência, já que a série é escrita por dois roteiristas da equipe daquela série: Adam Horowitz e Edward Kitisis. Mas a principal diferença entre Once e Lost é que a nova série não tem tanta pretensão quanto a antiga. Embora levante mistérios, OUAT foca mais em seus personagens e seu desenvolvimento, para não dizer que, por fazer referências a estórias clássicas que quase todo mundo conhece, a série tem um alcance muito mais amplo do que o mundo nerd, sem, no entanto, perder em qualidade.
Once conseguiu o feito de abraçar a magia que conhecemos desde a infância e apresentar personagens clássicos com novos backgrounds, sem mexer em suas essências. A série pode ser mais sombria em alguns episódios e mais divertida em outros, e fazer o expectador gritar “O QUÊ?!” em alguns plot-twists (eu no episódio da Chapeuzinho Vermelho), sempre trazendo um sentimento de satisfação para os fãs. Mas a verdadeira magia da série não está nos efeitos especiais, mas no mais sagrado elemento dos contos de fadas: o amor verdadeiro. A princípio podemos ter nosso cinismo despertado e pensar o amor verdadeiro como algo clichê, irreal e brega, e isso pode criar um impedimento na hora de ver Once e entrar em contato com sua filosofia de que o verdadeiro amor pode quebrar todas as maldições (ou causar inúmeras mortes e tragédias, dependendo do personagem). Mas, como um professor do Ensino Médio me disse uma vez, por mais que ridicularizemos esse Romantismo, no fundo ele é o que a maioria das pessoas almeja, mesmo elas não admitindo isso. E a série deixa bem claro que por mais que o amor seja a força mais poderosa do mundo, ele não é perfeito, ele sempre vai trazer sofrimento e ele nem sempre vai te dar um final feliz, mas, apesar de tudo isso, todos precisam dele. O episódio “Heart of Darkness” está aí para provar.
Se você ainda tem receio de ver Once Upon a Time, eu fortemente recomendo que dê uma chance a essa incrível série. Assista pelo menos uns sete episódios (ou melhor, veja logo toda a primeira temporada e o início da segunda, que está fabulosa), preste atenção nas motivações de cada personagem, elabore teorias ousadas para explicar algumas situações e mistérios, aprecie as atuações (sobretudo dos vilões) e permita-se pensar os clássicos da sua infância de um jeito novo. OUAT pode não ser o tipo de série que vai mudar sua percepção da realidade para sempre, mas não é isso que ela está tentando fazer, o que não é nem um pouco ruim. Aproveite a jornada, divirta-se e se emocione. A magia está chegando.