30 Rock | Good-bye, Liz Lemon!

A despedida de 30 Rock

Acho que foi em 2007 que eu coloquei por acaso no canal Sony em uma quarta-feira à noite. Uma série meio estranha estava sendo exibida. Havia uma mulher de óculos que comandava um programa de comédia e estava sempre estressada por ninguém na equipe de roteiristas a ajudar. O chefe dela, presidente da NBC, se intitulava seu mentor e sempre lhe dizia o que fazer, apesar de sua vida ser tão complicada quanto a dela. Havia ainda duas estrelas neuróticas e mimadas que ora competiam por atenção, ora se juntavam para colocar em prática esquemas mirabolantes e/ou infernizar as vidas das pessoas “menos importantes”, e um mensageiro de bom coração que era o capacho de todo mundo e amava a televisão. Não era uma série com risadas gravadas em estúdio ou piadas simples. Eu fui bombardeada com piadas ágeis e inteligentes e, depois de ver um único episódio repleto de situações insólitas e geniais, soube que aquela era a melhor comédia que eu já havia visto. Mas o objetivo do post não é apresentar 30 Rock (o que eu já fiz aqui ), mas fazer um texto sobre seu series finale e o porquê de essa série ter sido tão brilhante.

Começando pela protagonista Liz Lemon, interpretada pela criadora do programa (Tina Fey); o que eu mais adorava nela era o fato de ela fugir de muitos estereótipos consagrados pela televisão. Liz não cabia no arquétipo de mulher jovem e sexy (não significando em absoluto que ela fosse feia), louca por assessórios da moda, exageradamente romântica ou vaidosa. Elizabeth vestia o que achava confortável, comia o que queria, tinha uma postura contrária à objetificação da mulher na mídia, ela era uma workaholic, democrata, idealista com momentos cínicos, lutadora por causas sociais- apesar de lhe faltarem a energia e o tempo para se dedicar a isso – e uma grande nerd de Star Wars (se se casar usando um vestido da princesa Leia não é ser nerd, eu não sei o que é!). E como eu adorava essa mulher que queria abraçar o mundo e ter tudo, ainda que a vida continuamente lhe desse patadas e quase tenha feito Liz desistir de seus ideias mais de uma vez. Mas como diz o ditado, se a vida te dá limões… No fim de sua jornada, Elizabeth pode não ter tido tudo exatamente do jeito que sonhou, mas isso não foi ruim. Ela se casou com um homem que a tratava bem e amava, mesmo não sendo alguém que Jack considerasse um bom partido, e adotou duas crianças que tinham personalidades muito similares às de Tracy e Jenna (Liz então treinou para ser mãe delas durante sete anos! XD), e isso a tornou muito feliz. Ainda que ela não pudesse manter seu programa TGS e tivesse se resignado a fazer uma comédia de apelo popular, Elizabeth Lemon achou a felicidade e o equilíbrio em sua vida que ela tanto buscou.

Não há como tocar no assunto felicidade sem mencionar Jack Donaghy nesse finale! O capitalista nato havia enfim se tornado CEO e enfurecido todos os seus inimigos, mas só para descobrir que não era feliz. Ele tentou reverter a situação da melhor maneira que podia – utilizando gráficos para medir os componentes de sua felicidade e estabelecer metas – mas ainda assim não conseguiu preencher o vazio em seu peito. Jack passou a apresentar comportamento depressivo e suicida, culminando em uma cena onde ele pula de uma ponte e Liz tenta pará-lo gritando “você não quer saber como Mad Men termina?” Na verdade, Jack ia fazer uma viagem de barco para descobrir o que fazer com sua vida e só queria chamar a atenção da roteirista para que eles reatassem a amizade depois de um desentendimento. A cena final entre os dois teve um diálogo que traduziu perfeitamente o relacionamento deles.

Jack: Eu sei de uma coisa que me fez feliz nestes últimos sete anos. Lemon, há uma palavra que já foi especial, que foi tragicamente associada pela indústria do romance. E eu odiaria usá-la aqui e fazer você pensar que estou sugerindo algum tipo de sentimento romântico ou um convite para escalar uma montanha. É uma palavra que aparece pela forma do alemão antigo como luba, do latim lubere, e significa ser amável. Usarei essa palavra para descrever o que eu sinto por você de um jeito que nossos antepassados anglo-saxões teriam usado em referência a uma, digamos, tigela quente de carne de urso ou ao crânio do seu inimigo… partido.

Liz: Eu também te amo, Jack.

Liz e Jack nunca tiveram nenhum envolvimento romântico ou tensão sexual, suas filosofias eram totalmente díspares e ambos sempre se intrometiam na vida um do outro, mas a estória deles foi uma estória de amor, como as mais fortes amizades devem ser. Eu sou muito grata pelo relacionamento de Jack e Liz ter se mantido platônico do começo ao fim. Não é preciso haver declarações melosas de amor para se medir o carinho, seja na ficção ou na realidade.

