Durante a CCXP em dezembro do ano passado o Social Comics, plataforma de leitura de quadrinhos digitais por streaming, anunciou que passaria a produzir conteúdos exclusivos, entre eles um título que venho aguardando com ansiedade: Edgar Alan Corvo! Afinal, sendo um fã e leitor desde criança de quadrinhos da Disney, é um gênero e estilo que sempre desperta a minha criança interior.
A HQ é uma parceria entre Douglas MCT (roteiro) e Glauco Silva (arte). Poderia fazer aqui um parágrafo puxando a ficha e trabalhos de cada um dos autores, mas para facilitar vou deixar esse link (leia a “descrição longa”), fazendo assim também o jabá para a Página da HQ lá no Facebook, porque vale a pena dar um curtir lá e acompanhar os updates que são feitos diretamente na página oficial.
E Edgar Alan Corvo finalmente debutou no Social Comics ontem, dia 12 de abril. A primeira edição, com 39 páginas, e com a exclusividade prometida ao serviço por assinatura. Só dá para ler lá? No momento sim. Só que vale lembrar que o Social Comics tem um período de testes de 14 dias, então quem tiver muita curiosidade de conhecer a plataforma e a HQ do Edgar e não é assinante do serviço, pode fazer o cadastro no site oficial e usufruir dos 14 dias de experiência. Ah e a leitora dos quadrinhos podem ser feitos diretamente no PC ou pelo app oficial que roda belezinha em smartphones e tablets.
E sigo para a resenha da HQ!
A estreia é sempre mais difícil
Esta é a primeira HQ da série, mas vendo as fichas de personagens que existem na página oficial (veja todas no final da postagem), há muitos outros personagens já divulgados que não aparecem na HQ de estreia, o que me faz crer que esta é só a primeira de outras histórias que serão produzidas para o Social Comics.
E primeiras histórias sempre são problemáticas, pois os autores precisam apresentar diversos elementos aos potenciais leitores e nem sempre há tempo para tudo. A preocupação aqui é muito maior do que apenas contar uma boa história. Se faz necessário criar o tom da história, apresentar o mundo e o ambiente na qual os personagens vão interagir, além de ter que mostrar os principais protagonistas, antagonistas e suas respectivas personalidades e excentricidades (este último elemento pra mim é um dos pontos mais importantes em personagens nos quadrinhos).
Ou seja, é tudo muito novo, ao mesmo tempo em que também não é. Afinal as inspirações para o conceito como um todo da HQ são claras, e até mesmo já comentadas pelos criadores. Edgar Alan Corvo tem inspirações clássicas, de histórias como Scooby-Doo, Ducktales e todo um formato mais infantil de histórias em quadrinhos. Em sua essência lembra um pouco os quadrinhos da Disney, especialmente aqueles elementos de algumas fases dos quadrinhos do Mickey como detetive particular, ainda que o próprio Edgar tenha algumas facetas mais condizentes com o jeitinho brasileiro de trabalhar com certos personagens. Para mim foi impossível não pensar nas histórias do Zé Carioca na Agência de Detetive Moleza, por exemplo.
Há um tom leve de humor, é cartunesco, ao mesmo tempo que foge de alguns dos clichês da escolinha do politicamente correto dos quadrinhos infantis produzidos atualmente. Tanto que a primeira história se passa em um cabaré, os bandidos fumam charutos e a gata que cola todo o enredo esbanja o perfil de sedutora. Tem aquele clima dos antigos desenhos animados, como aquele clima noir de Uma Cilada para Roger Rabbit.
E primeira HQ é assim mesmo, o leitor mais crítico primeiro percebe as inspirações, as semelhanças, as influências dos autores e as bases da criação daquele mundo (quase nada se cria, pois tudo é inspirado em algo nos dias de hoje), para que só depois, com o tempo, comece a enxergar esse universo e seus personagens como algo que ultrapassa essa parece do “parece demais com algo que já conheço“. Edgar Alan Corvo faz uma boa estreia, porém é agora que começa o desafio de precisar mostrar mais da sua identidade e firmar como algo original e além de suas influências iniciais.
