Tenho que admitir, depois de um 2016 regado de muita ficção científica nas indicações de livros aqui do site me sinto contente de poder indicar algo diferente dessa vez. Um sentimento parecido com o que fiz com Os Sete, que também foi um gênero que a princípio achei que estranharia (sendo de suspense/terror) e que acabei adorando. Hoje, então, apresento o livro Um Martíni com o Diabo, publicação da Editora Empíreo, escrito pela brasileira Cláudia Lemes.
Trata-se de um drama de Máfia, com uma certa dose de suspense. A trama conta a vida de um jovem chamado Charlei, criado apenas por sua mãe, e que descobre o tão bem guardado segredo em torno de quem é seu pai biológico, além de um terrível passado que talvez ele jamais devesse vir a saber. Nisso Charlie resolve jurar vingança contra seu pai, resoluto de que o mesmo deve morrer. O problema é que seu pai Tony Conicci, o chefe da máfia em Las Vegas, EUA.
Sintetizando tanto a premissa do livro não parece grande coisa, certo? Dá uma certa impressão errada, algo um tanto genérico. Entretanto aqui cabe aquele ditado de não julgar o livro pela capa – até mesmo porque o livro tem uma capa bacana. Um Martíni com o Diabo tem de positivo uma excelente e ágil narrativa.
A trama não demora a se desenvolver. No momento em que escreve esta indicação – tal como todas que normalmente faço aqui no site – me encontro tendo lido um terço do livro, já que assim evito contar mais do que devo sobre desfechos ou avanço do enredo. Foram 124 páginas das 333 que o livro possui.
Nesse pouco espaço de tempo a história que se inicia em 1983 já em encontra em 1990. Sete anos se passaram. Há um epílogo antes do livro começar que mostra que algo muito ruim aconteceu em 1997, mas o leitor ainda não consegue entender a sua magnitude quando começa a ler. O ponto é isso mostra que a história anda em um ótimo ritmo, mostrando o progresso da vida de Charlie, contando apenas os fatos que realmente são preciosos para se deixar levar pelas páginas do livro.
Deixei implícito mais acima, porém agora preciso deixar claro que Charlie resolvi ir atrás de seu pai, Tony Conicci, um chefão da máfia e é óbvio que matar um figurão destes não é exatamente uma tarefa simples. Charlie resolve se infiltrar na organização. Escalar sua ascensão na hierarquia até se tornar alguém digno da confiança de seu pai e só aí matá-lo. Como reza toda a cartilha a respeito de vingança, certo? Nunca é simples. Ah e é lógico que ele não vai se revelar para Tony como seu filho abandonado. Esse é um segredo que não deve ser revelado até chegar o momento certo.
E com esse objetivo em mente, o livro apresenta uma trama de um jovem que talvez não fosse a melhor das pessoas, pois não o conhecemos muito bem antes de sua resolução de vingança, mas que se vê diante da escuridão do ser humano. A máfia se posa como uma organização sedutora, que garante poder, dinheiro e mulheres no prato em que você quiser ser servido, entretanto ela também corrompe a pessoa, sua alma, especialmente quando a violência, a traição, falta de perdão para com os erros vem cobrar os pecados do homem.
Em tempos onde questionamos ética e moralidade de nossos políticos, que se corrompem a ganância e ao poder, tenho em mãos esse livro do jovem Charlie, que até pode ter entrado nessa vida querendo vingança por um pai que fez algo imperdoável no passado, mas se vê acuado em um mundo sedutor e cruel ao mesmo tempo, onde o certo e o errado se confundem e até mesmo o leitor se vê preso entre decisões erradas de Charlie. Um cara ingênuo que merece a redenção ao fim, ou sangue do sangue que vai acabar na sarjeta no final porque deixou se levar por um mundo que acaba com qualquer homem?
Há alguns dias atrás coloquei no Instagram e Facebook do site um trecho bem avançado do livro (este abaixo) e comentei dizendo que tenho duas referências que sempre me vem em mente quando estou lendo Um Martíni com o Diabo. A primeira é a série da HBO The Sopranos, um clássico do canal e que meio mundo já deve ter visto ou ao menos sabe do que se trata.
