2016 têm sido um ano deveras interessante. Ignorando toda a muvuca política do país e focando no mundinho do entretenimento, tivemos diferentes lançamentos, reboots, prequels, resgates de títulos e tantas outras nomenclaturas que Hollywood quiser inventar. Um dos destaques do ano, sem dúvida, foram os retornos ao universo de Harry Potter que J. K. Rowling preparou para os fãs. Além do belo redesign do site Pottermore (que por algum bug bizarro me sorteou para Grifinória, quando eu claramente sou da Lufa-Lufa) fomos presenteados com duas obras completamente diferentes: a peça de teatro Harry Potter e a Criança Amaldiçoada e o filme Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam.
Mas e aí, as obras se justificam ou Rowling precisava pagar uns boletos atrasados e resolveu mexer na sua galinha de ovos de ouro? Vamos discutir cada obra em separado. Vem com o tio!
Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
Anunciada em 2013, a peça de teatro “Harry Potter e a Criança Amaldiçoada” chegou causando um alvoroço entre os pottermaníacos. ‘Como assim uma peça?’, gritavam, “Como os fãs do mundo todo vão ter acesso a essa história?”, questionavam, enquanto começavam a pesquisar o preço das passagens para a Inglaterra, onde seria a temporada de estreia. O início do desenvolvimento dessa nova história passou por diversas reformulações, uma hora ela iria retratar os anos de Harry antes de Hogwarts, depois foi estabelecido que não seria uma prequela, para só em seguida eles se decidirem por uma história nova, dando continuidade aos eventos do final da saga. Sendo assim, ficamos com a premissa oficial:
Sempre foi difícil ser Harry Potter e não é mais fácil agora que ele é um sobrecarregado funcionário do Ministério da Magia, marido e pai de três crianças em idade escolar. Enquanto Harry lida com um passado que se recusa a ficar para trás, seu filho mais novo, Alvo, deve lutar com o peso de um legado de família que ele nunca quis. À medida que passado e presente se fundem de forma ameaçadora, ambos, pai e filho, aprendem uma incômoda verdade: às vezes as trevas vêm de lugares inesperados.
E eis que em 31 de Julho de 2016, data de aniversário do personagem de Harry Potter, foi lançado o roteiro da peça como uma “edição especial do roteiro do ensaio” que corresponde ao roteiro usado nas prévias do show e em 10 de Novembro de 2016 eu ganho a minha edição. Com capa dura lindona e impressão com tinta dourada, a edição é linda e fica muito bem junto aos meus outros livros da coleção, veja só:
Vou confessar, que após 10 anos do último lançamento do bruxinho, estava muito empolgado para retornar à esse universo mágico e acho que toda a minha empolgação foi o que me impediu de aproveitar ainda mais a obra. Não me levem a mal, é uma delícia revisitar Hogwarts e descobrir mais alguns segredos (a Bruxa do Carrinho!!!). Só achei que ficou faltando um quê a mais na história, aquele toque mágico todo especial. Pelo menos essa é a impressão que tenho ao terminar de ler as 352 páginas do roteiro em um só dia. Mas lendo as impressões do pessoal que assistiu a peça, a ideia é outra.
Os detalhes técnicos, o jeito como as magias são feitas ao vivo, as ilusões de palco, o envolvimento com a platéia, é unânime a opinião de que “Criança Amaldiçoada” é uma experiência teatral única. Para terem uma ideia, em certo ponto da trama (calma, estou evitando spoilers) temos o seguinte trecho
Todos se viram, e ela aponta para cima. Seus rostos desabam mais ainda, cheios de medo. Palavras se revelam em todas as paredes do auditório. Palavras perigosas, horríveis.
Quem viu a peça diz que esse momento é um absurdo de tão legal: as palavras aparecem em todo o teatro, nas paredes, no teto, nas cortinas… O impacto da cena é genial pois além de ser uma grande revelação para a trama a forma como ela foi interpretada amplia ainda mais a imersão do público. Isso sem contar uma cena de uso da Poção Polissuco (que transforma uma pessoa em outra) que todos juram de pés juntos que é magia de verdade, de tão incrível que é a ilusão feita no palco.