Edgar, detetive de meia tigela?
Os personagens de Edgar Alan Corvo!
Edgar Alan Corvo é um detetive de pequenos casos, tipo desaparecimento de meias, bananas mastigadas e casais ciumentos. Ele vive a sombra de seu avô, que foi um grande detetive. Tudo indica que ele tem um talento nato ainda não utilizado.
Até que Bete Cat bate na agência de Edgar, pedindo a sua ajuda com um caso envolvendo a escritura do caberá na qual trabalha (e ela meio que considera seu lar) e que corre o risco de ser tomado pelo bando da Alcateia, um bando de lobos mafiosos.
No começo Edgar é receoso se deve ajudar ou não, até que sua consciência (e um empurrãozinho de seu melhor amigo Wallace) o faz acreditar que ele deve criar coragem para aproveitar a oportunidade e seguir os passos de seu avô.
A premissa é bacana, não? Eu gostei, ainda que sinta um pouco de curiosidade para conhecer mais de Edgar. Ainda é difícil dizer se Edgar é mais do tipo Mickey detetive ou Zé Carioca detetive. Talvez haja um pouco de ambos em Edgar. Em um primeiro momento ele está dormindo em sua mesa, procurando criptógrafos na lista telefônica pois ele não resolve enigmas e em outro momento ele está enfrentando a Alcateia e salvando o cabaré de Bete. Me parece que Edgar está entrando em uma nova fase de sua vida e com isso realinhando uma personalidade condizendo com os desafios de um detetive de grandes casos. E me agrada esse ritmo inicial.
Espero que as próximas aventuras mostrem mais das facetas de Edgar e principalmente um pouco mais de humor, especialmente o nonsense, pois é um elemento que casa perfeitamente com esse tipo de quadrinhos.
Ao resto do elenco, gostei da turma do Cabaré Chic-Chic. Bete é simpática, ainda que possua uma personalidade a ser definida em relação a se tornar amiga ou não de Edgar em suas próximas aventuras. A coelha Raíssa também é extrovertida e divertida, me peguei imaginado que ela e o Wallace, melhor amigo do Edgar renderiam divertidos diálogos caso se encontrassem na trama. Quem sabe em uma próxima aventura?
Wallace, o jacaré, por outro lado me incomodou um pouco. Tal como a dupla Mickey & Pateta, ele é o amigão meio alienado, porém que sabe mais do que aparenta. Admito que não gosto muito de personagens com sotaque caipira. É um tipo de leitura que me incomoda um pouco, não que eu tenha algo contra sotaques. Sempre achei um clichê ruim. Tanto que adoro o fato da Vovó Donald e do Gansolino nos quadrinhos Disney não terem sotaques caipiras, mesmo vivendo na roça. Não é um estigma bobo para estes personagens? Não sei, sinto que há um potencial no personagem, mas se for pensar em personagens atrapalhados e com parafusos soltos, eu acho que uma personalidade do tipo Peninha (primo alienado do Pato Donald) casaria com uma melhor química (mais diferente) do que um Pateta como contraponto ao melhor amigo de Edgar. Justamente para fugir um poucos das comparações na qual acabei fazendo aqui. Enfim, Wallace ainda é um personagem que precisa me conquistar. Aqui ele ainda não conseguiu.
Tive um sentimento parecido em relação aos lobos da Alcateia. Nesta primeira HQ eles me pareceram um tanto genéricos, sem personalidades distintas. Espero que os autores possam trabalhar mais em cada um e suas personalidades (excentricidades) em próximas aventuras.
Seria interessante também se a HQ eventualmente conseguisse fugir de alguns estigmas das facetas dos personagens antropomorfizados. A coelha é toda espoleta, a gata sexy, os lobos babões por belas pernas, o jacaré meio atrapalhado, enquanto Edgar me parece ser o animal menos estigmatizado pelo tipo (e com isso possui uma faceta mais complexa do que apenas se assemelhar a um tipo corvo antropomorfizado – que também tem variações, como o corvo dos Looney Tunes, mais sombrio ou o corvo da Disney como o Amadeu que é todo trambiqueiro). Sim, é difícil fugir dos clichês do mundos dos personagens humanos-animais no mundo dos quadrinhos e não acho que todos precisem fugir da regra geral. Só estou dizendo que gostaria de ver algo diferente e inesperado já que os autores estão dando uma chance a fãs, como eu, que leio quadrinhos da Disney desde criança, de ver algo diferente do comum desse gênero. Surpresas são legais, oras!
