Quack | Começando por Patadas Voadoras & BMA (Social Comics)
Falei recentemente aqui no site sobre o Social Comics e na ocasião avisei que passaria a comentar um pouco sobre os quadrinhos publicados no catálogo do serviço. Resolvi começar por Quack, um mangá nacional de autoria de Kaji Pato (nome artistico do Carlos Antunes de Siqueira Junior) e que foi um dos vencedores em 2014 do BMA – Brazil Mangá Awards, promovido pela Editora JBC com o propósito de revelar talentos nacionais.
Após ser um dos vencedores do BMA, a série criada pelo Kaji mudou para uma nova editora, a Draco. De lá já saíram duas publicações, o Patadas Voadoras e Quack – Volume 1. Para esta ocasião irei comentar apenas a HQ do BMA e o Patadas Voadoras, pois as que atualmente estão disponíveis no Social Comics. Quanto a Quack – Volume 1 em breve farei também uma resenha aqui no site, pois consegui adquirir a edição lá na CCXP – uma pena não ter conhecido o Kaji lá e conseguido parabeniza-lo pelo seu incrível trabalho na série, pois no sábado do evento ele já havia partido de São Paulo rumo a sua casa.
Quack é um mangá de humor, trazendo essa relação de zoação entre um humano, o Baltazar, e um pato dourado falante, o Colombo. Patadas Voadoras explica mais a origem e o conceito do universo do mangá e seus personagens, porém na ordem de publicação a HQ do BMA veio primeiro, então é justo começar por ela!
A história do BMA, por ser um one-shot, não tem tempo para ficar fazendo cirandas em origens e explicando o mundo da série com muitos detalhes. Ela traz uma aventura completa, trazendo mais humor do que criando terreno para futuras aventuras. E a meu ver funciona para os fins na qual ela foi criada. Não é muito diferente de pilotos de mangás japoneses que só depois se tornam séries em capítulos é que também começam a trabalhar essa expansão de universo. Quem já leu o piloto (one-shot) de One Piece antes da serialização sabe o que estou dizendo.
Baltazar e Colombo caem com seu avião em uma selva estranha, cheia de criaturas ainda mais estranhas, como aranhas amigáveis ou peixes com cartolas, e também de outras civilizações e culturas. O plot inicial tem como pretexto para dar início a aventura a ideia de que após a queda eles saem para buscar algum tipo de combustível para colocar o avião de volta no ar, mas a jornada deles passa a ser mais longa do que esperada, a ponto de esquecerem completamente o que estavam fazendo inicialmente (ou apenas não se importarem mesmo), enquanto Baltazar começa a ficar com raiva da zoeira sem limites e da tiração de sarro contínua proporcionada pelo Colombo, o pato, até que a história usa isso a favor de mostrar que mesmo no meio de suas brigas, ambos são amigos até o fim. No fim resta aquela mensagem do espírito da aventura e de como a vida as vezes começa de um jeito e termina de algum outro jeito não planejado.
Eu gosto desse final, enquanto ri horrores por toda a HQ. No final da história há algumas palavras do pessoal da JBC que avaliou o mangá na ocasião. Há certas críticas lá que não concordo – as achei meio rígidas – como justamente a falta de motivação em certo ponto ou até mesmo de não haver uma trama profunda (e precisa?). Há que se pensar que é uma história fechada pensada para durar míseras páginas! Não há tempo ou espaço para contextualizar tudo. O objetivo ali é mostrar o talento do autor em trabalhar os personagens criados, mostrar seu traço e destreza de detalhes na arte e fazer o leitor se entreter com a aventura, divertindo com as piadas ao longo de todo o capítulo. No fim tenho a impressão que essa primeira aventura de Quack cumpre muito bem seu papel!
Foi até meio ousado a piada do cocô, que saiu de uma estátua e criou vida em certo momento. Quem diria que isso passaria tranquilamente pela bancada de avaliação de editores brasileiros? E eu gostei do destino final do troço, sem precisar de um grande desfecho mirabolante, mas apenas uma boa “pisada” do Colombo! Rá!
Há que se elogiar também o alto nível dos desenhos de Quack. Qualquer fã de mangá que pegasse uma página de Quack sem o texto em português poderia tranquilamente achar que se tratava de um mangá japonês. E nem imagino como diabos o Kaji consegue esse nível de qualidade e de detalhamento no mangá. Quer dizer, dá para imaginar sim, mas e o tempo que isso leva para ser finalizado? Isso é que eu não imagino!
Depois dessa história criada para o BMA, como disse lá no começo, Quack mudou para a Editora Draco e aí vem a sua primeira publicação solo: Patadas Voadoras! – que por sinal vacilei e não comprei na CCXP e agora fiquei com vontade de ter, porém aqui em Jacareí-SP nem em sonho a encontrarei e comprar online sempre tem o encarecimento do frete, o que em tempos de contas em atraso não anda sendo uma opção pra mim.
Aqui o leitor claramente percebe a evolução de Quack como uma série. É basicamente o Capítulo Zero do mangá (ou Um talvez). Até achei que ele deveria estar no Quack – Volume 1, como uma HQ extra – e depois fui constatar que não estava. Conta a história do nascimento do Colombo, como Baltazar se tornou sua “mãe”, companheiro e amigo, além de trazer mais conteúdo e contexto ao universo de Quack.