Os personagens principais da peça são Alvo Severo Potter e Escórpio Malfoy, respectivamente os filhos de Harry Potter e Draco Malfoy, ambos começando o seu primeiro ano em Hogwarts e ao final da trama, eles já estão em seu terceiro ano da escola. É importante ressaltar isso pois isso reflete no modo como os personagens se desenvolvem na história. Como muitos por aí eu cresci lendo Harry Potter, os lançamentos dos livros coincidiram com toda a minha passagem de criança, para pré-adolescente e adolescente. É importante em uma história que o público se identifique com os seus personagens e isso não aconteceu muito comigo, na maior parte do tempo achei o filho do Harry extremamente irritante e sendo o típico rebelde sem causa. Entendi toda a raiva e a pressão que o personagem sente, mas as ações dele ao longo da peça foram bem questionáveis. Sabe aquele sentimento de frustração quando um personagem faz uma besteira? Essa era a minha reação na maioria das vezes. Já o personagem do Escórpio, apesar do nome ridículo, é muito bacana de se conhecer, ele é engraçado, irônico e destila um sarcasmo divertido em todas as situações. De certa forma, os dois acabaram formando um par ideal.
Aliás, por muito pouco eles não formam mesmo um par romântico. Em diversas passagens das aventuras dos dois fica meio implícito um certo romance entre eles que não foi levado pra frente, sabe-se lá porquê, seria uma reviravolta interessante. Outro ponto polêmico que permeou a produção da peça foi o fato de terem escalado um atriz negra, Noma Dumezweni, para interpretar o personagem da Hermione Granger. No livro nunca é explicitado as origens da personagem, apenas detalha os seus cabelos selvagens, a sua inteligência e perspicácia. Foi apenas quando o livro chegou aos cinemas que foi escalado a Emma Watson para interpretar a personagem. Com essa mudança, abre-se uma discussão muito interessante sobre respeito, tolerância e representação racial, coisa que Rowling sempre advoga a favor, tanto que ela defendeu a escalação da nova atriz e ainda deu uma bela resposta aos intolerantes de plantão dizendo apenas: “Cânone: Olhos castanhos, cabelos crespos e muito inteligente. Pele branca nunca foi especificada. Rowling ama Black Hermione”. Simples e direta.
Estou tentando ao máximo revelar mais detalhes da trama, pois o estopim de toda a aventura dos dois é cheia de surpresas e momentos nostálgicos. Em uma entrevista Rowling declarou o seguinte, sobre esta obra ser uma peça de teatro: “Estou confiante de que quando o público ver a peça eles vão concordar que é o único meio adequado para a história.”. Mas será mesmo? Sinceramente não achei que valeu todo o rebuliço, me dói dizer isso mas essa é a impressão que tive. Apesar de ser muito divertido rever os personagens (agora adultos) e conhecer os novos rostos da série, tudo me pareceu forçado demais, sem muita personalidade, como se estivessem simplesmente aproveitando o nome Harry Potter para fazer mais uns trocados.
Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam
No mesmo ano em que foi anunciado o 8° livro de Harry Potter, foi revelado que um dos livros escolares utilizados em Hogwarts também seria adaptado para as telonas. E assim ficamos sabendo que Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam seria uma pentalogia que iria se passar 70 anos antes das histórias que vimos em Harry Potter, abrangendo os anos de 1926 até 1945. A sinopse oficial do filme é a seguinte:
O excêntrico magizoologista Newt Scamander chega à cidade de Nova York com sua maleta, um objeto mágico onde ele carrega uma coleção de fantásticos animais do mundo da magia que coletou durante as suas viagens. Em meio a comunidade bruxa norte-americana que teme muito mais a exposição aos trouxas do que os ingleses, Newt precisará usar suas habilidades e conhecimentos para capturar uma variedade de criaturas que acabam saindo da sua maleta.
Com um elenco de bons atores (Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Dan Fogler, Alison Sudol, Colin Farrell, Ezra Miller e Jon Voight), roteiro da própria J. K. Rowling e direção de David Yates (diretor dos últimos quatro filmes de Harry Potter) o filme foi extremamente bem recebido pelo público e pela crítica. E não é por menos, o filme é uma delícia de assistir! Logo no início, nos primeiros acordes da música-tema já é possível sentir que estaremos em boa companhia.
