Quando se é apresentado a um novo mangá, seja pelo seu primeiro capítulo, seja pelo primeiro volume (tankōbon) há sempre duas situações de como lidar para dizer o que achou, seja para um amigo que lhe perguntar, seja escrevendo em um site – como o que estou fazendo neste momento.
A primeira situação é aquela na qual você gostou do começo do mangá, te agradou o mundo proposto pelo mangaká, e se simpatizou com seus personagens. Essa situação é fácil, você elogia o que gostou, aponta o que não lhe agradou, e que dali em diante torce pela consistência ou melhora da qualidade, a ponto de valer a pena continuar lendo.
A outra situação é a mais complicada, pois cada pessoa vai reagir diferente: e se o primeiro volume não foi bom o suficiente para lhe convencer a continuar acompanhando um mangá? O que você faz? Não o recomenda? Diz que é ruim? Mas aí você não está sendo injusto se for duro demais? Afinal é o primeiro volume, consertos e acertos ainda podem melhorar um mangá que não lhe convenceu.
To Love-Ru se encaixa nesta segunda situação para mim. Só que existem várias questões que preciso ponderar antes de me decidir por recomendá-lo ou não. Talvez o mais justo seja dar os elementos principais do mangá, explicar o que não me agradou e deixar ao leitor decidir se é uma opinião exagerada ou apenas incompatível com o meu gosto e minha idade, e principalmente com o gênero do mangá.
Desde 2006 em publicação
O mais impressionante de se olhar é que no contexto geral de To Love-Ru, lá no Japão, não dá para dizer que é um mangá sem público, pois ele surgiu em 2006 e durou até 2009, rendendo 18 volumes, sendo publicado em uma das maiores publicações do país: a Weekly Shōnen Jump.
Em 2010, o mangá retornou com o nome de To Love-Ru Darkness, com os mesmos autores, e segue em publicação até os dias de hoje na revista Jump Square.
Além disso To Love-Ru vem ganhando novas temporadas em animê desde 2008, com várias OVAs, sendo que sua temporada mais recente, To Love-Ru Darkness 2nd, se encerrou ano passado.
Até mesmo olhando no Google, outras resenhas e opiniões, além das notícias da época em que a JBC anunciou o título, percebe-se que ele tem muitos fãs aqui no Brasil.
Tudo isso corrobora em minha cabeça para refletir que To Love-Ru, no fim das contas, tem seu público dentro de seu próprio gênero. Se fosse algo simplesmente ruim, a obra não estaria em plena atividade até os dias de hoje. No fim, parece que o caso aqui, comigo, é apenas uma questão de gosto pessoal mesmo. Tenha isso em mente ao continuar a resenha.
Ecchi?
Eu sou péssimo em classificar mangás, a menos que espie as classificações oficiais de sites especializados. Aí prefiro dizer sobre do que se trata certos mangás do que simplesmente dizer suas classificações. E To Love-Ru me parece ser aquele gênero de mangá adolescente, de vida escolar, com um pouco de ficção para justificar suas loucuras e com um forte ênfase em elementos, que soam estranhos para algumas pessoas, que as vezes é o gênero chamado “ecchi” (que apresenta nudez e sensualidade, sem a pegada do sexo explícito, que aí fica enquadrado no gênero hentai).
O próprio ecchi dentro de si, como um gênero, pode ser diferente dependendo da obra, do autor e do contexto. Pode existir mangá onde o ecchi é desconexo da obra, vir apenas as vezes, ou ter elementos suaves de ecchi ou o mangá pode abraçar o gênero e ser mais abusado, mais picante, dependendo do autor e de como a história é proposta.
Dá para dizer que tem o ecchi que não incomoda e o ecchi que incomoda. E nem estou falando de ser puritano ou sobre liberalismo, até porque não tenho nada contra o gênero, nem mesmo com o hentai. A graça do mangá é muitas vezes essa flexibilidade que eles possuem de serem tão diferentes uns dos outros, querendo regras e exagerando em tudo, incluindo aí sensualidade que em outras partes do mundo isso não pode ocorrer. Estou apenas dizendo que no caso de To Love-Ru, o ecchi me incomodou um pouco porque a história poderia ser mais divertida sem o exagero dentro da proposta do mangá. Enfim, eu preciso entrar na história e nos elementos do mangá para poder justificar minhas impressões.
A garota que veio de outro planeta
To Love-Ru conta a história de Rito Yuuki, um garoto qualquer, vivendo uma vida escolar qualquer. Não há nada realmente especial nele. Rito, como todo adolescente, gosta de uma garota, Haruna Sairenji e como é de se presumir, ele não consegue se declarar para Haruna. Até aqui tudo bem. Fórmula básica deste tipo de mangá, com um protagonista masculino neutro.
A coisa fica maluca, como todo mangá precisa ficar de vez em quando, no momento em que uma garota alien de um outro planeta se teletransporta dentro da banheiro de Rito, enquanto ele está tomando banho, totalmente nua. “Ah, olha o Ecchi safadão aí“, você pensou, certo? Só que até aí tudo bem. A cena até chega a ser engraçada.
