Lovely Complex Vol. 01 | A fórmula dos opostos se atraem! (Impressões)
Não é fácil vir aqui no site escrever sobre mangás do gênero Shoujo, aquele segmento de títulos produzidos tendo como foco o público jovem feminino, em grande parte adolescente. Obviamente, tendo 31 anos e não sendo do sexo feminino, esse não é um título que converse totalmente comigo, ainda que isso não seja um impeditivo para poder conferi-lo. Afinal, essa classificação é apenas uma indicação de foco do produto. Isso não impede que pessoas de qualquer sexo ou idade possam curtir esse tipo de mangá, especialmente se a história, a proposta e os personagens dentro da trama forem interessantes e/ou divertidos.
Okey, talvez minhas palavras iniciais tenham sido bem parecidas com o que disse no final de maio, quando escrevi sobre o primeiro volume Aoharaido aqui no site. O caso é que achei importante frisar tal ponto novamente, especialmente porque acabo me sentindo como um marujo fora d’água escrevendo sobre tais títulos. Ainda que, mesmo assim, ache divertido tal desafio. Ler, jogar, assistir coisas diferentes tem sido uma meta para 2016.
Bem, é curioso pensar que em março de 2015 a Panini estava lançado nas bancas o Aorahaido – A Primavera de Nossas Vidas – pois é, a resenha do vol. 01 aqui saiu com bastante atraso – e um ano depois, no mesmo mês de março, tenha sido lançado Lovely Complex. Eventos assim acabam sendo um indício de um segmento que, até alguns anos atrás, tinha bastante dificuldade para entrar no cenário dos mangás em publicação no Brasil. E agora temos esse espaço para novos shoujos sempre chegando por aqui, com uma frequência cada vez maior. Vale mencionar que tem outro shoujo da Panini estreando nas bancas nestas últimas semanas, Ore Monogatari!! – Minha História, e pode esperar que em breve vai ter a resenha do primeiro volume por aqui também.
Enfim, Lovely Complex! é esse mangá lançado pela Panini no final de março. Não faz muito tempo. O terceiro volume deve estar chegando agora nas bancas, então quem se interessar ainda dá tempo de correr atrás. Lançamento em um formato bem simples, capas iguais nos dois lados de fora do mangá, papel jornal e aquele precinho antes da crise inflacionar os mangás mais famosos das linhas das editoras, ou seja, 13 reais por edição. Porém é tudo bem caprichadinho, impressão legal, freetalk colorido e extras em alguns capítulos e ao no final do volume. Gosto dessa coisa da autora conversar diretamente com o leitor em algumas páginas, dá um ar mais pessoal à leitura, como se fosse um título de uma amiga ou conhecida.
Meu melhor amigo, minha melhor amiga.
É curioso pensar que normalmente leio estes mangás mais adolescentes e sempre tento identificar pontos parecidos com meus tempos de adolescência. Normalmente encontro alguma coisa que se relacione ou tenha aquele significado semelhante. Até porque os mangás nem sempre trabalham somente com temas puramente adolescentes. Há sempre aquela pontinha do mundo adulto, aquele tema feito para chamar a atenção de uma outra parcela do público. E não encontrei isso em Lovely Complex, ao menos não neste primeiro volume.
Geralmente mangás assim sempre abordam aquela coisa da crise de identidade dessa fase da vida dos jovens. Do personagem que possui alguma tragédia em sua vida que o fez amadurecer mais rápido, ou aquele problema de como agir frente a outras pessoas para não ser um rejeitado social ou já ser um e o mangá ter que lidar com isso. Lovely Complex não segue nada disso nesse começo. É um título bem leve e descompromissado, mais juvenil possível, sem dramalhões mais pesados.
O mangá abre com essa premissa de uma garota realmente alta (1,70m), Risa Koizumi, que é amiga desse garoto realmente baixo (1,56m), Atsushi Otani e como ambos se relacionam, sendo de uma mesma classe. E é legal que os nomes japoneses tem aquela coisa de terem outros significados, então o da garota significa “pequena fonte” e o do garoto “grande vale“, então por aí o leitor já percebe que a proposta do mangá é trabalhar essa coisa de “opostos”, mas sempre em um bom tom de humor. No sentido de ser engraçado e não um problema grave na vida destes personagens, sem aquela coisa de “crise de aceitação”.
Risa e Otani são amigos que vivem se provocando e brincando, um zoando o tamanho do outro. Dizem que se odeiam, mas na verdade são grandes amigos, possuem gostos parecidos e se dão bem de uma forma bem natural, ao menos quando não estão preocupados em provocar e tirar um com a cara do outro. Já deu para perceber onde isso vai dar, não? Fica bem claro no primeiro capítulo, e até pelo título do mangá, que é aquela história do casal que inicialmente se odeiam, até perceberem que são perfeitos um para o outro, independente da altura de cada um.
Isso pode mudar até o fim do título, do tipo eles conhecerem outras pessoas e descobrirem que servem apenas para serem bons amigos? Sim, é uma possibilidade. Porém não há qualquer indício de algo assim neste volume inicial.