É estabelecido a informação de que Baltazar vem de uma famosa família de aviadores, a família Drumont e que aparentemente é normal membros de sua família serem amigos de patos. E como tal, somos apresentados aos membros de sua família, seus avós e sua irmã.
O mangá não deixa muito claro o porque ou como é possível que Colombo seja um pato que pode falar. E não que isso seja necessário. Lembra que Dragon Ball lá no começo tinha pterodáctilos gordinhos que falavam e estava tudo de boa? É por esse caminho que você leva as coisas. É o tipo de elemento que funciona bem em um mangá, sem que seja necessário esmiuçar a lógica da fantasia, porque é fantasia oras! A princípio todo mundo da família fica surpreso de ver o pato falando, o que é um indício de que não é algo normal porém, mesmo assim parece ser natural no universo da série – certos animais podem falar (há uma aranha que fala no one-shot do BMA, conforme mostrado em uma das imagens acima).
A história de Patadas Voadoras estabelece então esse primeiro encontro do Baltazar com Colombo, deixando claro que Baltazar é meio covardão e bunda mole, sendo zoado na escola e sendo um fracote que nunca reage a nada. Colombo surge para fazer o contraponto a essa personalidade de Baltazar, fazendo-o acreditar em si mesmo e melhorar suas atitudes, ainda que ele seja uma espécie de Grilo Falante às avessas, preferindo zoar e maltratar o Baltazar para assim faze-lo ter coragem e amadurecer, deixando bem claro que o único que ele é o único pode maltratar o Baltazar e ninguém mais. Sabe aquela ideia de você aprende caindo? Colombo é o pato que te vive te jogando no chão pra você aprender dessa forma!
O bacana da HQ é que você sente também uma evolução do roteiro do Kaji, onde há menos piadas em detrimento de uma história mais trabalhada, com começo, meio e fim, que deixa bem claro que esse é só o começo de uma grande amizade e muitas aventuras malucas. As piadas existem e são feitas a torto e a rodo, porém há esmero e cuidado para mostrar e costurar o roteiro, mostrando que as críticas feita pelos juízes da JBC tiveram um impacto – de uma certa forma – no autor.
Curioso notar que comentei anteriormente a respeito de mangás nacionais e casos em que me incomodei com a linguagem usado no texto dos títulos – em certos momentos – como o uso gratuito de palavrões em personagens que não precisavam a todo momento serem desbocados, deixando o linguajar apenas gratuito e desnecessário. Em Quack sinto que o Kaji acertou na mão em relação ao textos e forma como os personagens se expressam, na qual Colombo, por sua personalidade é muito desbocado e fala palavrões e xinga a todo momento, Baltazar responde no nível quando precisa, enquanto os demais personagens usam linguagens diferentes pra se expressam, não precisando serem desbocados, exceto claro, os vilões da trama que ficam provocando Baltazar. O caso é que o mangá tem essa pegada de ter um texto agressivo, sem soar gratuito ou desnecessário. Colombo é um pato desbocado porque sim, o personagem pede por essa personalidade cheia de atitude para funcionar e alguns personagens vão em sua onda, diante do momento em que a situação pede.
Um outro elogio que cabe a obra são as pequenas referências que as vezes são feitas a crenças e crendices que reconhecemos de nossa cultura, deixando como exemplo a perseguição de bois da cara preta na HQ do BMA. São referências que funcionam pra gente aqui no Brasil, da mesma forma que os japoneses fazem com monstros e criaturas da cultura de lá. É realmente uma ótima sacada para conversar com o público daqui, sem perder o estilo que tem a influência do mangá japonês.
Quack é então uma obra que vale (e muito) ficar de olho e acompanhar. O mangá não deixa nada a desejar ao mangás japoneses. É divertido, inteligente, engraçado e excepcionalmente bem desenhado. E o Kaji já disse (em seu canal no You Tube) que novos volumes serão feitos e novas histórias surgirão. Se você for ler pelo Social Comics, recomendo que comece pelo Patadas Voadoras e depois curta o one shot da JBC. E em breve falo mais por aqui sobre Quack – Volume 1! Aguardem!
Onde encontrar (impresso):
Henshin Mangá Vol 1 (BMA 2014) | Saraiva – Livraria Cultura
Quack – Patadas Voadoras | Livraria Cultura – Livraria da Folha – Livraria da Travessa
* Versão Digital Disponível para os assinantes do Social Comics
O 1º impacto sem dúvida são os desenhos, ricos em detalhes e traço expressivo
A HQ do BMA, sendo um One-shot é boa, mas ainda é um "produto em amadurecimento"
Patadas Voadoras por outro lado sabe mostra a evolução como uma série, te deixa querendo mais
Ótimas piadas e ótimo ritmo de humor
Baltazar e Colombo são protagonistas carismáticos
Boas referências e critividade de ambientação e criaturas
Quack é um incrível mangá nacional, que não fica devendo em nada aos mangás japoneses. Porém tem aquela pegada e humor nacional, sabendo ser um híbrido de dois mundos!