Aoharaido – Vol. 01 | Aquela fase para moldar sua identidade social (Impressões)
Talvez antes de começar seja necessário estabelecer um parâmetro importante aqui: Aoharaido – A Primavera de Nossas Vidas (título oficial que o mangá recebeu aqui no Brasil pela Editora Panini) é um mangá do gênero shoujo, ou seja, foi criado visando como público-alvo o gênero feminino, especificamente mais jovem.
E é importante explicar isso pelo simples fato de que, obviamente, não sou nem de longe o público alvo do título. Não que isso também não signifique que eu não possa tirar algo de legal de um mangá do gênero. Uma boa história sempre tem seus méritos e muitas vezes consegue ir além do foco de sua audiência principal. E fico contente de ter encontrado algo que tenha me despertado a atenção ao ler este primeiro volume de Aoharaido.
Alias, alimentar o preconceito com o gênero só porque ele é visado em um público feminino não é um bom negócio. É interessante que as histórias hoje em dia, mesmo que sigam orientações de gêneros ou categorias, possam ser apreciadas por um público amplo, muito maior do que seu nicho. E não é como se nunca tivéssemos lidos um shoujo ou até mesmo assistido um animê do gênero e nem sequer notamos (ou não nos importamos). Não é diferente também quando assistimos um filme ou seriados visado no público adolescente. A gente cresce e para de ser público alvo de tudo basicamente, então ou nos adaptamos e acostumamos com tudo que há por aí ou ficamos ultrapassados e nos tornamos xaropes e tediosos.
Sem mencionar que é legal quando se tem uma amiga, namorada ou esposa que goste de coisas que você goste, e produtos voltados para esse público são portas de entrada para outras coisas. Shoujo então é uma forma de entrar nesse universo de mangás ou animês, especialmente para as garotas que não curtem os clássicos shonens que a molecada (e marmanjos) tanto adoram. Acaba sendo uma forma de conectar relações, gostos e também de criar novas interações sociais, o que, veja só, é um dos temas abordados no primeiro volume de Aorahaido.
A garota que odeia meninos
O mangá conta a história de Futaba Yoshioka, uma garota que tinha alguns problemas em fazer amigas(os) no ginásio. Porque os meninos em sua grande maioria tinham uma quedinha por ela, e isso irritava as meninas. Futava então vive clamando que odeia os meninos, pois eles só lhe causam problemas. Houve, entretanto, um menino por quem Futaba se apaixonou (ah, jovens!) e antes de ter a chance de se declarar, ele teve que se mudar. Ao menos foi o que lhe disseram. Isso mexeu com a garota e ela meio que não conseguiu tirar o garoto da cabeça. Nisso a história avança em 3 anos, e Futuba agora se encontra no colegial.
Sem querer ficar explicando o sistema educacional japonês, pois ele é diferente do nosso, basta entender que Futaba mudou de escola ao progredir no sistema educacional de lá. Tendo a oportunidade de se reinventar, ela não pensou duas vezes. Futaba se tornou o que poderia se chamar de “pessoa superficial“.
Falastrona, comilona, meio desarrumada. Futaba agora tem amigas, os meninos não mais prestam atenção nela e com isso não há mais problemas com meninas se sentido incomodadas com sua personalidade. Ela teve que se readaptar socialmente para ser aceita. Enquanto isso, ela vê uma outra garota da classe, chamada Yuri Makita, passar por aquilo que ela passou quando mais nova. A outra garota é quietinha, meiga, na dela, o que desperta a curiosidade nos meninos e a inveja nas amigas de Futaba, que vivem falando mal dessa menina. E Futaba nada faz a princípio.
Ou você se adapta ou se desloca socialmente…
Enfim, chega de ficar narrando o mangá, ao menos por enquanto. O caso é que precisei dar essa sinopse para poder dizer o quanto essa é uma situação normal nas crianças e nos jovens desde sempre. Problemas de socialização, de amigos, amigas e de não ir com a cara de outras pessoas ou de ter que agir de forma superficial para ser aceito em um grupo, especialmente se esse for os tais populares da escola.
Quem nunca passou por isso no colégio? Eu mesmo não tenho tantas boas lembranças dos meus tempos de colégio quanto gostaria. Sempre tive problemas de socialização, porque nunca fui meio adaptativo ao meio. Sempre fui o peixe fora d’água. Entendo então a Futaba, o porque ela quis mudar para ser aceita. Nem todo mundo consegue isso, mas ela conseguiu.
Não cabe aqui, nesse momento, julgar se ela estava errada ou não. Mais a frente no mangá, ela vai juntar os pontos de seus atos, o garoto que ela nunca se declarou vai surgir e abrir seus olhos. O que aconteceu com aquela menina que hoje não existe mais? Hoje Futaba é só uma casca, assim como suas amigas falsas e superficiais. Esse é o preço para ser socialmente aceito?
Claro que não acho que Aorahaido seja exatamente um mangá que tenha essa reflexão como foco. Este é apenas o primeiro volume de uma longa história. Porém é um ponto que existe aqui, neste início, e que de uma certa forma acabou me despertando a atenção.
Há uma cena lá no final do primeiro volume em que Futaba passa a se relacionar com a menina excluída do grupo, a tal Makita, pois ao defende-la frente as falsas amigas, a própria Futaba se torna novamente uma excluída. Achei interessante quando Makita cita algo que sua professora dizia quando ela era criança: “seja amiga de todos seus coleguinhas”, sendo que a gente cresce e passa a perceber o quão irreal é conseguir ser amigo de todos.
