Ih, já confessei vários “pecados” aqui no site no que diz respeito ao meu desconhecimento de autores e mangás famosos que provavelmente eu deveria já ter corrido atrás para conhecer, mas nunca tive tempo, certo? Hoje preciso confessar mais um: nunca li ou assisti Love Hina e Negima! Magister Negi Magi, obras de um mesmo autor, o Ken Akamatsu. Que vacilo, não?
O bom de escrever e manter o Portallos é isso, há sempre portas fechadas que um dia poderei abrir! Posso não ter conhecido as obras mencionadas no parágrafo acima, mas ao menos estou caindo de paraquedas no primeiro volume de UQ Holder! que é uma espécie de spin-off de Negima!, porém sem que eu seja necessariamente obrigado a conhecer a obra anterior do Akamatsu!
O pior (de uma perspectiva positiva) é que após terminar a leitura desse primeiro volume e de conhecer o universo dessa série, me bateu uma curiosidade monstruosa de conhecer a série que deu origem a este spin-off. Quem sabe em um futuro isso não aconteça? Eu já tive sorte no passado de conseguir tempo para ir atrás de clássicos e conseguir conhecé-los e colocá-los dentro do meu arquivo cerebral de “coisas que li e gostei para sempre“.
Universo único, mangás separados!
A respeito de UQ Holder! é importante dizer, como alguém que está chegando agora a este universo consolidado em um mangá anterior do mesmo autor, que não senti que, neste momento, haja a obrigatoriedade de conhecer a obra anterior, ou seja, Negima!
Claro que dei uma pesquisada para entender direito essa parada de spin-off, afinal o mangá em si não perde tempo explicando esse detalhe. Para quem nunca ouviu falar de Negima! esse fato pode até mesmo passar batido, já que há somente uma única referência em uma nota de rodapé comentando que o universo de UQ Holder é o mesmo de Negima! neste primeiro volume. Aqui é tudo realmente novo, nova proposta, novos personagens e nova trama.
UQ Holder! se passa décadas após o final de Negima! e apesar de ter personagens que existem em ambas as séries, como o caso da protagonista Yukihime que é uma vampira (e por isso é imortal), e que em Negima! também era uma das personagens principais, porém no original ela se chamava Evangeline A.K. McDowell, isso não quer dizer que a história aqui seja uma continuação de algo que tenha ficado solto no mangá anterior. Ao menos não é a essa a perspectiva de um leitor novato que chega agora a série.
O autor parece mais ter aproveitado a ideia de personagens que vivem para sempre, para levar, no caso aqui, essa vampira imortal, para décadas a frente, se relacionando com outros personagens, criando uma nova história para si. Ainda que, como disse, por ter pesquisado um pouco, já saiba que outros personagens da série clássica devem comparecer aqui em UQ Holder! futuramente. Porém isso não é algo que acontece aqui, neste primeiro volume.
O garoto que almeja subir a torre mais alta do planeta!
UQ Holder na verdade não tem como foco principal a história da Yukihime (Evangeline), e sim de um garoto chamado Touta Konoe, que vive aquele clichê que muitos na vida real se identificam: é o garoto que vive no interior, no fim do mundo, e que deseja alçar voos maiores, indo para a capital e conhecendo como é o mundo fora dessa vidinha pacata do interior.
O legal é que o mangá pertence ao gênero fantasia, então seus elementos narrativos podem pirar à vontade, ou seja, no caso, a capital na qual Touta almeja poder ir visitar um dia, possui uma torre que é tão alta, que se conecta a uma estação espacial. E o garoto quer ir um dia até o topo, conhecer algo tão incrível que poucas pessoas tiveram a oportunidade de conhecer. Porém a capital e a torre são locais perigosos, apenas os mais fortes vivem em suas proximidades.
Neste ponto, do primeiro volume, o mangá não se preocupa muito em contextualizar completamente esse universo, o que significa que ele não dá muitas dicas do que é essa capital e como diabos uma torre tão gigantesca consegue ir até a órbita da Terra, ou até mesmo, porque é tão difícil chegar até lá. E nada disso é necessário neste começo. Mangás são assim mesmo, parte da beleza do gênero é isso mesmo, não contar demais, e instigar o mistério e a curiosidade, sem almejar o hiper realismo das coisas.
Há um porém no entanto. Para Touta e seus amigos terem permissão de viajar até a capital, eles precisam vencer sua professora, e vampira (shh, eles ainda não sabem disso), Yukihime. No caso de Touta, isso é ainda mais significativo, já que ele é uma espécie de filho adotivo da Yukihime, que se envolveu em um acidente envolvendo seus pais quando o Touta era muito pequeno e com isso a vampira assumiu a responsabilidade de criar o menino.
