Contém spoilers e críticas severas à série.
Eu gostei muito do primeiro Avatar. A história era boa e lidava com temas moralmente ambíguos de forma excelente. Os personagens, ainda que alguns parecessem a princípio serem alívios cômicos, tinham profundidade, fosse na caracterização ou nas motivações, e suas histórias de fundo faziam sentido e ajudavam a explicar suas jornadas pessoais. The Last Airbender pode não ter sido perfeita, mas com certeza foi uma obra merecidamente memorável. E eis que foi anunciada a sequência e eu fiquei animada. Aquele universo rico seria mais explorado, novos personagens conquistariam nossos corações, novas tramas nos envolveriam, certo? Infelizmente, não foi isso que aconteceu.
Se eu tivesse que indicar o principal fator que fez a qualidade de Korra decair, eu teria que apontar o romance. Pra quê fazer triângulo amoroso? Pra quê perder tempo com esse tipo de trama quando se poderia focar no plot dos equalistas? O romance entre Korra e Mako não foi simplesmente algo irritante de se assistir, mas também prejudicou os próprios personagens e feriu o restante do quarteto principal. Mako se apaixonou por Asami (uma boa personagem que deveria ter sido melhor aproveitada) e começou a namorá-la, mas foi só seu irmão demonstrar interesse em Korra que o dobrador de fogo quis impedir o romance dos dois. É correto reconhecer que Korra errou em tentar algo com um rapaz comprometido (seguindo o que deve ter sido o pior conselho amoroso que eu já vi em uma série com apelo juvenil), mas Mako retribuiu o beijo e o coração partido de Bolin foi tratado como piada. De fato, a culpa de Mako e Korra não é endereçada, eles são facilmente perdoados e não parecem ter aprendido nenhuma lição valiosa, a menos que a lição seja “tudo bem partir o coração do seu irmão e da garota que não só foi uma ótima namorada como também acabou de perder o pai para uma revolução se for em nome do verdadeiro amor”. E não é estranho que Mako tenha permanecido relativamente calmo quando seu irmão foi sequestrado, mas ninguém questionou o súbito desespero dele quando sua não namorada despareceu?
Além do problema do romance, LOK sofreu com vilões unidimensionais, com a possível exceção de Tarrlok. Enquanto na antiga série víamos pessoas da Nação do Fogo que eram boas, nenhum equalista foi representado de um modo não fanático. O próprio Amon, que parecia ser um vilão interessante, teve uma história de origem que não explicava satisfatoriamente suas habilidades (como dobra de sangue tirava a dobra das pessoas? Como a Katara, a melhor dobradora de água do mundo, não foi capaz de reverter isso?) e ainda foi reduzido a um personagem clichê do tipo “justiceiro incompreendido com passado trágico”. E tudo isso sem comentar a inacreditável série de Deux Ex Machina do final do primeiro Livro.
Apesar de tudo, havia esperança para o Livro 2. Teríamos uma temporada focada em espíritos e nas relações entre as tribos da água. Tínhamos o potencial de ver um conflito de visões de mundo entre Unalaq e Tonraq (espiritualismo x materialismo) e testemunhar o desenvolvimento dos demais personagens. Em vez disso, Unalaq foi facilmente vilanizado como conspirador e usurpador do trono do irmão. Como se isso não fosse suficiente, Eska, que poderia ter sido uma antagonista para Korra (ela poderia ser inconformada pela prima ser a avatar e achar que merecia aquilo mais do que ela, por exemplo), foi reduzida a “interesse amoroso” do Bolin e alívio cômico… porque deve ser muito divertido ver uma pessoa sufocada por um relacionamento abusivo e apavorada pela própria segurança enquanto seu irmão e amigos não fazem nada para ajudar ou sequer se compadecem de sua situação… a menos que se considere o conselho de Mako, comparando terminar um namoro com arrancar uma sanguessuga (se alguém era sanguessuga naquele relacionamento, não era a Asami!) como ajuda.
