Um texto excepcionalmente sem spoilers importantes, pois entregar o final de uma obra escrita por Gen Urobuchi obscureceria o estado mental de muitos leitores.
Psycho-pass já era esperado com grande ansiedade desde que fora anunciado. Urobuchi – ou Urobutcher, alcunha que o roteirista ganhou devido a seu hábito de não ter pena de seus personagens… alguém aí lembra de Madoka Magica? – e sua equipe, que contou com ninguém menos do que Akira Amano como character design, prometeram um anime intenso e que contrariasse as tendências atuais. A promessa foi cumprida.
No Japão do inicio do século XXII, o estado mental (psycho-pass) das pessoas pode ser medido por um sistema automatizado chamado Sibyl; aqueles que tiverem um psycho-pass alto são internados para receber terapia e diminuí-lo. Quando a recuperação não é possível, a pessoa é considerada uma criminosa latente e afastada da sociedade. Alguns desses criminosos latentes, no entanto, podem se tornar enforcers (algo como executores) e trabalhar para a polícia, auxiliando os inspetores. Como não há sistema judiciário, a polícia é responsável por não só investigar crimes, como também prender (e até matar) pessoas com psycho-pass muito elevado, consideradas pelo sistema como irrecuperáveis.
O anime se foca na unidade para a qual a inspetora Tsunemori Akane foi transferida. A jovem idealista precisa lidar com dilemas éticos desde o primeiro episódio, sendo constantemente aconselhada por seu superior, o inspetor Ginoza, a não confiar nos enforcers. No elenco dos criminosos latentes estão Kogami Shinya, Kagari, Masaoka, Yaioi e Shion. Kogami é o executor que mais tem destaque. Sério e pragmático, ele já havia parado de questionar o sistema até Akane aparecer. Os dois personagens nutrem grande respeito e admiração um pelo outro, o que faz com que ambos cresçam muito durante a estória conforme se tornam mais próximos. No entanto, enquanto é possível traçar paralelos entre Kogami e Akane, é com Makishima que o enforcer mais se emparelha a nível psicológico.
Makishima Shougo é um terrorista. Ele busca pessoas com psycho-pass elevado e lhes fornece meios de cometer homicídios brutais. Makishima tira de livros e pensadores clássicos as bases de suas justificativas para deplorar o sistema Sibyl. Inteligentíssimo e solitário, o vilão enxerga em Kogami alguém que conseguiria entender sua visão de mundo e seu desejo de encontrar o verdadeiro valor da vida humana em um mundo em que todos delegam a um computador as escolhas que deveriam tomar em suas vidas. Kogami, apesar de ser tão inteligente quanto Makishima, não compartilha em absoluto seus ideais e se torna obcecado em parar o assassino. Akane também tem sua importância na equação. Mesmo querendo parar Makishima, ela não deseja chegar aos mesmos extremos a que Kogami se dispõe a ir, e apesar de todos os acontecimentos traumáticos e crimes bárbaros que presencia, ela não abandona suas convicções. Para Akane, existe justiça no mundo, as pessoas são capazes de conseguir coisas extraordinárias e as leis se baseiam nos sentimentos compartilhados pela sociedade. Ela pode se desesperar algumas vezes ao ver o quão maléfico o sistema é, mas Tsunemori não se deixa abater jamais, revelando ser uma personagem forte e bem explorada.
O character design de Akira Amano casa com perfeição com o estilo da estória. As expressões faciais, os maneirismos, a postura e até as roupas ajudam enormemente na composição de personagens tão complexos, que não dependem somente de suas falas para mostrarem à audiência sua profundidade e desenvolvimento durante a estória. Além dos personagens, a mangaká também trabalhou no desenvolvimento dos apetrechos tecnológicos que aparecem no anime, com destaque para os dominators, armas utilizadas pela polícia para paralisar, matar e ate destruir sem deixar rastros os alvos dos executores e inspetores. Não foi à toa que a artista foi convidada para trabalhar na série, a escolha dela não poderia ter sido mais acertada (apesar de me incomodar a suspeita de que isso contribuiu para o encerramento de Reborn).
Psycho-pass tem 22 episódios e lida constantemente com filosofia, sociologia, psicologia, tecnologia e criminalística. Existem cenas de violência perturbadoras (ao menos pra mim), mas que são importantes para compor a estória. O começo da série é episódico e pode afastar algumas pessoas, mas eu recomendo fortemente que todos assistam até o final e tirem suas próprias conclusões. Não é todo dia que nos deparamos com uma obra que questiona com tanta base e maestria os rumos dessa conjuntura pós-moderna em que vivemos, quando tantos parecem habitar um belo mundo de plástico.