King’s Quest – Ep. 1 | A jornada de um cavaleiro que se tornou rei! (Impressões)
Desde que a minha boa experiência com Life is Strange (leia aqui) venho de olho em games com um forte foco em experiências de elementos narrativos e interativos, aqueles onde justamente se interagem mais com a história do que uma experiência mais focada em ação, com um gameplay mais complexo. E é assim que chego em King’s Quest, Capítulo 1: A Knight to Remember (Um Cavaleiro para Recordar).
Vale um pequeno parágrafo aqui, para contexto, pois King’s Quest é uma franquia muito antiga. Datada da década de 80 e uma das franquias que ajudou, e muito, a consolidar a Sierra como uma importante publisher ao longo de todo os anos 80 e 90. Hoje em dia, a Sierra pertence a Activision Blizzard, com justamente a atual meta de resgatar suas antigas franquias. Por fim, um último dado: King’s Quest, em sua versão clássica, durou até 1998, com King’s Quest VIII: Mask of Eternity, ou seja, se passaram 17 anos até que a franquia pudesse retornar ao mundo dos games.
E eis aí que entra King’s Quest de 2015, desenvolvido pelo pequeno estúdio independente The Odd Gentlemen, que talvez você possa conhecer por um indie game chamado The Misadventures of P.B. Winterbottom, lançado para PC e Xbox 360 em 2010. Bem, este novo King’s Quest não é necessariamente um remake de algum dos clássicos games da série, e sim uma reimaginação da franquia, podendo ter pequenas homenagens dos games antigos e situações que se parecem entre si, mas em nenhum momento esta nova versão obriga o jogador a conhecer a antiga série. É algo novo, feito especialmente para uma nova geração de jogadores, enquanto ao mesmo tempo deslumbra antigos fãs com um charmoso game de aventura com foco em narrativa, honrando a memória do imaginário da antiga série.
Para este revival os desenvolvedores decidiram dividir o game em cinco capítulos, mais um epílogo bônus, tal como os games desse gênero narrativo vem sendo lançados atualmente (os games da Telltales e Life is Strange são bons exemplos). O primeiro capítulo, A Knight to Remember, foi lançado em julho de 2015 – faz um tempinho já – enquanto o capítulo 2 saiu em dezembro do mesmo ano e o terceiro foi lançado agora este ano, no mês de abril. Os capítulos 4, 5 e o epílogo ainda não possuem datas de lançamento, mas devem continuar chegando de meses em meses, sem que o espaçamento seja muito longo, tal como vem ocorrendo até o momento.
Hoje comento aqui no site sobre o primeiro capítulo da saga, sem grandes ou comprometedores spoilers. E pode esperar que os capítulos 2 e 3 em breve também ganharão seus reviews por aqui!
Uma observação antes de continuar: eu não joguei os clássicos games de King’s Quest. Portanto não espere que eu comente referências ou perceba algumas semelhanças do conto atual com as aventuras antigas. Pra mim tudo aqui foi novidade, ainda que talvez certos momentos e formatos possam não ser. É como disse, esta é uma nova série, desconexa com a antiga, ainda que cheia de homenagens e referências aos antigos fãs.
Entretanto, aos que ficaram curiosos, vale dar uma pesquisada no You Tube por vídeos com os antigos King’s Quest, como este aqui. É lindo esse mundo moderno de gráficos fabulosos que os jovens vivem hoje em dia em face aos dias de poucos bits que vivi na minha infância no final dos anos 80 e por toda a década de 90. Rá!
Um conto do passado!
Uma das coisas mais importantes ao se contar uma história é ser um bom contador de histórias. A forma de contar também é importante e King’s Quest cria um ponto de início interessante o suficiente para prender o jogador logo nos primeiros minutos do game. Você entra nesse mundo, conhecendo o destino do protagonista. Explico.
O game é narrado da perspectiva do Rei Graham, ao que parece já estar em seus dias finais de vida. Neste primeiro capítulo ele conta a sua pequena neta, Gwendolyn como do nada se tornou um cavaleiro que disputou um torneio que o tornou rei de Daventry. Temos aqui a jornada do herói.
