Eu me recordo de quão empolgado fiquei em janeiro deste ano quando a Insomniac Games anunciou que estaria desenvolvendo um game com uma pegada meio indie (porém o estúdio não é tão “indie” assim) chamado Song of the Deep. Meses se passaram, estive acompanhando algumas notícias, previews e detalhes a respeito das mecânicas, e finalmente o game foi lançado em julho em formato digital para Xbox One, PlayStation 4 e PC. E há que se mencionar que o título também ganhou um lançamento em mídia física, que também veio para o Brasil oficialmente, tendo a sua distribuição acontecido alguns dias atrás, no dia 05 de agosto.
Estive jogando Song of the Deep por diversas semanas e finalmente o terminei neste último final de semana. Demorei mais do que normalmente levo para concluir um indie game. Não que o título seja longo. Consegui encerrá-lo em aproximadamente 7 horas de campanha, deixando ainda aproximadamente metade dos tesouros sem terem sido recolhidos. Demorei porque o gênero metroidvania não é exatamente meu gênero predileto. Não consigo jogar ininterruptamente jogos dessa classificação, sem que eles me cansem ou me entediem, então precisei tomar esse cuidado com Song of the Deep, para não deixar o meu jeito de jogar influenciar a minha crítica geral acerca do título. E espero ter conseguido.
Metroidvania para quem não está acostumado com o termo, ainda que ele seja famoso e até antigo, é aquele tipo de game onde o jogador anda por uma espécie de dungeon gigantesca, passando por várias áreas, contendo portas e ambientes fechados, que só vão ser abertas futuramente, quando o protagonista ganhar alguma habilidade que o permita avançar entre estas barreiras criadas pelo desenvolvedor. É um título onde todo o game é conectado, na qual o jogador é obrigado em vários momentos a retornar em áreas já vencidas para investigar novas salas e coletar baús e itens que ficaram para trás, porque na ocasião que o jogador os encontrou não era possível abri-los sem uma habilidade específica. Em suma, são games que seguem influências de clássicos como Super Metroid e Castlevania, daí o nome do gênero em si.
Pesos pesados
É impossível não jogar Song of the Deep e não pensar em um recente metrodvania de sucesso nesta geração: Ori and the Blind Forest, um game que ganhou altíssimas notas e conquistou muitos jogadores. Com um concorrente como este, dá para imaginar que a Insomniac estivesse com um grande desafio em torno de Song of the Deep. E foi aí que talvez isso tenha atrapalhado um pouco certos elementos do game.
A começar que neste ponto, na qual publico as impressões do título, já é notório que nem todos os reviews internacionais foram amigáveis com o game. E tendo lido e assistindo há alguns destes, de gigantes lá fora, tenho que concordar que o título possui alguns problemas graves em alguns de seus elementos – já irei abordá-los. Entretanto, tendo conseguido encerrar o game, não achei o título ruim como algumas críticas lá de fora o fizeram parecer. Não é um game ruim, Song of the Deep apenas não é ótimo, ficando ali, naquele conceito de um bom indie game. O que não é necessariamente algo ruim.
Talvez isso piore um pouco sendo um game desenvolvido por um famoso estúdio, vindo dos criadores de Ratchet & Clank e Sunset Overdrive. O título acaba carregando um fardo enorme por ter justamente o desenvolvimento nas mãos de um estúdio renomado como a Insomniac Games, o que o torna mais passível de críticas do que outros pequenos desenvolvedores ou estúdios desconhecidos, que muitas vezes não são tão criticados porque, afinal, estas pessoas são realmente algo muito pequeno e frágil neste atual mercado de games. A Insomniac não! Basta lembrar que a galera lá já está trabalhando em um novo título blockbuster de peso: Spider-Man PS4. Então, não. Song of the Deep pode ser um game digital, mas essencialmente não é realmente um “indie game”. Tem a pegada e a aparência, mas na teoria não deveria ser. E não sendo, as críticas podem ser mais assertivas.
Só que volte um pouco a fita, e lembre-se que disse que Song of the Deep não me pareceu tão ruim quanto algumas críticas disseram que ele é, e de fato o achei um game razoável. Se o consegui encerrá-lo algum mérito ele possui. Sendo assim, me deixe destrinchar alguns dos pontos negativos e positivos do título.
Mecânicas de uma aventura aquática
Primeiro que sendo um game com uma proposta de ser uma jornada aquática, Ori and the Blind Forest passa a ser uma injusta comparação. Em Ori as mecânicas de combate, exploração e ação são muitas vezes focado em mecânicas de saltos e plataformas, ação e reação, em física de habilidade de controle de personagem em movimento. Em Song of the Deep o jogador controla um pequeno submarino, que está embaixo d’água e flutua naturalmente. Isso acaba causando uma pequena perda de um elemento onde tradicionalmente tem sua importância em um Metroidvania.