E se o mangá tem esse elemento do sobrenatural, ele não podia deixar de ter magia! E sim, existe magia no mundo de UQ Holder!, sendo que há também dispositivos que permitem o uso de magia para humanos normais, ainda quê, no geral a magia artificial não aparenta ser algo forte o suficiente para vencer a magia em sua forma mais natural.
A imortalidade é uma maldição… ou não?
Um dos pontos que trazidos pela primeira edição diz respeito ao elemento da imortalidade. Viver para sempre é ruim? A Yukihime abre esse debate nas primeiras páginas da edição, que por sinal são coloridas (obrigado, JBC!). É aquela premissa: você não pode ter amigos sendo um imortal. Todas as pessoas queridas para você irão morrer um dia e só você restará por aqui.
Não quero contar certos spoilers que estão presentes neste primeiro volume, pois esse evento em particular é muito legal e na minha primeira leitura meio que foi inesperado e surpreendente. Basta saber que uma reviravolta na trama irá ocorrer e isso obrigará Yukihime e Touta a deixar essa cidade do interior e seguir rumo a estrada que os levará para a capital.
Nesse ponto, Touta conhecerá alguns segredos da Yukihime, dentre eles o fato de que ela é uma vampira fadada a viver para sempre. E aqui ele abre o contra ponto, alegando que a imortalidade não é algo ruim e que a Yukihime talvez esteja olhando as coisas da perspectiva errada.
Esse debate a respeito da imortalidade, se ela é algo ruim ou bom, me gerou alguns nós na cabeça. Pois, acho que qualquer um na vida real gostaria de viver para sempre, mas aqui, uma das protagonistas principais da história prega o quanto isso é ruim, enquanto Touta assume contraponto ao leitor: — não, imortalidade não é tão ruim assim! Será mesmo?
O humor a serviço da narrativa
Outro elemento que me agradou em UQ Holder! é o seu bom humor, bem típico dos shonens na qual o título pertence, porém sem soar como algo repetitivo, mantendo assim, sua própria identidade e originalidade. Touta e Yukihime possuem uma boa química, assim como todos os personagens secundários que aparecem aqui neste primeiro volume. Parece que o autor sabe trabalhar muito bem esse lado de personagens que ainda que não possuem grandes papéis nesse início de série, pensando neles como algo que pode vir a ter um potencial no futuro. Aquela coisa de “estamos nos separando aqui, mas nos encontraremos novamente algum dia“.
Touta é o típico protagonista que conquista o coração das pessoas, talvez graças ao seu forte espírito de justiça, de colocar o bem do próximo acima de seu próprio bem estar, o que diga-se de passagem acontece em um ou dois momentos aqui do primeiro volume.
E apesar do bom humor, seja em situações inusitadas onde a veia cômica acontece de forma visual, seja por meios de bons diálogos, UQ Holder! também separa um espaço no primeiro volume para mostrar que pode ser sério e tenso, na medida que um shonen de batalhas precisa ser, em um dos ápices do volume e que causa a tal reviravolta na trama.
O autor trabalha muito bem quando o clima do mangá fica pesado, trazendo um traço mais ágil, com feições mais preocupantes e bons ângulos, sem causa confusão ao leitor, como há tantos mangás que acabam fazendo isso. Gosto alias das cenas de treinamento de Touta com a Yukihime, que também demonstram movimentos e golpes inusitados, fazendo parecer que o próprio mangá tem movimento.
Há também um outro elemento aqui, inserido de forma bem mais sutil e natural, que é a nudez de alguns personagens. Mas é aquela coisa menos gratuita do que geralmente estes eventos acabam sendo. Aliás essa é a forma que o autor insere o terceiro protagonista do mangá: Kuroumaru Tokisaka. Um garoto que Touta acha que trata-se de uma mulher, ao conhecê-lo nu em um riacho. E admito que o primeiro volume inteiro me deixou com essa coisa do “complexo de Mulan“, será que Tokisaka é mesmo homem?
Como Yukihime é aquela figura de mãezona e da mestre, Tokisaka faz o papel do melhor amigo e rival, formando aquela santa trindade que quase todo mangá do gênero precisa ter. E isso não é ruim, pois flui de forma natural, sem soar algo obrigatório ou desnecessário. Se os personagens são bons, isso não chega a ser um problema e como disse, UQ Holder! trabalha bem estes elementos.