E sendo que essa fala “seja amiguinho de todo mundo” sendo algo que eu digo ao meu filho de 3 anos, que já frequenta escolinha e as vezes tem problemas para se relacionar com uma ou outra criança. Ao ler isso me peguei pensando se estaria certo tentar passar essa ideia a ele e não algo como “brinque com quem você gosta de brincar”. Tipo, como se não são os adultos que moldam um pouco errado as crianças, dando essa ideia de que devemos nos socializar em grupos grandes e populares e não com aqueles com quem simplesmente nos fazem sentir bem, independente se um grupo é menor ou até meio excluído. Claro que meu filho tem apenas 3 anos, ele ainda precisa aprender a se relacionar com crianças diferentes, pois discernimento é relativo nessa idade, mas ainda assim… me fez pensar se eu não poderia agir ou dizer algo diferente, especialmente pensando em como eu tive meus problemas sociais quando criança e também na adolescência (e até hoje pra ser sincero).
Enfim, viu só como cada história, se for boa, gera algo a ser pensado? Não importa se é shoujo, se é um mangá para garotas. Se os personagens, as situações e os elementos forem interessantes essa história vai agregar independente do tipo de pessoa for o leitor.
Um pouco mais além da superficialidade
É claro que Aoharaido não trabalha unicamente esse aspecto social com seus personagens. Como estava explicando lá no começo, Futaba gosta de um menino, acaba passando todo um ciclo escolar se arrependendo de nunca ter se declarado para ele e agora, 3 anos depois, esse mesmo garoto retorna.
O mangá também trabalha com esse sentimento da garota em relação a uma paixão de infância. Kou, como ele se chama agora, está diferente. O personagem também é um pouco mais complexo do que possa parecer no início. Ele é o primeiro a perceber o quão superficial e errado se tornou essa nova Futaba, mas ele também mudou. Infelizmente o primeiro volume do mangá não dá todas as pistas para seu passado, apenas que envolve o divórcio de seus pais, o que é outro elemento social que mexe com as crianças e os jovens, algo que felizmente eu nunca tive que lidar, mas sei que há outras pessoas que poderiam facilmente se identificar com essa situação.
É interessante que a autora também admita, nos vários textos espalhados ao longo dessa edição que ela ainda não tem tudo planejado, que seus personagens estão crescendo e amadurecendo conforme elas está criando-os. Ela admite nesse volume, que na época em si, ainda não conhecia eles em toda a complexidade de suas personalidades, o que é um ponto de vista interessante e até intrigante. Com contar uma história sem saber o seu final? Sem ter totalmente uma visão de como os personagens ainda são e como será o caminho pelo qual devem seguir? A autora brinca com isso nos vários textos da edição, falando de inseguranças e consultas a opiniões alheias e como isso vai construir esse universo na qual ela acaba de criar. É interessante e é uma perspectiva diferente, com certeza. É um tipo de história, romanceada, que pode se dar a este luxo, onde os personagens acabam moldando seus futuros e não a autora especificamente, ainda que ela governo todos no final de tudo.
Gosto porém de uma passagem onde a mesma escreve sobre um dos diálogos que as amigas superficiais da Futuba possuem. Ela diz algo como“ah você achou papo de mulher essa questão da inveja e do ciúmes? Pois saiba que essa passagem eu retirei de um exemplo que vi na vida real com um grupo de homens na verdade” e aí ela segue o texto dando uma lição a respeito do assunto e como na verdade todos nós, seres humanos, acabamos vez ou outra nos entregando a sentimentos como ciúmes ou inveja de pessoas na qual desejaríamos ter algum traço, qualidade ou status. É bem interessante como ela pegou algo que no imaginário de um homem poderia ser facilmente identificado como “conversa de mulherzinha” e de fato é algo muito mais normal da índole do ser humano do que esse machismo de só mulher tem ciúmes de outra mulher. É uma passagem muito interessante.
E é legal essa experiência que alguns mangás possuem entre o autor e seus leitores. É um tipo de extra, por exemplo, que não se encontra lendo um mangá pela internet, quando grupos de tradução só correm atrás do capítulo semanal do mangá e olhe lá. One Piece, por exemplo, eu meio que tenho um pouco de arrependimento de ler apenas online e de não dar muita atenção ao volume impresso (ainda que faça a minha parte e colecione todos os volumes), pois sei que o autor da série tem muito dessas conversas com os leitores nos volumes impressos.
Enfim, eu ainda não sei se vou continuar lendo Aoharaido. Minha missão aqui era comentar um pouco do primeiro volume e apresentar a obra aqui no site. Se eu tiver a chance em um futuro, adoraria ler toda a obra. São 13 volumes, já finalizados no Japão. Aqui no Brasil a Panini já publicou 7 volumes, então estou bem atrasado. Há também um animê, que infelizmente não tem na Crunchyroll, exibido em 2014 e com 12 episódios, antes do mangá ser concluído.
Digo que gostei dos personagens, gostei da proposta inicial da série, e não seria o fato dele ser shoujo que não me faria continuar acompanhando. Gostei da sensibilidade da autora de como ela toca em certos assuntos e o mangá tem bom ritmo narrativo, tem bons traço ainda que não seja nada além dos padrões dentro do gênero e há até mesmo espaço para humor pontual, sem exageros ou forçação de barra para certos momentos soarem engraçados. Eu realmente ri discretamente em alguns deles, prova de que estava absorto na leitura e no universo ali proposto. Nem mesmo o fato da linguagem meio açucarada, de uma menina apaixonada por um garoto na qual ela nunca conseguiu trocar meia dúzia de palavras chegou a me incomodar. Faz parte do gênero e do clichê isso do romance bobinho, o que torna-o bom são as camadas além do mundano, expostos ao longo desse review, e nisso Aoharaido parece cumprir seu papel em seu primeiro volume.