Um bom começo, com potencial para melhorar!
A primeira aventura de Edgar serve então como uma apresentação e uma proposta diferente. É um risco interessante se aventurar por esse mundo bem semelhante aos quadrinhos da Disney. Certamente a HQ consegue alguns bons méritos no sentido de tentar criar seu próprio estilo. E soa como um processo ainda em alinhamento.
Foi um começo legal. Ainda não me pareça um universo redondinho e pronto para ser macro gerenciado. Há melhorias e refinamentos a serem criados nas próximas aventuras. Porém esse é um elemento que vem com o tempo, não tem como apressar isso.
Quanto ao traço do Glauco, gostei bastante das expressões e da forma como os personagens se movimentam ao longo das cenas da história. Ainda que espero que nas próximas haja uma ousadia maior na disposição dos quadros por página, emulando um pouco aquela ação e expressão que existem em quadrinhos como os das Novas Aventuras do Superpato (PKNA) e até mesmo naquela liberdade de estouro de quadro presentes em histórias do Zé Carioca produzidas pelo Fernando Ventura. Por que não um pouco da influência do layout dos mangás? O Douglas já faz um trabalho legal nesse sentido com o mangá Super. Enfim, sinto que há ainda uma sensação de contenção, dos personagens presos em um modelo restritivo de quadros. Mas há margem para isso evoluir e mudar com a amadurecer da série!
Antes de terminar, sem dar spoilers, a HQ inicial propõem um enigma. Os autores dão a dica da resolução do enigma antes dele ser revelado. Não sei se isso é um modelo que irá se manter em toda a HQ (espero que não, pois com o tempo isso acabaria se tornando maçante). Em todo caso achei a solução um pouco simples demais. Mas imagino o quão difícil deve ser equilibrar um puzzle em uma HQ. O Mickey que tem centenas de milhares de histórias com enigmas passa por isso até hoje, com histórias com enigmas óbvios ou apenas ruins, mesclando alguns onde eles são inteligentes e inesperados. Não existe uma forma de equilibrar isso. As vezes você acerta, as vezes você erra. Fora que eu estou aqui com 31 anos, e obviamente Edgar Alan Corvo não foi criado pensando na minha faixa etária como público alvo, então acho que é normal eu ter achado esse elemento da HQ fraquinho.
Então de encerrar, já peço desculpas se esta resenha estiver parecendo dura. Não é a minha intenção falar mal por falar. Acho que a crítica é válida se as intenções são a de acreditar nos autores e que eles podem melhorar. Todo quadrinho passa por isso. Os mais visíveis talvez sejam os mangás japoneses, que muitas vezes começam assim, contidos e em uma perspectiva micro, até que com o passar e sucesso da série o autor consiga melhorar traço, roteiro e amplificar o mundo que ele criou. A produção brasileira de quadrinhos vem evoluindo e cada vez mais chamando a atenção dos leitores brasileiros. E como críticos de nosso material feito aqui ainda sinto que temos que aprender esse equilíbrio entre “falar bem porque é do Brasil” e “não falar mal para não prejudicar o produto nacional“. Afinal ainda temos aquele estigma de também fazer cara de nojo só porque é conteúdo nacional, menosprezando ou até mesmo comparando com produtos feitos lá fora, com medidas e proporções totalmente injustos. Então é meio que importante não só o “querer mais” mas também de “querer a melhora“.
Enfim, Edgar Alan Corvo faz sua estreia no Social Comics. Para um começo, achei excelente! E deixo meus parabéns aos autores e fico na torcida para daqui em diante o universo da série evolua e cresça a cada edição lançada!
Fichas de personagens!