Enfim, o grupo retorna a Republic City e Korra tenta em vão conseguir ajuda militar para o Sul. É importante frisar que, mesmo que os métodos dela não fossem os melhores, pelo menos ela tinha a justificativa de estar preocupada com a segurança de sua família, que poderia ser morta. E Mako sabota o plano da namorada por ser ele um policial respeitável… okay, vamos analisar isso direito. A tribo de Korra havia sido invadida, o pai dela era um fugitivo que poderia a qualquer momento ser capturado e morto (já que não há mais razão para Unalaq fingir clemência), muitas outras vidas poderiam ser perdidas, e Mako colocou seu dever como policial acima da preocupação de Korra com sua tribo e sua família. Depois disso, espera-se que Korra se indigne com tamanha traição e termine o relacionamento, certo? Errado! Mako termina com Korra (!), ela vira a mesa dele em revolta (!!), pilota um barco para a Nação do Fogo sozinha enquanto chorava pelo relacionamento perdido (!!!), é atacada por Desna e Eska, a qual a acusa de roubar seu marido Bolin (!!!!) e depois é atacada por um espírito e acaba em uma ilha de monges do Fogo sem memória (!!!!!!!!!!!!!).
Eu poderia gastar alguns parágrafos falando da tendência dos roteiristas de usarem os clichês da ex-namorada maluca e da irracionalidade feminina (Katara, volte e chute o machismo dos roteiristas desse show!) ou do fato de eles acharem que para Korra se desenvolver enquanto personagem todas as experiências dela devem ser esquecidas. Mas o problema é pior! Os demais personagens de LOK estão sendo retratados mal para fazer Mako parecer bom! Temos a antes brilhante Lin se negando a ver as evidências que o “pobre” Mako tenta incansavelmente mostrar. Vemos Bolin se tornando um babaca embriagado pela fama (não é como se ele já fosse um atleta famoso antes, né?) e que não consegue diferenciar o personagem que interpreta da vida real, chegando ao absurdo de beijar à força uma atriz amarrada a uma mesa e não ver nada de errado nisso, e a cena incômoda, é claro, é tratada como algo engraçado. A desconstrução do Bolin é a coisa que mais me enfurece nesse segundo Livro. Para quem esperava que o personagem iria finalmente se revoltar pela maneira rude com que Mako o trata, surpresa, ele de fato se revolta! Bolin joga na cara de Mako as coisas que fãs inconformados como eu queriam ter dito pessoalmente. E isso foi um momento importante para o amadurecimento de Bolin, em que ele entende que precisa ter amor próprio e não tolerar ser maltratado pelos outros, certo? Não! A cena foi construída para que Bolin parecesse um cretino e o “pobre e incompreendido” Mako parecesse a vítima!
Não se iludam pensando que as coisas não poderiam ficar piores, ainda falta falar de Asami. Ela foi a maior vítima da temporada passada e, vamos falar sério, ela não tinha razão nenhuma para continuar sendo amiga de Mako e Korra, o que seria totalmente compreensível! Mas o plot precisa de alguém que saiba pilotar aviões e barcos, então Asami se faz necessária. Vemos nesse Livro a garota desesperada para salvar a empresa de sua família, o que é estranho já que ela é predominantemente passiva nessa nova temporada, seguindo ora as orientações de Varrick ou de Mako, sendo que o último é simplesmente a última pessoa no mundo em que ela deveria confiar! E, claro, Asami está tão desesperada que ela não vê problema nenhum em construir armas para serem usadas em uma guerra ou se aliar a membros de uma gangue… apesar de ela ter cortado relações com seu pai na temporada passada por ele estar envolvido em uma revolução que feriria inocentes, tudo porque ele tinha rancor de todos os dobradores pelo fato de uma gangue deles ter matado a mãe de Asami.
Para coroar a perversidade do tratamento da personagem, os roteiristas acharam que era uma boa ideia que a mesma tivesse um momento de fraqueza e beijasse Mako. Afinal ele a estava ajudando quando a convenceu a se aliar com membros de uma gangue (aliás, os pais do Mako também não foram mortos por gente assim? Os roteiristas simplesmente se esqueceram disso ou não se importam mais?). Como Asami resistiria beijar o gentil e dedicado ex-namorado que a havia traído e enganado não muito tempo atrás, não é?
Talvez aconteça algum milagre e a qualidade retorne para o show. Ou talvez a qualidade continue em uma vertiginosa queda livre, não há como saber. A Lenda de Korra, sobretudo nesses último episódios, me fez querer atirar meu computador contra a parede, mas felizmente eu não cedi à tentação. Afinal, é nele que vejo os novos episódios de Hora de Aventura e outros bons shows que sabem contar uma boa estória e respeitam seus personagens.