O mais interessante, apesar da premissa bem nítida ao leitor, é que a autora do mangá trabalha muito bem o humor do título. É sempre engraçado essa química de personagens que vivem como cão e gato, sempre discutindo e chamando toda a atenção para si. Todo mundo acha que eles namoram, e isso só os deixam mais bravos ainda com essa situação.
No primeiro volume há essa tensão de ambos estarem em recuperação nas férias escolares e como estão de saco cheio de todo mundo dizer que eles estão juntos, ambos decidem unir forças para ajudar um ao outro a conquistar seus respectivos interesses amorosos dentro da turma de recuperação.
Não vou contar como necessariamente isso termina, mas basta dizer que vai dar tudo errado. E é interessante que essa ideia da autora de brincar com opostos acaba novamente se refletindo em outros personagens. Personagens que deveriam ser populares, mas na verdade são tímidos, e que quando viram casais, descobrem serem incompatíveis em um teste de casal (enquanto Otani e Risa conseguem 100% no teste, o que só os deixam comicamente ainda mais revoltados com essa situação).
Como trata-se de um shoujo, há uma atenção bem maior na personagem feminina, em sua perspectiva, enquanto Otani é aquele personagem coprotagonista. Está ali, mas nas horas em que a Risa precisa dele. Tanto que já no primeiro volume há momentos em que ela já começa a perceber que o que sente pelo Otani pode ser muito mais do que apenas amizade.
Achei curioso como Lovely Complex é um mangá leve. Não há grandes temas em discussão ou pontos dramáticos. Me pareceu um título mais focado no humor mesmo, em como essa dupla está em uma página brigando por algo que um disse ao outro sobre seu tamanho e no outro estão se divertindo juntos. É um começo de mangá bem diferente daquilo que estou acostumado. Fico com a impressão de que ele deveria instigar mais o leitor a querer voltar para o segundo volume, um gancho, quando realmente não parece ter nenhum, exceto de querer continuar lendo mais aventuras com os briguentos Otani e Risa. Imagino que talvez para o público feminino isso seja mais do que suficiente, não?
De qualquer forma, li o primeiro volume com um sorriso no rosto, me simpatizando com a dupla de protagonistas e achando engraçado toda a história apresentada.
Um conto não tão pequeno
Fiz a indagação mais acima, sobre instigar mais a continuar lendo, porque Lovely Complex não é exatamente um mangá curto. Lá no Japão o título esteve em publicação entre 2001 até 2006, rendendo 17 volumes. Não é exatamente pouca história então. Fiquei imaginando como a autora trabalhou com estes personagens e essa proposta por tantos volumes. O humor realmente precisa ser bem afiado, e achei ser neste primeiro volume, para manter a trama interessante e divertida por tanto tempo assim. Porém só lendo mais para poder descobrir. Não é um título que consiga tirar muitas conclusões apenas com base em seu primeiro volume.
Outra coisa que vale comentar é que Lovely Complex já virou live-action em 2006, ano em que foi concluído no Japão, e um ano depois, em 2007, ganhou uma versão em animê com 24 episódios (que infelizmente não consta no catálogo da Crunchyroll). Em 2009 a autora lançou uma sequência do mangá, chamado Lovely Complex Deluxe, que durou até 2012 e que rendeu um único volume. É bem provável que a Panini publique a sequência por aqui também.
Antes de encerrar, preciso comentar outra coisa, meio que sem sentido, mas que ficou martelando na minha cabeça por dias enquanto lia o mangá. Não sei porque diabos, mas Lovely Complex ficava a todo momento me fazendo lembrar de Radical Chic (algumas imagens aqui), uma série em quadrinhos nacional da década de 80, do autor Miguel Paiva. Sim, eu sei que uma coisa não tem nada a ver com outra, mas vai entender porque meu cérebro ficou correlacionando um com o outro. Talvez, e aqui um “talvez gigantesco”, seja o traço da autora, Aya Nakahara, que é um pouco mais diferente dos poucos shoujos na quais já tive contato recentemente. Me pareceu mais um traço que me remeteu ao traço da década de oitenta dos quadrinhos e tirinhas nacionais, daí o Radical Chic.
É um traço mais simplório, sem se preocupar tanto com refinamento, em parecer realista. É aquele traço que brinca com as linhas e a falta de detalhes ao redor de tudo, em pró do foco frontal, nas caras e bocas dos personagens, que ora podem ser aqueles caras comuns do universo dos mangás, ora é hiper realista, para dar uma veia cômica. Sem mencionar os cabelos dos personagens, sempre com muitas linhas dando aquele ar de “espetado”. Não que isso seja um demérito, porque o estilo casa com o bom humor da série, mas não nego que me bateu uma nostalgia interessante daqueles quadrinhos nacionais independente e sem cores que existiam aos montes no Brasil nos anos 80. Mas não duvido que essa seja uma associação bizarra só da minha cabeça.
Enfim, acho que vale concluir que Lovely Complex não é um título feito para qualquer um, sendo que não há nada errado com isso. Parece um mangá que realmente fala com um público próprio, que brinca bastante com essa coisa do humor de casal gato e rato e que, ao menos nesse primeiro volume, ainda não parece trabalhar com grandes temas ou dramas adolescentes, me soando apenas como um conto juvenil de amor-humor, quase como uma comédia romântica em um formato mais puro e simples.