Neuromancer | Redefinindo o universo cyberpunk em 1984! (Indicação & trechos)

Estou fechando esta semana o término da segunda parte (de quatro) de Neuromancer, que é um dos maiores clássicos da ficção científica dentro da categoria cyberpunk. É um livro premiado na qual seu autor, William Gibson, influenciou muitas outras produções que também já se tornaram clássicos hoje em dia, como Ghost in the Shell (1989) e The Matrix (1999). E é preciso dizer isso, pois é importante ler a obra sabendo que ela veio muito antes de tais referências mencionadas. O livro inspirou elementos nestas obras, e não o contrário.

Ia dizer que estou lendo o livro há quase um mês, mas aí lembrei que o iniciei no dia do 1º turno das eleições 2016, ou seja, faz um pouco mais de 15 dias apenas. Juro que parece muito mais. Pra mim isso acaba sendo algo positivo, já que normalmente levo muito mais tempo para avançar por mais de 1/3 de qualquer livro – por falta tempo dentro da rotina diária. Porém, pensando agora, realmente tive algumas sessões de leitura em Neuromancer onde realmente consegui ficar um bom tempo apreciando páginas e mais páginas, horas se passaram, e ainda me encontrava dentro desse universo confuso, porém incrível, do cyberpunk criado por Gibson em 1984. Queimei preciosas horas de sono, imerso no mundo proposto pelo livro, tentando visualizar o que estava sendo descrito em suas páginas.

Como estou sempre mencionando, 2016 tem sido o ano em que voltei a conseguir ler livros. E grande parte de tudo que li/estou lendo esse ano tem um pé na categoria da ficção científica. Foi assim com Guerra do Velho (que vou retomar sua leitura e agora o termino, antes que 2017 chegue e a Aleph lance o segundo livro da saga), com Eu Sou a Lenda (um clássico ainda mais antigo do que Neuromancer, que reinventou seu subgênero de terror e zumbis), com Star Wars – Marcas da Guerra (o primeiro livro de Star Wars que resolvi ler na vida) e Jurassic Park (que tem um texto deliciosamente incrível para um livro de 1990 e é tão fantástico quanto o filme do Steven Spielberg). Porém, nenhum destes livros se enquadraria no subgênero do cyberpunk, o que significa que Neuromancer tem sido realmente uma experiência um tanto nova pra mim.

O futuro no passado não é o futuro do presente

Claro que o cyberpunk no mundo do entretenimento em si é muito mais fácil de ser imaginar hoje em dia, com tantos filmes, animações e até mesmo outras obras literárias atuais do que deveria ser em 1984 quando o livro foi publicado pela primeira vez. Imagine como deveria ser difícil discutir e mentalizar inteligências artificiais, ciberespaço, implantes cibernéticos em tudo quanto é parte do corpo humano e até mesmo discutir questões das realidades simuladas na época em que o livro foi originalmente lançado.

Pensei no clássico da Sessão da Tarde do Schwarzenegger, O Vingador do Futuro (que nome lindo para Total Recall, não?), pois é um filme ali, colado na década de 80 (saiu em 1990), que tem essa ficção científica suja, poluída, brincando com realidades simuladas, quase uma matrix, ainda que ele talvez não seja exatamente um filme cyberpunk. — Alias, o filme é baseado em um conto chamado We Can Remember It for You Wholesale, que agora fiquei com vontade de conhecer, e que existe tradução aqui no Brasil dentro de uma coletânea de seu autor, Philip K. Dick, lançado pela Aleph em 2012 (Realidades Adaptadas). Ai ai, mais um para a lista.

Mas voltando ao Neuromancer. De uma maneira bem simplificada, o livro conta a história de um hacker (cowboy na terminologia do livro) chamado Case, que por conta de uma estripulia, por ter mexido com as pessoas erradas, recebe um veneno em seu organismo que o impede de acessar o ciberespaço, ou a matrix como é denominada na obra. E sim, você imaginou corretamente por conta do filme dos irmãos Wachowski, a matrix é mais ou menos isso mesmo, ainda que o livro não a descreva de forma tão lúcida quanto é nas aventuras do Neo.