Ainda é cedo para tecer uma opinião maior a respeito do Tokisama, pois ele entra na trama quase próximo ao final do volume, e sua passagem acaba se resumindo nessa brincadeira de “cara, você tem certeza que é homem mesmo?“, que é algo que existe em alguns mangás em torno de personagens com feições femininas, sendo que o autor acaba conseguindo com mérito criar situações onde até mesmo o leitor se questiona sobre esse ponto em torno do personagem. Porém é legal que o Tokisama acaba sendo um “órfão da vida“, por assim dizer, e acaba a contragosto se tornando amigo de Touta e depois aceita ser discípulo da Yukihime.
O final do primeiro volume expande um pouco as dimensões da série, justificando inclusive porque do mangá se chamar UQ Holder!, mas aí são desdobramentos que só mesmo acompanhando o segundo volume para compreender as repercussões causadas por este final.
Vale ou não vale?
UQ Holder é um mangá que ainda está em publicação no Japão, iniciado em 2013, e que no momento tem 10 volumes publicados. Então é um mangá bem recente e que ainda está sendo produzido. Acaba sendo um mangá moderno, da atual safra de autores japoneses, o que significa que existe essa coisa da narrativa mais ágil, e traços mais detalhados e bonitos, já que as técnicas de desenhos hoje em dia são bem mais avançadas do que uns 10, 15 anos atrás.
No que diz respeito a versão lançada aqui no Brasil pela Editora JBC, sendo que este primeiro volume chegou às bancas ao final do mês de abril, tendo uma periodicidade bimestral (ou seja, o segundo volume já está nas bancas ou em vias de chegar), a editora optou por um formato mais convencional, utilizando o papel jornal, mas trazendo nesta primeira edição 8 páginas coloridas. As contra capas também estão coloridas, trazendo a mesma arte das capas, já o freetalk do autor encontra-se naquela página do aviso ao leitor para não começar a leitura pelo lado errado da revista. A edição custa R$ 14,90. Parece um pouco caro, não? Mas na crise atual, acaba sendo um preço que não me assusta tanto assim. Gostaria que a JBC tivesse apertado o cinto um pouco e mantido o preço do mangá em R$ 13,90, o mesmo valor de Blood Block Battlefront, outro lançamento recente da editora e também já resenhado aqui no site.
Não posso deixar de comentar também um evento bizarro que aconteceu com a minha edição, na qual um lado da capa soltou uma parte daquela película plástica (o verniz que dá o brilho a capa, na verdade). Vide imagem abaixo. Provavelmente dei um azar danado com isso, vai saber, afinal não vi ninguém mais reclamando disso por aí. O fato é que fazia muitos anos que não via um mangá ou revista soltar essa película. Tenho centenas de mangás em casa e nenhum deles apresentam esse problema pelos métodos de conservação que sigo para todos eles.
Inclusive guardo-os com muito cuidado, em saquinhos plásticos, e evito deixá-los expostos ao calor ou umidade, e também nem são amassados de alguma forma que acabem forçando essa camada de verniz a estourar pelas bordas das capas. É estranho isso ter acontecido, mas não tinha como não relatar, já que não foi algo que eu forcei a ocorrência e sim, ao que tudo indica, um problema na qualidade em si da fabricação dessa edição que peguei em mãos.
Na parte interna do mangá, não tenho do que reclamar. Boa impressão, com um bom tom de preto, sem que os desenhos fiquem transparecendo no verso das páginas e encadernação sem enrugar páginas ou com quadros que fiquem difíceis de serem apreciados por estarem próximos ao miolo da encadernação.
UQ Holder! se mostrou pra mim como um mangá divertido. Aos fãs de Negima! acredito que seja um título que precise ser acompanhado, agora para aqueles que estão chegando agora, talvez seja um título perfeito para conhecer mais o trabalho de Ken Akamatsu para depois correr atrás de outros clássicos do autor.
Para quem procura um shonen novo, UQ Holder! parece uma ótima opção, especialmente enquanto ele ainda é um mangá novo. Nem mesmo animê ele ainda possui (mas terá em breve). De fato não é um título muito especial, daquelas obras que precisam estar na prateleira, tal como Knights of Sidonia precisa estar (na minha opinião), porém me parece um título divertido de se acompanhar, porque mangá também tem destas: as vezes acompanhamos apenas porque gostamos do universo e dos personagens criados, para apenas nos entretermos e nos divertimos, e UQ Holder! é para isso mesmo!