Pelo que dar para perceber, vendo as pequenas artes mostrada nos espelhos do menu dos capítulos do game, tudo indica que cada capítulo irá mostrar as fases da vida do Rei Graham, seu crescimento até chegar ao momento em que ele se encontra em sua cama, contando justamente a história de sua vida a sua pequena neta. Admito saber isso dá uma pontinha de tristeza, afinal é a história da vida de um personagem, com começo, meio e fim, e não aquela ideia habitual que temos de que os personagens da ficção são eternos, que eles nunca crescem, amadurecem e eventualmente… morrem. Eu não quero ver a morte de Graham, mas temo que é isso que verei no último capítulo, quando o mesmo chegar a esse ponto, de King’s Quest. Ou seja, se já me simpatizei agora por estes personagens, imagino como estarei daqui mais 4 capítulos, sabendo que suas aventuras irão chegar ao fim.
Sobre a perspectiva da narrativa talvez você possa pensar “que chato, é o episódio de uma história de um cavaleiro que tem a chance de tornar rei e que o game lhe entrega de cara que ele vai se tornar rei no final do episódio, não há expectativas sobre essa ideia“. Só que o legal é que não é o que Graham vai se tornar, mas como ele vai chegar até esse ponto que torna a história tão interessante. O que ele fará e como fará, afinal é um game interativo, então é o jogador quem decidirá grandes momentos da vida de Graham. É uma experiência singular a cada um, ou semi-singular, afinal o game tem lá suas trilhas e não lhe deixa ir tão longe assim.
Fora que o lance de um velho Graham contando suas aventuras permite boas saídas de arquitetura de mecânicas de gameplay, como algumas situações onde o jogador morre ao agir de maneira errada no game e o velho Graham corta a narrativa dizendo coisas como “bem, era isso que provavelmente teria acontecido se eu tivesse feito dessa forma” e assim o game retorna ao ponto onde o jogador precisa tomar outra decisão, que não envolva a morte do jovem Graham.
Pelo que pude perceber cada episódio irá manter um conto próprio, com começo, meio e fim, enquanto o plot maior, com o velho Graham definhando em sua cama, mas ainda persistente a continuar contando sua vida a Gwendolyn, enquanto a garota que vai tomando lições para si e crescendo com os ensinamentos e lições do avô. E isso é legal, pois os desenvolvedores já disseram que se o game conseguir vender o que se espera e agradar os jogadores, mais games da série surgirão, seguindo os passos das gerações da linhagem deixada por Graham.
Gwendolyn então não é importante agora, mas pode vir a ser em um futuro, ainda que independente disso, as discussões, diálogos e cenas da pequena neta ao longo do game ditam e mostram um pouco da ética e moral de Graham, ou ao menos na forma como ele está contando a história.
E A Knight to Remember é uma história que entretém. Há duelos com dragões, cavaleiros, corridas, disputas em torneio, puzzles com habitantes da vila, cenários diferentes e gags visuais para todos os lados, incluindo dos personagens da história, todos com suas peculiaridades, com um destaque especial aos cavaleiros que disputam o torneio.
Alias houve um momento, ao final da última Quest do game, que me foi dado a oportunidade de trapacear para ganhar. E antes de confirmar que eu faria isso, surge uma linha de diálogo da pequena Gwendolyn dizendo algo como “mas vovô, você ganhou dessa forma? Achei que você tivesse vencido por seus próprios méritos“. Admito que essa linha de diálogo mexeu comigo e continuei a Quest até ganhar por conta própria, precisei jogá-la algumas vezes, mas a venci sem usar o cheat que o game ofereceu.
Se envolva, investigue e encaixe as peças da história!
Conforme já dei a entender, King’s Quest então é um game de aventura narrativa, ou seja, o jogador tem livre arbítrio para se movimentar pelos ambientes do game, e interagir com objetivos que permitam a continuidade da trama. Ao agir, o jogador avança na história, descobrindo novos diálogos, recolhendo itens que os personagens lhe dão e resolvendo puzzles que surgem justamente destas interações. Parece um grande quebra cabeças que você precisa encontrar as peças e saber onde encaixá-las.
É um game de comandos simples. Você anda e aperta o botão de ação para investigar as coisas. Nesse sentido o jogo é um pouco mais linear do que gostaria que fosse, onde o mesmo não me pareceu oferecer muitos extras narrativos, como jornadas paralelas ou acontecimentos sem soluções que tirassem o game da obviedade de seus trilhos. Há alguns situações que tentaram isso, mas são muito poucas.