***  Trecho – logo no comecinho do livro, Case com saudades dos tempos de hacker.

Case então vive uma vida de merda, com saudades dos tempos de hacker, endividado, arranjando problemas e se drogando. Até que um dia ele encontra uma mercenária ciborgue chamada Molly, que o recruta para uma organização, sob o comando de um outro personagem enigmático chamado Armitage (que também responde a outra figura que aqui, no início, você não precisa receber mais detalhes, pois seria spoiler) na qual há a promessa de reativar a habilidade de Case de se reconectar a matrix. Nisso, sem dar maiores detalhes da trama, Case se vê refém de uma situação onde ele precisa cumprir tudo aquilo que Armitage lhe ordenar, ou as coisas podem não acabar muito bem para ele.

Simplificado dessa forma é possível perceber que, ao menos até o final da segunda parte do livro, Neuromancer não é muito diferente de diversas outras histórias de personagens que são bons em algo e são recrutados para algo enorme, por pessoas que talvez não sejam quem dizer ser. Não chega a ser como em The Matrix, na qual Neo é o escolhido, o mundo é uma mentira e tinha toda aquela discussão sobre o que você define como realidade. O início de Neuromancer não parece ter exatamente foco em algo megalomaníaco ou filosófico, ainda que mexa com temas sociológicos da forma como a humanidade evoluiu para chegar em um mundo realmente confuso, estranho, e perigoso.

Esforço imaginário

Falando em descrever, fui dar uma olhada em algumas resenhas de Neuromancer antes de decidir por ler o livro. E descobri que existem opiniões para todos os lados. Há os fãs do autor e do tema que adoram a obra, e há aqueles que possuem dificuldades em apreciá-la hoje em dia. Neuromancer é um romance datado? Essa é um ótima pergunta, que ainda não tenho uma resposta formada.

Que ela é um ponto de reinvenção do cyberpunk isso é indiscutível. A obra é sim importante, pela época em que foi publicada e por tudo que ela influenciou e influencia até os dias de hoje. Mas há que se admitir que sua leitura hoje em dia não é algo muito fácil para o público em geral.

Nem sempre é fácil imaginar o que Gibson está descrevendo no livro, talvez porque em sua época, nem mesmo muitas referências ele tinha para o que seria o futuro da tecnologia cibernética da forma como temos hoje. Suas referências são um pouco diferentes de alguém que está conhecendo a obra hoje, então há uma certa confusão frequentemente na leitura da obra. Nem sempre é fácil entender suas analogias para explicar algo que não existe ou que tecnologicamente estamos anos luz de conseguir criar, especialmente quando ele fala da matrix e de como é ao se conectar a mesma.

Existe até mesmo um prefácio do autor no livro, escrito em 2004, na qual ele menciona isso, utilizando a clássica frase que abre o romance, sobre a televisão em um canal fora do ar. As TVs de hoje não ficam fora do ar como era em 1984. O autor comentar que ler o livro após décadas de sua publicação original (algo que ele sequer imaginou que aconteceria) tem trechos e momentos em que há ocorre essa dessincronização entre o que ele imaginava na época e o que hoje nós imaginamos.

Fora que há um detalhismo excessivo em Neuromancer. Há cenas e momentos em que o autor não facilita nada. Ele precisa explicar muita coisa, usando termos e palavras que sequer fazem sentidos ao leitor que está chegando agora ao gênero e isso torna a leitura difícil. Existe até a recomendação no começo do livro para que o leitor vá ler o glossário ao final do livro antes de começar a ler a trama, já que o romance usa termos criados pelo próprio autor para o universo da obra.

Isso pode comprometer um pouco a experiência de Neuromancer? Bem, sim e não. Fiz um teste, após ter avançado mais de 120 páginas (das 312 do romance) e voltei para ler um pouco seu começo. E comprovei que ler uma segunda vez, após ter avançado até certo ponto, realmente tornam as coisas mais fáceis. O contexto geral dá para entender, mas é por meio de uma segunda leitura que tudo fica mais agradável, e certas nuances e detalhes acabam sendo percebidos.

5ª edição

Porém independente dos pontos levados em consideração até o momento, Neuromancer ainda é uma obra que vale a pena conhecer. Especialmente aqueles, como eu, que estão aprendendo agora a conhecer mais desse mundo da literatura da ficção científica graças a boa safra de lançamentos e livros impecavelmente bem editados que a Aleph tem lançado no Brasil.