A ausência de algo assim torna o ritmo do game lento. Não exige do jogador muitas habilidades voltadas a ação e destreza. Você apenas navega o pequeno submarino para todos os cantos do imenso mapa existente aqui. Claro, há grandes abismos, correntes marítimas, inimigos, mais de 200 tesouros escondidos e toda uma série de elementos diferentes. Há mais exploração do que emoção, sendo que isso quebra um certo equilíbrio esperado entre ambos elementos.
Quanto a um aspecto positivo que me encantou foi a trama de Song of the Deep. Se fosse qualquer outro game que a trama não tivesse me conquistado, este review já teria sido lançado há duas semanas atrás. Em termos de jogabilidade, toda a concepção do game e minha opinião a respeito já estava consolidada lá pela metade do game. Não houve nada da metade para o fim que me fizesse mudar essa opinião. Porém segurei o review até o máximo que pude justamente porque queria ver o fim do game, ver se a narrativa se manteria tão imersiva quanto é desde o início, e nesse ponto acredito que Song of the Deep manda muito bem.
A Insomniac conseguiu criar um universo riquíssimo em detalhes, onde visualmente é deslumbrante, pois graficamente o game é bonito, ainda que não tenha gráficos que reinventam a roda ou apresentam um design gráfico inovador. É competente no quesito de tornar o game realmente belo.
A história da garota que sai para o mar em busca do pai que nunca voltou é incrível. Há sim uma certa curiosidade em saber se o pai dela sobrevive ao naufrágio e se está vivo embaixo d’água, perdido entre um reino lendário. Como isso é possível? Nessa jornada Merryn acaba encontrando um vasto mundo embaixo do oceano, ainda que em pedaços e à beira da extinção. É encantador a voz da narradora da história, deixando tudo em um clima de uma linda fábula.
O fundo do oceano de Song of the Deep é bonito e riquíssimo em detalhes. O jogo possui diversas áreas que claramente são diferentes entre si. Não se tem a mesma sensação de estar sempre no mesmo lugar, vendo as mesmas coisas. Houve um cuidado em tornar a jogada de Merryn pelo pai tão interessante quando bonito. E as cutscenes são um charme a parte (vide abaixo).
Controlar o pequeno submarino também está excelente. E olha que eu sou um daqueles jogadores que sempre odiou fases aquáticas em antigos games de plataforma. Aqui o fato da aventura se passar completamente embaixo d’água foi um aspecto que não me incomodou em nada. Os controles respondem bem e são precisos. O submarino vai ganhando habilidades que tornam tudo mais tranquilo de avançar e isso vai renovando a jogabilidade constantemente ao longo da campanha principal. Uma dica? Melhore a turbina antes de outros itens. Deixar o submarino mais rápido cria mais ritmo ao game.
Também fiquei com a impressão de que o game mandou muito bem nos recursos de batalhas e algumas das situações de combate do game em si. Os inimigos não são tão diversificados quanto se espera dentro da riqueza do mundo aquático, entretanto corresponde bem ao modelo de jogo e do controle de um pequeno e frágil submarino.
Já no que diz respeito ao desafio e aos puzzles que este tipo de jogo normalmente apresenta, acredito que Song of the Deep possa deixar um pouco a desejar. No geral não achei os puzzles difíceis ou impossíveis. Boa parte deles são bem óbvios, fora aqueles que jogam na cara que o jogador a solução apenas usando a habilidade mais recente que a protagonista tenha destravado.
Nas muitas vezes que morri foi apenas pela pressa e pela desatenção. Não basta sair atacando os inimigos sem um plano. Por exemplo, em sala fechadas que simulam a brincadeira do gênero arena, o jogador precisa sempre derrubar primeiro as água vivas, que são traiçoeiras e atacam pelas costas, para em seguida pegar o maior peixe da arena. Uma outra boa dica? Em determinado momento próximo ao final do game, o submarino vai ser capaz de atirar bolas de gelo nos inimigos. Não é uma boa arma com a maioria dos inimigos, mas tenta usá-la nos camarões de armadura, aqueles que atiram mísseis no jogador. São necessários dois tiros de gelo e duas ganchadas e puff, um dos mais fortes inimigos do jogo é facilmente derrotado.
Sem extrapolar, tudo dentro da cartilha de regras
Song of the Deep é um destes games que faz tudo certinho, dentro da cartilha de sua proposta, porém não consegue ir além do esperado. Não surpreende e não impressiona em termos de jogabilidade, porém, como disse, não apresenta grandes problemas. Poderia até dizer que trata-se de uma metroidvania básico, para iniciantes no gênero. Não é difícil, não deixa o jogador perdido por um gigantesco mapa e faz o possível para que o game continue sempre progredindo, sempre melhorando suas habilidades e dando novos poderes.