A garota de outro planeta se apresenta como Lala e que está fugindo de sua família, que está tentando lhe impor um casamento arranjado e que veio à Terra em fuga. O Japão tem mesmo essa coisa de casamento arranjado em sua história e cultura, e usar um mangá juvenil para brincar com isso, sem parecer pesado ou dramático, é válido.
E este primeiro volume de To Love-Ru trabalha essa trama inicial. Lala acaba conhecendo ao acaso Rito, que resolve ajudar Lala a fugir dessa imposição por um casamento arranjado, enquanto isso Rito também deve aos poucos ganhar aquela confiança que ele precisa para acreditar em si mesmo e se declarar para Haruna. Porém é claro que as coisas não podem acabar aqui e agora, justo no começo da história, então as coisas primeiro precisam ficar meio malucas.
Lala é a típica personagem de mangá que causa mais confusão do que você imagina que uma garota pode causar. Isso gera alguns momentos engraçados no mangá, como ela conseguir se matricular na escola do Rito ou o evento que envolve ela convencendo Rito a participar de uma partida de baseboll. Nos momentos descontraídos, onde o mangá não apela ao ecchi escancaradamente, To Love-Ru acaba sendo divertindo.
Seguindo em frente na sinopse: Rito se declara em frente a Haruna, e Lala acaba achando que é para ela, que de prontidão aceita se casar com Rito, geralmente toda uma situação constrangedora em frente a Haruna. Enquanto isso pretendentes de outros planetas estão vindo à Terra para que a Lala se case com eles, e agora que Rito se tornou seu noivo à contragosto, estes pretendentes querem tirar satisfação com ele, e nem todos são “gente boa“.
E o mangá, como todo gênero de romance adolescente, acaba trabalhando nesse triângulo. Rito gosta da Haruna, que está começando a perceber Rito e a gostar dele, enquanto Lala entra no meio de tudo, com seus próprios problemas e dramas e que também está se apaixonante por Rito, que também não pode mais se recusar a se casar com Lala porque seu pai ameaçou explodir a Terra inteira se ele machucar o coração de Lala. Parece bizarro, mas é um bom bizarro dentro do mudo dos mangás.
Nessa salada mista o mangá vai trabalhando com a comédia e os clichês do gênero. Há coisas meio sem graça pra mim, que já sou macaco velho destas histórias, como as caras e bocas de Rito quando as coisas saem erradas, quando Lala faz coisas inesperadas etc. Não que eu não goste das reações exageradas e das caretas em mangás, mas é todo um conjunto de elementos que precisam funcionar para essa técnica de humor dar certo e comigo não rolou.
Porém também há boas sacadas, como a própria chegada de Lala à Terra, totalmente nua. Você fica com a sensação de que é algo meramente gratuito, mas não, depois se descobre que a Lala é uma inventora, mas seus inventos nem sempre funcionam como se deve e então o teletransporte só teletransporta pessoas e não roupas! Em outro momento do mangá, um dos servos de Lala vai a Terra, e tem um cãozinho que aparece em toda a cena com esse personagem e o morde, sem qualquer motivo aparente. É apenas um humor tosco, mas que me agradou. A própria enrascada que Rito se mete é divertida, mas o mangá é muito leve e despretensioso nestes pontos, precisando a cada duas páginas mostra uma garota nua ou de roupas íntimas para lembrar o leitor que ele está lendo algo ecchi. Pra mim, que já estou velho demais para esse tipo de fanservice juvenil, mais atrapalha do que ajuda a gostar do mangá.
O ponto do exagero?
Posso comparar To Love-Ru com um outro mangá de romance juvenil, também da Weekly Shōnen Jump e que neste caso eu gostei bastante: Ichigo 100%. – Curioso dizer que Ichigo 100% acabou em 2005 e um ano depois parece que a vaga deste gênero dentro da revista acabou sendo de To Love-Ru.
Mas o que difere um do outro? O fanservice do ecchi exagerado e muitas vezes desnecessário de To Love-Ru. Ichigo 100% tinha um protagonista masculino, ainda garoto, e que vivia cercado de garotas que tinham um sentimento por ele, falava sobre relacionamentos e sexo, e também tinha lá seu fanservice com calcinhas e garotas de roupas íntimas (sem um nu constante) etc. Porém era algo mais cometido, sem exageros. E a história era totalmente pé no chão, sem elementos ficcionais para justificar as situações sexuais na qual o mangá ecchi em seu gênero e em seu público (lá no Japão) acabam pedindo.
Claro que é injusto comparar Ichigo 100%, um mangá que li até o fim, com as impressões iniciais de apenas o primeiro volume de To Love-Ru. Ou seja, não estou dizendo que um é melhor que o outro, porque não seria justo. Estou apenas dando um exemplo dentro do pouco que conheço dentro desse tipo de mangá.
To Love-Ru acaba tendo um fanservice ecchi exageradíssimo, ao ponto de no último capítulo do primeiro volume haver tentáculos (se tem aliens, é possível ter tentáculos), um clássico elemento dentro do mundo do hentai. Mas não há o tabu “sexo” na cena, apenas a sensualização pelo ecchi. Me parece que o mangá quer brincar com o hentai, sem necessariamente ser um hentai.