Além do investigar, o game lhe oferece um menu de itens. Conforme o jogador progride na história e resolve alguns puzzles, Graham vai ganhando ou coletando alguns itens. Estes itens podem criar novas interações com alguns objetos, cenas ou personagens, que por consequência geram novos itens e novas interações. E o game segue dessa forma até seu fim. É um recurso interessante, ainda que no final, o jogador recolhe um item, sabendo que eventualmente ele vai encaixar em algum momento preciso da história principal. Novamente, faltou um pouco explorar a ideia de Quests alternativas ou até mesmo itens que não se encaixem em nada, e que poderia apenas confundir um pouco o jogador para deixar o game menos linear e óbvio.
Porém ainda nesse sentido elogio o início do game, onde há o poder de decisão a respeito de algumas moedas que o Graham carrega consigo. Se você se desfazer muito cedo dessas moedas, o game meio que vai lhe obrigar a correr atrás depois, segurando Quests até que você descubra como reaver esse dinheiro, pois ele se prova necessário para as soluções de outras Quests da história.
Quer dizer, presumo que haja como ficar com o dinheiro por mais tempo do que eu me desfiz dele inicialmente. King’s Quest tem esse lance de poder tomar pequenas decisões que mudam superficialmente a história e a forma como a Gwendolyn vai agir posteriormente. São pequenas decisões que abrem outras linhas de diálogos, mas que não creio que criem novas e mirabolantes Quests. A linha do tempo ajeita tudo e as coisas acontecem da forma como precisam acontecer ao seu final. Não é um caso de um game que apresenta dois finais diferentes, portanto. Há pequenas nuances na sutileza como o final termina, mas ele termina igual em qualquer dos casos – vi alguns vídeos no You Tube para me certificar disso.
Pelo que entendi lendo um pouco sobre o game por aí, ainda que isso não seja explicado de forma explícita no jogo, as decisões refletem três aspectos da personalidade de Graham. O jogador pode decidir entre astúcia, bravura ou gentileza. Cada um destes valores impactam tanto na narrativa do game como a forma como a Gwendolyn age em alguns de seus momentos na história. Porém os desenvolvedores disseram em entrevistas que não há “más” decisões, que caracterizariam um Graham malvado. Sobre a perspectiva de um avô contando a sua história para sua neta isso faz sentido. Então o jogador não tem que se preocupar de estar criando um tirano.
Uma última coisa: escolhi a torta na última decisão do primeiro capítulo. Cada um dos objetos possíveis na última decisão de Graham vai fazer com que a Gwendolyn faça algo diferente no final. Escolha com sabedoria. Ainda que de qualquer forma o capítulo vai terminar com desfecho de agonia na cabeça do jogador. O que terá acontecido? Felizmente, no momento em que escrevo esse review, o capítulo 2 já foi lançado e posso tirar essa dúvida. Ufa.
Um torneio para se tornar rei!
O primeiro ato de King’s Quest trabalha então na história de como Graham, um visitante ao reino de Daventry acaba entrando em um torneio entre cavaleiros do reino para que o vencedor se torne rei, já que o atual rei não tem herdeiros e precisou definir quem ficaria em seu lugar.
Toda a narrativa de A Knight to Remember é feita em um tom de bom humor, sempre com muitas gags e piadas, além de situações nonsense que ditam um clima de contos de fadas irreverente. Não espere por algo muito sombrio ou sério demais. King’s Quest é uma fábula, mas daquelas divertidas e bem humoradas ao tipo de humor moderno.
O torneio se encerra nesse capítulo mesmo, e envolve basicamente quatro grandes desafios, um de admissão e três de habilidades. Nesse meio tempo, Graham vai conhecendo e se tornando amigo dos estranhos personagens do reino, os habitantes, os cavaleiros e até das criaturas que rodeiam Daventry.
E há alguns elogios que precisam ser feitos nisso tudo. Visualmente o game é deslumbrante. Cenários ricos em detalhes, personagens que se movimentam com uma naturalidade de se admirar e as expressões faciais são riquíssimas em detalhes. O movimento da capa de Graham é de hipnotizar. Claro que o estilo gráfico cel shading e cartunesco ajuda muito toda a imersão visual do game.
