Alma de prata!

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yorozuya trio

Chore e peça por ajuda, debruce-se sobre mim com seu nariz escorrendo. Chore quando tiver vontade de chorar, ria quando tiver vontade de rir. Quando você estiver chorando com uma cara feia, eu chorarei com uma cara ainda mais feia. Quando você gargalhar tão fortemente que sua barriga doa, eu gargalharei ainda mais alto. É assim que deve ser. É bem melhor se sujar ao viver sendo verdadeiro consigo mesmo do que jogar a si mesmo fora para ter uma morte limpa.

Uma das maiores injustiças no que diz respeito a mangás é que tão pouca gente leia Gintama, ou mesmo assista ao anime, que é um dos raros casos em que a adaptação está à altura (e até supera) a obra original. Talvez o que desmotive as pessoas a darem uma chance a essa grande obra seja o fato de ela ser principalmente uma comédia que parodia outras séries (além de games, celebridades, políticos e tudo o mais que se possa imaginar, inclusive História Japonesa!). E o objetivo desse texto não é dizer que Gintama não é engraçado, pois se trata da coisa mais engraçada que já vi na vida, mas a obra vai além da comédia. Muito mais além do que qualquer um poderia imaginar quando pega o mangá para ler ou o anime para assistir.

A ambientação de Gintama já denota a absurda originalidade da história. Em vez de abrir os portos para os ocidentais, o Japão feudal é invadido por alienígenas, os Amanto. O Bakufu rapidamente se rende às forças estrangeiras, mas os samurais resistem por vinte anos na tentativa de expulsar os invasores, sendo essa resistência conhecida como Guerras Joui. Os samurais são derrotados, o Japão é modernizado e os sobreviventes da guerra, que não foram caçados e mortos pelo Governo, ou ainda tentam livrar o país do poder dos Amanto, ou querem alastrar o caos ou, simplesmente, querem viver pacificamente, ajustando-se à nova realidade. Esse é justamente o caso do protagonista, Sakata Gintoki. Depois de lutar por tanto tempo na guerra, de quase morrer muitas vezes e de ter perdido tantas pessoas que lhe eram preciosas, ele leva uma vida relativamente pacata na moderna Edo, realizando qualquer tipo de trabalho a quem lhe pagar (e até a quem não pode pagar). Sua Yorozuya logo ganharia novos membros: Shinpachi, rapaz que teve sua irmã salva por Gin logo no primeiro capítulo e que quer salvar o dojo de seu pai, e Kagura, garota da raça guerreira Yato que veio de muito longe para encontrar um lar e mudar a si mesma. Há ainda o cachorro gigante Sadaharu, o bichinho de estimação de Kagura, a velha Otose, que salvou Gintoki de morrer de inanição e a quem ele jurou proteger até o fim de sua vida, Tama, a robô com alma, e tantos outros personagens que mereciam, cada um, um texto próprio. A força principal de Gintama está nos personagens: loucos, tontos, sérios, pervertidos, estóicos, estúpidos, sádicos, masoquistas, ambiciosos, preguiçosos, covardes e com o maior número possível de falhas de caráter. E ainda assim, quando é absolutamente necessário, até o menos heróico dos personagens está disposto a lutar até as últimas forças para proteger alguém.

gintama

Mas o que torna Gintama tão diferente dos outros mangás? A priori, Gintama não parece ter um objetivo. Gintoki não sonha em conquistar, descobrir ou vencer nada. Tudo o que ele quer é continuar vivendo e garantindo que todos a seu redor continuem vivendo. Não há grandes e eloquentes discursos sobre amizade e honra nesse mangá, mas falas mais intimistas, uso de metáforas, inclusive chulas, e à vezes apenas gestos. O que importa nem sempre precisa ser transmitido com palavras. Esta não é uma história tentando ser épica ou Cult. Se for necessário explicar o que Gintama é, eu diria que esse mangá é um tratado sobre a vida. As lições que essa história dá são para se continuar vivendo apesar de tudo, mesmo que tudo desmorone ao seu redor e não pareça que as coisas irão melhorar; viva e proteja quem for importante para você, ainda que essa pessoa te chame de idiota vinte vezes por dia, o amor não precisa ser dito com palavras e não se restringe a laços de sangue ou romance; viva mesmo que da maneira mais imperfeita possível, mas da forma que lhe faça mais feliz.