Falando de relacionamentos, Tracy também ganhou destaque no episódio duplo, por duas razões: 1. Ter dificuldade em lidar com o fato de que o mensageiro Kenneth tinha se tornado presidente da NBC e não podia mais estar ao seu lado e atender a suas extravagâncias. 2. Tentar boicotar a exibição do episódio final de TGS. O astro de cinema acaba mostrando que evoluiu no decorrer daqueles sete anos e pede a Kenneth que ele não atenda mais a seus caprichos (paradoxalmente pedindo um favor logo em seguida). Tracy, contudo, só decide gravar o programa depois de ter uma conversa reveladora com Liz, a qual transmitiu também, creio, os sentimentos da equipe de 30 Rock para seu público pequeno, mas fiel.

Liz: Não entendo o que você está fazendo. Se ficar aqui, não vai receber.

Tracy: Se acha que é sobre o dinheiro, então você é mais burra do que eu.

Liz: Então você está fazendo isso sem motivo algum? Só pelo divertimento de acabar com a chance de todos se despedirem?

Tracy: É porque não quero me despedir do pessoal! As pessoas que saíram da minha vida simplesmente foram embora! Meu pai foi comprar cigarro e nunca voltou. As pessoas falavam que iam me adotar e nunca adotaram! Não quero fazer o programa de hoje porque não sei me despedir!

Liz: Caramba… está bem. Tray, não é se despedir para sempre. Eu gostei de trabalhar com você e vamos repetir. E vamos todos continuar a ser amigos.

Tracy: É assim que uma mulher branca diz que vai sair para comprar cigarro? Foi uma despedida horrorosa!

Liz: Há um motivo para ninguém ser sincero ao se despedir! Ao fim de uma coisa, as pessoas enlouquecem e agem como malucas. A gente briga e compra sanduíche horrível, não sei o que Pete está fazendo, então a gente mente. Se quiser uma despedida verdadeira…

Tracy: Manda ver.

Liz: Tudo bem. Fomos obrigados a ser amigos por causa do trabalho e provavelmente não nos veremos mais depois. Você falará que me convidará para sua casa, mas nunca vai me chamar. Vou ver na TV que é seu aniversário e me esquecerei de ligar. Trabalhar com você foi difícil. Você me deixou frustrada e exausta. Mas, como o coração não é propriamente ligado ao cérebro, eu amo você e vou sentir sua falta. Mas o que conta é essa noite.

Tracy: Honestidade brutal: eu gostei.

Nas entrevistas que o elenco deu antes do episódio derradeiro da série, era visível o quanto era difícil para eles se despedir de 30 Rock. Mesmo nas cenas exibidas, os personagens choravam frequentemente e arrisco a dizer que havia um sentimento real ali e não apenas interpretação. Kenneth expressa esse pesar da equipe ao perguntar se Jenna não se sentia triste por fazer o ultimo programa e ter de se despedir das pessoas com quem trabalhou por tanto tempo. No encerramento de TGS, a atriz canta e chora, visivelmente emocionada, enquanto são exibidas cenas das temporadas anteriores. Aquelas pessoas amavam sua série e o cancelamento lhes desferiu um grande golpe. Nesse tópico, é importante comentar a escolha de Kenneth como novo presidente da NBC e suas decisões quanto à programação do canal. Nada de séries de qualidade ou pretensiosas, tampouco programas que exijam demais da inteligência do público. Como não podia deixar de ser, 30 Rock chega a seu final criticando a forma como a NBC vem tratando alguns de seus shows e a razão dessa série tão especial ter terminado.

Liz: Eu trabalhei na NBC por sete anos e mesmo estando focada em ser mãe…

Kenneth: Você sempre teve o corpo.

Liz: Em algum momento eu quero voltar a trabalhar.

Kenneth: Espero que seja na NBC, temos algumas cotas.

Liz: Acho que minha vida podia ser um seriado. Uma escritora morando em Nova York…

Kenneth: Desculpe. “Mulher”, “escritora” e “Nova York”, essas palavras estão na minha lista do que não fazer. Eu acho que a audiência só quer dar risada e se esquecer dos problemas quando assiste TV. Não ver uma mal-humorada de Nova York… fazendo essa cara, exato! Eu quero programas que as pessoas queiram assistir. Shows nos quais um cara joga uma bebida em alguém e ele vira para o cachorro e diz “nem comente”. Para o cachorro!

Liz: Mas eu acho que a televisão pode ser bem sucedida sem precisarmos comprometer a qualidade.

Kenneth aponta para a palavra qualidade na folha do que não fazer.

No entanto, no epílogo, a a neta de Liz apresenta uma ideia de um show sobre a vida de sua avó para Kenneth (que não envelheceu!) e o presidente da NBC a aprova! Qual foi a mensagem que o show passou, então? Que ainda era muito cedo para que 30 Rock e séries similares fizessem sucesso, mas que no futuro o público estará preparado para elas? Será que o fato de Liz Lemon ter passado a trabalhar em uma comédia de teor mais simples indica que é preciso que os escritores se adaptem aos gostos do público para sobreviver na indústria do entretenimento? O futuro pode ser brilhante ou tenebroso para a televisão de qualidade, mas isso não significa que não se possa tentar sempre confiar na inteligência do espectador. As gerações passam, os gostos mudam e a televisão pode ainda melhorar bastante e, sem dúvida, séries como 30 Rock inspirarão os novos roteiristas. Ainda que poucos tenham visto o show, todos nós ganhamos um marco da televisão que ajudou a comédia a atingir um patamar tão elevado que será difícil, mas não impossível, para que outros programas o alcancem.

Good-bye, Liz. And thank you!

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