A dublagem de King’s Quest também é de tirar o chapéu. A começar pelo Christopher Lloyd como o Graham idoso, narrando toda a história do game. O jogo ainda conta com as vozes de outras figurinhas carimbadas da turma norte americana, como Wallace Shawn, Tom Kenny, Josh Keaton, Maggie Elizabeth Jones e Zelda Williams.
Infelizmente aos jogadores brasileiros, até o momento, não há qualquer previsão de que King’s Quest possa vir a ser localizado ao nosso idioma. Todo o game está em inglês e sem legendas em português (dá para deixá-las em inglês para lhe ajudar a entender o idioma). Vale porém observar que Life is Strange passou pela mesma situação, porém quando a saga acabou e o lançamento em mídia aconteceu, o game ganhou legendas em português. Fico então, com um pinguinho de esperança de que quando King’s Quest terminar (acho que no final de 2016 ou começo de 2017) e o game puder ser lançado em uma versão completa, com todos os episódios juntos, a localização do título em outros idiomas possa vir acontecer. Mas pode não acontecer, ainda mais se pensar que há alguns títulos atuais distribuídos pela Activision que chegam por aqui sem qualquer localização.
Por fim, um último elemento a respeito de mecânicas da jogabilidade de King’s Quest que preciso elogiar são os pequenos momentos de ação que o game possui, quase como pontuais mini-games, quando ele deixa um pouco o formato narrativo investigativo para deixar o jogador agir um pouco mais, como quando precisa descer o rio fugindo de um dragão ou no desafio da corrida no torneio. Há ainda momentos onde o jogador pode atirar com flechas e outros onde alguns acontecimentos pedem por quick time events (comandos ágeis no controle para serem acionados). Isso cria um ritmo diferente ao game, deixando bem menos estático do que games como Point & Click as vezes são. É bom ver que o primeiro capítulo de King’s Quest se esforça para não soar monótono ou cansativo. Há sempre algo diferente acontecendo na jogabilidade, e na história é claro. E eu adorei o desafio de tabuleiro no momento final do game! Foi algo meio inesperado admito.
Vale ou não vale?
Terminei este primeiro capítulo com 7 horas de gameplay. Muito mais do que achei que levaria. Coincidência ou não, atualmente o primeiro capítulo parece estar sendo oferecido de graça na Xbox Store do Xbox One. E sendo de graça, não preciso nem dizer que vale a pena baixar, certo? Mas vá logo baixar, pois provavelmente isso é por tempo limitado.
Mas King’s Quest também está presente em outras plataformas. E nestes casos? Na PSN o primeiro capítulo está custando 30 reais e na Steam está por 38 reais. Vale o preço? Acredito que sim. Li relatos por aí que o episódio 2 é menor e que não proporciona a mesma experiência desse primeiro capítulo, então é meio complicado nesse momento recomendar a experiência inteira. Porém ainda irei tirar isso a limpo, pois jogarei o segundo capítulo em breve. Mas independente do capítulo 2 ser bom ou não, o fato é que A Knight to Remember oferece uma ótima e completa experiência solo. Dá para jogá-lo, se sentir satisfeito e parar por aqui mesmo.
Ah, mas e o gancho dos 5 segundos finais do capítulo? Ora, você pode espiar no You Tube se não quiser continuar, certo? Entretanto reforço que a experiência que o primeiro capítulo entrega é honesto e justo ao quanto está se cobrando por ele. E é um gênero que muitos jogadores não dão bola e talvez estejam perdendo algo que lhes agrade. Fica então a minha recomendação. Acho que vale sim, jogá-lo. Muito mais do que simplesmente assistir uma outra pessoa qualquer no You Tube tomar as decisões narrativas que o game apresenta. Você precisa decidir como Graham deve agir, pois é aí que esta parte da graça da proposta desse tipo de jogo.
Mais imagens!
Em breve por aqui:
Excelente review, Thiagão! Joguei alguns antigos há MUITO tempo atrás (tanto que nem me lembro quais), e mesmo percebendo a mudança em relação aos outros jogos da série, fiquei com vontade de jogar.