É nisso que To Love-Ru perde pontos comigo. O mangá usa e abusa demais de um elemento, em detrimento do fanservice, e deixa de lado outras coisas que o mangá pode explorar e dar qualidade a ele, sem denegrir ou apelar demais. Se prioriza o ecchi ao invés da diversão e isso pra mim me soa errado.
Certamente um adolescente explodindo de hormônios vai achar isso legal. Eu, com 31 anos, nem tanto. E há que se entender que os personagens são menores de idade dentro do contexto de ainda estarem na escola, o que aqui poderia ser nosso ensino médio ou fim do fundamental. Novamente, não há sexo, há apenas a provocação, o desejo, a insinuação, aquela coisa até inocente dos adolescentes, somado ao exagero que os japoneses as vezes colocam nos mangás. (Importante frisar que na capa do mangá tem a recomendação etária de To love-Ru: 16 anos)
Meu ponto é que quando o ecchi é bem feito, como o citado caso do Ichigo 100%, acho que o público de maior idade aceita e se diverte com mais facilidade as desventuras juvenis destes protagonistas cercado de garotas.
É só o começo
E talvez todo esse desequilíbrio entre os elementos da série nem tenham sido proposital dos autores do mangá, Kentaro Yabuki (desenhos) e Saki Hasemi (história). A própria autora, Saki Hasemi, admite que está é seu primeiro mangá, que ela está aprendendo e se esforçando para criar algo que os leitores aprovem. Isso está no freetalk presente no primeiro volume. Uma informação preciosa a meu ver.
Apesar que até então eu não conhecia a série, mas lendo comentários por aí, há quem diga que To Love-Ru Darkness abrace com ainda mais vontade os limites do ecchi, chegando a extrapolá-los. Mas esta é a internet dizendo e eu não posso comprovar. De qualquer forma, é aquela história, se é pra abraçar, vá então com força e diga logo a que veio. Aqui, neste primeiro capítulo da obra, as coisas ainda soam confusas a certos tipos de leitores desavisados.
É por isso que este primeiro volume de To Love-Ru pode soar meio estranho a leitores mais adultos, como eu estranhei. Não era bem o que estava esperando e nem o que achei bom no mangá, e isso me desanimou quando terminei o primeiro volume.
Admito que fico com essa pequena curiosidade de saber como To Love-Ru continua após tantos anos. Mudou algo? Ficou ainda mais pesado? Foi ganhando novos elementos? Certamente há outros personagens que vão ser apresentados nos próximos volumes e estes devem contribuir para a série de um jeito ou de outro. O final do primeiro volume também dá a entender que batalhas podem vir a acontecer com mais frequência, que é um elemento que me agrada em mangás juvenis. É muito prematuro julgar uma obra apenas olhando seu primeiro volume.
Vale ou não vale ler?
Então pra encerrar minhas impressões pessoais de To Love-Ru eu só posso recomendar o mangá de uma forma: leitores novos e adolescentes podem gostar a brincadeira da obra, do ecchi e das desventuras de mais um adolescente perdido em meio as garotas de quem gosta. Eu não vejo problema algum que adolescentes gostem de To Love-Ru. Parece ser algo feito realmente especificamente para esse público.
Aos leitores adultos, eu já não acho que o mangá tenham uma linguagem que agrade, chegando ao ponto de parecer bobo ou até incomodar. Pensando na atual linha de mangás da JBC, pra ficar dentro da editora na qual ando trazendo as atuais resenhas aqui no site, há mangás que também são juvenis, mas divertidos para uma faixa etária maior de público, como Bullet Armors ou Orange. Eu posso citar Gangsta. também, que é um excelente mangá adulto e será o próximo a ganhar um texto aqui no site (em alguns dias). Enfim, aos leitores de mais idade, To Love-Ru não me parece um bom mangá. Na minha opinião claro.
Isso não quer dizer que foi uma má decisão da JBC trazer o título aqui para o Brasil. De fato eu tiro o chapéu para a editora por ter a ousadia de trazer um título neste formato abordado neste review. É diferente de muita coisa que está saindo atualmente em nosso mercado.
O formato gráfico também me parece OK dentro do contexto do título. To Love-Ru não me parece um mangá que precise de um tratamento de luxo, como Orange recebeu. Ele está no formato comum do mercado, naquela linha mais econômica de mangás, em papel jornal, sem precisar ser pocket (um formato que não aprecio diga-se de passagem), e com uma impressão que não apresenta problemas com preenchimentos pretos ou má impressão.
É bacana ver o mercado de mangás no Brasil maduro e suficiente a ponto de não precisar ter apenas blockbusters japoneses em publicação por aqui, podendo ter de tudo um pouco, por mais estranho e bizarro que possa parecer. Certamente o fato de estar no selo Ink da casa, prova que é um experimento, para ver se o público que gosta destes mangás juvenis mais apimentados e descompromissados pode também ser tão expressivo quanto o público japonês prova até hoje que é.
Gostar ou não gostar de ecchi? Eis a questão que cada um precisa tomar.
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