The Sopranos é uma série que tenho a coleção completa em DVD. Apresenta a vida de um chefe da máfia que se vê diante de uma crise psicológica, sofrendo de ataques de pânico, em meio a negócios do crime, uma família complexa e problemas maternos que o fazem fraquejar. Há muito neste livro que lembra o ambiente de Sopranos. Porém o livro saber se algo diferente. A começar pelo chefão da máfia. Aqui a história não é apresentada sobre o prisma do pai do Charlie. Ele é apenas uma sombra a ser alcançada. Ele participa da trama e aparece em momentos chaves, porém não é uma história sobre ele e seus problemas.
Charlie não é um mafioso, mas está tentando ser, só que o preço disse será alto. Claro que hierarquia, as ordens, ambientação, os capangas e entre outros elementos, como agentes do FBI investigando a família mafiosa e seus membros, traições, mortes e sexo estão presentes aqui também. Mas não porque a autora está sendo influenciada pela série diretamente, mas porque histórias de mafiosos italianos que se passam nos Estados Unidos possuem todos estes clichês. E quando digo clichê, não leve isso de forma negativa, pois não é.
Existe aliás uma introdução da autora no começo do livro na qual ela conta a origem e seu desejo em escrever este livro. Que por sinal me deixou curioso para ler outros de seus trabalhos alias, em particular Eu vejo Kate, que parece ser sobre um livro sobre serial killer.
O segundo ponto que comentei me recordar toda vez que estou lendo o livro e pensando em Charlie é a canção do Legião Urbana chamada Faroeste Caboclo, que também conta a história de um jovem que foi ao céu e ao inferno mais de uma vez e no fim acabou na sarjeta, talvez como um herói, talvez como um mártir, mas no fim é uma canção sobre a crueldade do homem e o desejo de um outro homem em fazer a coisa certa, mas que tomou vários caminhos errados. Bem, a canção é livre de interpretação, e tem outras variáveis, mas eu gosto da minha. E Charlie é esse personagem, que talvez tenha um motivo justificável para nutrir ódio por seu pai, porém escolheu o caminho errado para lidar com isso, a custo de sua integridade e moralidade. Ao fim, mesmo que Charlie mate seu pai, quem ele terá se tornado?
Toda história de vingança levanta essa questão. A vingança acaba sendo esse clichê na qual as histórias em torno dela colocam em cheque o fim do protagonista, onde nem sempre ele se torna o mocinho da história. Nessa estrutura narrativa há sempre algumas saídas, como o personagem aprendendo que a vingança não apagou a chama que tinha dentro de si, ou se arrependendo de tudo que fez, redimindo ou pedindo perdão por seus pecados ao fim… ou morrendo as vezes, após ter conseguido seu objetivo. No fim, a vingança nunca tem um final feliz. E é por isso que leio apreensivo, querendo saber o que a autora fará ao fim com Charlie. O que até lá ele irá merecer?
Pode esperar ótimas passagens e ótimos personagens no livro. Alguns irão morrer. Mulheres e sexo se fazem presente, então é um livro mais adulto, não recomendando para crianças. Violência e crueldades se fazem presentes. Incluindo o medo, ansiedade e agonia em certas passagens. Há inclusive uma em um período carcerário no livro que me deixou roendo as unhas e me fez adentrar pela madrugada enquanto essa fase não seguiu adiante e se concluiu.
Será que falei o suficiente para lhe interessar? Em todo caso é um livro que continuarei lendo e que voltarei a falar mais vezes aqui no site, intercalando com os demais que também estão na pilha da leitura. Assim a cada retorno, posso apresentar outros momentos, outros temas que a trama levantar, e dou tempo para quem quiser ler, correr atrás e talvez assim poder conversar com um pouco mais de spoilers na próxima vez.
Se curte o tema, tenha certeza de que não vai se arrepender de dar uma chance! Para encerrar, o exato trecho no livro que me peguei e me fez perceber que estava curtindo a história.
Mais algumas fotos do livro!