É inegável aqui o toque mágico de Rowling, que fez falta em Criança Amaldiçoada, esta nova aventura consegue retratar diversos temas polêmicos de uma maneira que somente ela sabe fazer. Intolerância, fundamentalismo religioso, preconceito, segregação e até uma tentativa de conscientizar sobre preservação ambiental (os ovos de uma criatura possuem casca de prata e eles são caçados por isso) todos esses temas aparecem no filme e são discutidos na trama de forma bem subliminar. Falando sobre a trama, lendo a sinopse a ideia que se tem é que o filme é apenas uma corrida atrás das criaturas que escaparam da maleta mágica, mas esta é somente a ponta do iceberg. A Rowling foi muito esperta em utilizar essa desculpa para visitar uma época tão importante para o seu universo. Falo sobre isso um pouco mais à frente; por ora, vale dizer que o filme é muito mais do aparenta ser, assim como a maleta mágica de Newt.
Todos os atores fazem um excelente trabalho. Redmayne e seus trejeitos acanhados e com o seu jeito desengonçado de ser é a personificação de Newt; Colin Farrell está assustador como Graves transmitindo segurança e ameaça cada vez que aparece em cena e, se Jon Voight está meio deslocado na trama (o arco de seu personagem é apressado, incompleto), é o nosso futuro Flash, Ezra Miller que rouba a cena. Suas cenas são as mais dramáticas e é impressionante a transformação de seu personagem ao final do filme, coisa que o ator soube retratar muito bem, no início aparecendo com uma postura curvada, quase invisível ele se transforma em uma presença ameaçadora com uma fúria descontrolada. 50 pontos para ele!
Os efeitos especiais são o ponto alto do filme, os animais são realmente fantásticos! Percebe-se que os animadores realmente se dedicaram no desenvolvimento das criaturas, os movimentos, o comportamento de cada uma e até os grunhidos que elas emitem nos fazem acreditar que elas bem poderiam existir em nosso mundo (ou existem e nós trouxas não vemos). Apesar de que aqui e ali conseguimos enxergar uma tela verde bem nítida ou a interação dos atores com a computação gráfica acaba não sendo tão fluída assim, mas são momentos escassos e no geral os efeitos impressionam. Não ficaria surpreso se saísse daqui uma indicação ao Oscar, juntamente com algum de Direção de Arte e Figurino, já que a ambientação de Nova Iorque nos anos 20 é de encher os olhos.
Comentei anteriormente sobre a desculpa da Rowling em ambientar o filme nesse ano de 1926, pois bem. Para quem não é tão fã assim de Harry Potter, eu explico: é durante esse período que temos a ascensão de Gerardo Grindelwald e a sua visão de um mundo onde os bruxos estivessem no poder, deixando os trouxas subordinados a eles. O seu lema de “Para um bem maior” acabou conquistando diversos seguidores e muitos dizem que ele é um dos bruxos das trevas mais maléficos e poderosos a terem surgido, perdendo apenas para Voldermort. Os dois vilões até compartilham uma obsessão em comum: as Relíquias da Morte e em especial, a Varinha das Varinhas, tanto que nos dois últimos filmes de Harry Potter, aparece a busca de Voldemort pela Varinha e como ele assassina Grindelwald, sem que este revelasse o paradeiro do objeto mágico. Mas o fato que mais está deixando os fãs empolgados é que essa nova leva de filmes irá se encerrar em 1945, com o que é considerado o maior duelo bruxo de todos os tempos: Dumbledore x Grindelwald.
Esses dois grandes bruxos, no passado, já foram grandes amigos, havendo até um interesse romântico entre os dois. Essa amizade só se encerrou devido à morte da irmã mais nova de Dumbledore e consequente a fuga de Grindelwald da Grã-Bretanha, após uma briga entre eles e Aberforth (irmão de Dumbledore) . Nos anos seguintes, enquanto reunia seu exército e tentava colocar seu plano em prática, o bruxo das trevas focou as suas ações mais polêmicas fora do país, evitando um embate com o ex-amigo.
Deu pra entender o porquê da empolgação dos fãs? Dumbledore jovem, um novo e poderoso vilão em ascensão, um duelo mágico entre dois bruxos excepcionais, uma amizade desfeita… É muita coisa para um coração pottermaníaco aguentar. Melhor do que vermos essa época retratada na telona em grande estilo, só se finalmente for dado o sinal verde para a tão especulada série sobre os fundadores de Hogwarts!
Com bons efeitos e uma poderosa história Animais Fantásticos e Onde Eles Habitam é um filme que supera expectativas e faz jus à sua existência. Mais que apenas um caça-níqueis o filme possui personalidade própria, que apesar de tocar somente na superfície nessa primeira incursão a este novo universo, promete ampliar ainda mais o universo mágico criado por Rowling. Eu mal posso esperar para ver quais surpresas ela está preparando para o futuro!