As mensagens de Gintama soam verdadeiras e tocam o coração do leitor. A história fica séria às vezes, e quando isso acontece não há nada na Jump que se compare, mas há sempre o retorno à vida comum, aos pequenos problemas, às brigas cotidianas. Gintama não é um mangá sobre batalhas, sobre derrotar inimigos poderosos, sobre revolucionar ou salvar um país ou coisa parecida. Gintoki e companhia não têm esse tipo de pretensão. Eles se preocupam em reunir famílias, ajudar amigos (e adversários), atender ao último desejo de alguém e coisas do tipo. Se para alcançar esses simples objetivos for necessário sacudir uma ou outra consolidada estrutura de poder, isso é mera consequência. Os personagens de Gintama continuarão vivendo e sendo felizes, ainda que sem dinheiro para o aluguel e com salários atrasados porque o líder do grupo gasta tudo no pachinko. Eles podem não ter corações de ouro e condutas exemplares, mas o errático brilho prateado de suas almas é incomparável.

Normalmente as pessoas não pensariam em se rebelar se não estivessem satisfeitas com a sociedade. Personagens em One Piece e Naruto estão lutando por seus sonhos e objetivos, então mesmo que mangás sobre correr atrás dos sonhos sejam necessários, se todos os mangás fossem assim, alguns leitores pensariam “bem, aonde eu deveria ir se eu não tiver nenhum sonho?” Ou “o que eu deveria fazer se eu não fizer o meu melhor todos os dias?” Então, eles leem Gintama e veem que todo mundo lá está levando uma vida preguiçosa e se sentem melhor. Ainda que você seja preguiçoso, você pode construir um caminho na vida, e você precisa viver bem, mesmo desse jeito.

Sorachi Hideaki.

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10 Comentários

  1. Muito bacana sua resenha [2].

    Eu li Há alguns anos atrás quando tava começando a ler mangás e tal, e Gintama e da Jump então tava na lista e realmente gostei, é engraçadíssimo. Mas esse pra mim é o maior defeito da série também, o humor é num nível muito alto de situações ultra-ridículas, a cada capítulo eu gargalhava até chorar e isso acabou me cansando. Já no Capítulo 60 [se não me engano] parei de ler e fui pra Sket Dance [tinha lido antes mas parei por falta de tempo], mas pretendo voltar a ler [só não sei quando, rsrsr :p].
    No mais, realmente Gintama é tudo isso q vc falou, se fosse só a comédia já seria bom mas com essa humanização q o autor nunca esquece… Realmente é ótimo.

  2. Gintama é o melhor anime já adaptado das páginas da Jump! E só não digo ser o melhor mangá da Jump por que tem um tal One Piece reinando por lá…XD

    É engraçado! É dramático! É alucinante! Se vc quer rir Gintama te faz rir de forma inigualável! Se vc quer ver drama é só te botar para assistir alguns dos arcos sérios de Gintama que aquilo ali de alguma forma vai abalar nem que seja um pouco o seu lado emocional.e de "brinde" ainda te alucina com batalhas de te fazer ficar vidrado. É quase impossível não gostar de Gintama depois que vc engrena, ainda mais com todo seu elenco de secundários carismáticos.

    Lamento uma obra de tal calibre não ter o reconhecimento que merece. Mas lamento ainda mais por aqueles que não se atrevem a desbravar os episódios´do anime ou os capítulos do mangá de Gintama por estarem perdendo a chance de conhecer essa obra excelente.

    PS: Todo estúdio que produz anime de algum mangá da Jump deveria tomar aula com o pessoal da Sunrise para aprender a como se adaptar algo de maneira decente.

  3. Não imaginava que Gintama fosse tão pouco famoso, acompanho ele faz anos, praticamente desde antes de sair o décimo episódio. Mas no meu ciclo social todos conhecem, em fóruns na internet e por ai, ai sempre achei que ele fosse super popular.

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