A trilha sonora é maravilhosa, sendo um game que se passa embaixo d’água ela é lenta e tranquilizadora, porém sem dar sono, o que é de fato um grande ponto positivo.
Porém Song of the Deep fica apenas nisso, um game que não consegue se sobressair em pontos extremamente importantes que fazem a diferença neste gênero: a jogabilidade. O desafio, como disse lá no começo, era grande, afinal, um jogo que é completamente uma fase de água, competindo dentro de um gênero onde muitos experimentaram recentemente com Ori and the Blind Forest não é realmente fácil, mas até que o game fez o suficiente para manter qualidade. Song of the Deep é um game agradável, apenas não é memorável.
Gosto de pensar que a Insomniac fez bem em desenvolver um título assim, menor, e quase independente. As vezes os estúdios precisam tentar coisas diferentes e aprender com isso. Acredito que nesse sentido eles tiveram êxito. E ao final, o game deixa um pequeno gancho para que um segundo game possa vir a ser feito em um futuro incerto. Quem saber aí, olhando agora para as críticas e análises, os desenvolvedores resolvam ir além do básico. Sei que eu voltaria tranquilamente para uma sequência.
Precisamos conversar sobre seu preço!
Bem, antes de terminar estas impressões, preciso tocar em outro ponto: seu lançamento aqui no Brasil. Em teoria, esse é um aspecto que não deveria impactar uma análise, e normalmente não é, porém há exceções até mesmo em reviews internacionais, quando um título não apresenta o contexto que justifique seu preço. Pois bem, quanto custa Song of the Deep no Brasil? 120 reais no Xbox One e PlayStation 4 e 100 reais na Steam.
— Detalhe: no dia da publicação destas impressões e até o dia 22 de agosto, Song of the Deep está em promoção na Steam, com 34% de desconto, ou seja, dá para conseguir o game por 66 reais. Um valor bem mais amigável. Fica a dica.
Por que Song of the Deep é tão caro, em comparação com outros games indies e digitais? Quer um exemplo? Grow Up acabou de ser lançado hoje pela Ubisoft e esta custando meros 19 reais na Xbox Store e na Steam. Também é um game menor, feito por um grande estúdio, e que chega por aqui com um peço bem acessível. Normalmente indie games chegam ao Brasil custando entre 19 a 39 reais, sendo que há exceções, é claro. Unravel chegou por aqui custando 80 reais, o que não foi nada legal por parte da EA é verdade, e olha que o game é incrível (ainda estou devendo uma análise dele aqui no site, e agora que ele está de graça na EA Access, pode acreditar que irei resolver isso em breve).
Lá fora Unravel custa 20 dólares. Grow UP chegou custando 10 dólares. Song of the Deep em sua versão digital chegou ao mercado norte americano custando 20 dólares. Não tem como negar a enorme discrepância do preço. O que aconteceu então? Bem, o que posso imaginar que ocorreu é que o game aqui no Brasil veio oficialmente em formato físico, e que lá fora também está sendo distribuído pela rede de varejo Gamestop por 30 dólares, e isso acabou encarecendo e muito seu preço ao varejo nacional.
E isso não é um caso único e exclusivo de Song of the Deep. Há muitos lançamentos de games menores, indies e digitais, que quando chegam em formato físico ao Brasil acabam encarecem excessivamente o preço final do game. Não é a regra geral, e sim exceções pontuais. O triste é que isso acabou amarrando o preço do game em formato digital, que lá fora é mais barato (em 10 dólares) e aqui veio custando o mesmo preço do game em mídia física. Uma pena.
Tendo consciência de que importar um game lá de fora para ter um lançamento oficial em mídia física aqui não custa barato, especialmente se o distribuidor não é uma Microsoft ou Ubisoft, que são duas gigantes que investem pesado em localização e fabricação desses games físicas diretamente aqui no Brasil, até dá para entender porque Song of the Deep em mídia física chegou por aqui custando 120 reais (sendo a versão de 30 dólares), especialmente porque os grandes lançamentos, os games que custam 60 dólares, anda chegando custando entre 230 a 250 reais ultimamente. Percebe a lógica do preço tabelado? U$ 60 = R$ 240, então U$ 30 = R$ 120.
Só é chato que isso acabou amarrando o preço da versão digital, que provavelmente custaria meros 39 reais se não houvesse o preço da versão em mídia física. Tanto que, ao ser lançado no dia 12 de julho, Song of the Deep chegou a Xbox Store brasileira custando 39 reais, mas isso durou apenas algumas horas, até alguém perceber que o jogo deveria custar o mesmo preço da versão física por aqui, os tais 120 reais.