Há apenas um ponto a ser considerado no que diz respeito a esta versão, publicada agora em 2016: ela não me parecer melhor do que a versão em comemoração aos 30 anos da obra, publicada pela própria Aleph em 2014. Isso porque a versão de 30 anos contém três contos originais do autor, que antecedem Neuromancer. Molly, por exemplo, é uma personagem que se originou em um destes contos. A versão deste ano contém a mesma nova (e cuidadosa) tradução feita para a versão de 2014, o prefácio, o glossário e uma matéria sobre a obra ao final, porém não trouxe estes contos originais, que foram realmente um extra da edição comemorativa.

Isso justifica o caso desta nova edição, a quinta, ser um pouco mais barata do que a versão de 2014, que recebeu até mesmo tratamento em capa dura e um box todo bonitão. Para quem conhece a obra, ou é fã de clássicos e do gênero, certamente a versão anterior me parece ser muito mais recomendada do que a nova versão. Não que isso desmereça a atual versão, é claro.

Afinal, de uma certa forma, não é obrigatório conhecer os contos curtos e extras que o autor criou antes de produzir Neuromancer. Para quem procura uma opção mais em conta, certamente a nova versão tem sua serventia. Fora que ela mantém toda a qualidade gráfica que a Aleph vem colocando em todos seus atuais lançamentos. Capas incríveis, sempre com novas artes, tradução impecável, com uma preocupação sempre no que manter em relação a termos originais ou adaptados, e um papel e impressão que dá gosto de pegar, folhear, ler!

Aliás, uma curiosidade, a arte de capa e contracapa desta nova versão pertence ao ilustrador Josan Gonzalez. Dá só uma espiada na página dele no DeviantArt para ver mais artes espetaculares com esse mesmo estilo aplicado aqui nesta nova versão de Neuromancer.

Vale recomendar?

Para encerrar esta indicação literária, quero lembrar novamente que ainda não terminei de ler a obra, mas assim como faço com todos os livros aqui no site, sempre os leio até o ponto em que acho que já é válido os recomendar, retornando esporadicamente com novos textos posteriormente para contar mais e dar novas impressões sobre partes avançadas da trama.

A primeira parte do livro é excelente. Há uma certa sensação de fechamento em torno da vida de Case antes de entrar no mundo maluco de Molly e Armitage, enquanto esta segunda parte da trama abre uma ambientação nova, com novos personagens, uma nova localidade e com a criação da base narrativa que vai ditar novos rumos do meio para o final do livro.

Esse segundo momento do livro é um tanto mais complexo e até meio enrolado, sendo que somente mais para o final do capítulo é que será apresentando as peças mais importantes do quebra-cabeça da trama. Mas ele encerra com expectativas boas para a terceira parte.

Obviamente que continuarei lendo o livro. Mesmo com os exageros visuais e narrativos de Gibson, as vezes difíceis de serem imaginados, Neuromancer não é um livro para se largar pela metade. Tem sido ótimo descobrir as origens de muitos elementos que inspiraram as obras que vieram anos depois da publicação do romance. Só que é mais um livro que estou precisando ler com a perspectiva da época na qual foi escrito, pois caso contrário, sua linguagem acaba sendo bem exaustiva para a literatura moderna (sem querer entrar nos méritos do que é melhor ou pior entre o passado e o presente).

Indico Neuromancer aos amantes de ficção científica, ávidos por quererem conhecer os pilares de muita coisa dentro do gênero que existe até os dias atuais sendo escrito, filmado, produzido e desenhado. Porém vale esse alerta de que não se deve esperar uma trama de leitura ágil ou fácil. Acaba sendo uma daquelas obras que dá para se ler uma segunda e terceira vez e ainda assim tirar detalhes e reflexões que uma primeira leitura dificilmente se consegue.

Onde adquirir Neuromancer? A Amazon BR anda sempre conseguindo os melhores preços atualmente no que diz respeito a livros e lá tem as duas versões mais recentes (capa dura de 30 anos e a versão 2016), porém, quem não tem cartão de crédito (já que a Amazon BR só aceita pagamento assim), a Saraiva é outra boa opção, já que tem preços similares (no momento da publicação deste texto) e também possuem ambas as versões (capa dura e 2016).

Claro que dá para fuçar e achar outros preços legais em outras lojas online. Submarino está com um bom preço da versão de 2016, enquanto a Americanas tem o melhor preço na versão capa dura (mais baixo do que a Amazon e a Saraiva no dia da publicação do texto). O mesmo vale para o capa dura na Livraria Cultura. Fica aí a sugestão de links!

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