Devo jogá-lo?
Enfim, precisei dar essa enorme volta porque preço não é um fator que normalmente compromete uma avaliação em torno da qualidade do game como um todo, porém é um elemento que impacta o jogador, na decisão dele de adquirir ou não determinado título, especialmente aqui no Brasil, na qual a gente sabe que o gamer brasileiro não tem poder aquisitivo para comprar de tudo e todos os lançamentos que chegam ao mercado diariamente. Tendo isso em mente, Song of the Deep vale 120 reais? Infelizmente não.
Se preço é um fator importante para você, assim como é para mim, talvez o ideal seja esperar uma promoção. Na Steam o game já está com um desconto bacana, digo que vale pegar o game por 66 reais caso você seja fã desse gênero metroidvania. Nas demais plataformas, sendo um assinante da Xbox Live Gold ou da PlayStation Plus, tenha um pouco mais de paciência, pois eventualmente vai rolar uma promoção bacana para este título. Quanto a versão nacional em mídia física, só posso recomendá-la nesse preço se você é um grande colecionador mesmo, daquele que precisa ter a caixinha na prateleira e ter coisas raras, pois este é um caso onde não foram feitas muitas unidades físicas (e se esgotar, já era, ficou peça de raridade). É algo realmente para colecionadores, para quem não se importa muito com o preço em si.
Ah e uma informação que acabei não comentando, mas talvez já tenha ficado óbvio pelas capturas que ilustram estas impressões: o game está lindamente localizado em português, com legendas em toda as falas da bela voz da narradora do game. Então, um dos pontos que mais elogiei nestas impressões, a bela fábula que o game traz, pode ser apreciado por qualquer jogador, conhecendo ou não o inglês.
Song of the Deep é isso. Me parece uma experiência interessante da Insomniac Games. Não é um título que vai marcar a carreira do estúdio, mas que também não vai manchá-lo. Tecnicamente ele faz tudo certo, mas claramente ficou faltando um dedinho de originalidade, da criatividade e da adrenalina que a Insomniac normalmente traz em suas produções. Que haja uma sequência e que eles tenham isso em mente para tal possibilidade.
Alguns comentários extras…
Song of the Deep tem pontuais momentos que eu queria que tivessem se repetido mais vezes ao longo de sua campanha. Como não consegui encaixá-los no texto principal (que ficou enorme, convenhamos), resolvi que valeria a pena comentá-los aqui, à parte. Porém estes podem ser considerados pequenos spoilers. Esteja ciente disso, ok?
— Perseguição: em um dos momentos finais do game, há um pequeno trecho onde Merryn precisa fugir de alguns inimigos que não podem ser derrotados. Eu gostaria muito que o game tivessem mais atos de fuga e perseguição como estes. Foi um dos momentos mais intensos do game, daqueles que te faz sentar direito no sofá, sabe?
— Escuridão: há um segmento inteiro de uma área onde não há qualquer faixa de luz para o jogador se guiar. É preciso usar o sonar para passar por essa área. É genial esse trecho, mas novamente, ele é pequeno. Mais a frente o game até brinca novamente com isso utilizando fumaça escura, mas não tem a mesma graça do que explorar um abismo nas profundezas do oceano.
— O último chefe: este sim foi uma completa decepção. Imaginei que seria algo épico, mas anda sendo difícil os jogos atuais conseguirem acertas as batalhas finais com chefes enormes, não? Não estraga totalmente o game, mas não é nada do que eu gostaria de ter visto no último confronto do game. Tive batalhas de arenas em outras partes da campanha que foram bem mais difíceis do que a última batalha.
— A batalha e o enigma das tartarugas: se o chefe final foi sem graça, um dos momentos finais da campanha envolve uma grande câmara e a desativação de alguns tartarugas mecânicas. A batalha contra a tartaruga vermelha me impressionou. O zoom da câmera afasta a tela do jogo, e mostra ao jogador uma área completamente nova se criando, com peças das fases em si desmontando e montando uma nova área. Isso sim me impressionou. Não é um puzzle complicado e difícil, mas visualmente é bem legal de se ver a área sendo montada.
— Segredos: o jogo possui alguns segredos, incluindo habilidades que não são obrigatórias para se concluir o game. Um farol que afasta aqueles tentáculos elétricos está escondido bem após a descoberta do Jardim Secreto, e o jogo não dá qualquer indicação de que ele existe. O encontrei por pura sorte!
— Mapa: não parece, mas o mapa do game é realmente grande. Logo abaixo, há uma imagem dele com três áreas faltando (não a quis mostrar elas, pois acabam sendo uma espécie de surpresa suas localizações e como acessá-las).
Mais imagens!