Terminei nesta madrugada a minha pequena maratona de 13 Reasons Why, a mais nova série original da Netflix, disponibilizada no catálogo em 31 de março. Foram 3 ou 4 dias apertados para conseguir ver os 13 episódios da série, ansioso por terminá-la o mais rápido possível. Não é fácil fazer maratona de uma série no meio de uma semana, tendo trabalho e família para compartilhar as somente 24 horas que existem em um dia.
Descobri 13 Reasons Why ao acaso. Estava apenas buscando algo novo no início da semana para assistir, já que a Netflix anda lançando tantos shows quase que semanalmente e nem todos andam me agradando – Punho de Ferro é uma dessas casos de decepção. Achei que 13 Reasons Why seria uma série normal entre tantas outras que acompanho regularmente. Ledo engano, mas de uma forma muito positiva.
Antes de ir mais adiante me deixei dizer que este texto não foi previamente planejado. Não vou fazer uma grande dissertação analítica e reflexiva sobre 13 Reasons Why. Na verdade estou escrevendo apenas para recomendar mesmo. Para dizer que há esse conteúdo de alta qualidade disponível nesse momento na Netflix e que é tão fora da bolha da mesmice das séries atuais que vale muito a pena parar o que você estiver assistindo para dar uma olhada nessa história. Porque ela tem pontos importantes que provocam e debatem coisas essenciais na sociedade como um todo, especialmente no que diz respeito aos jovens e anseios que existem nessa faixa etária.
Não vou dar spoilers, quanto a isso você pode ficar tranquilo. Quero apenas compartilhar um pouco daquilo que senti vendo o show, pois mesmo com meus 32 anos, sendo pai de um meninão de 4 anos, pude ver muito de mim dentro dos muitos temas abordados na série. Afinal todo adulto hoje já foi um adolescente, e por mais que a gente nem sempre se lembre do quanto éramos “incoerentes” nessa época, sabemos que essa fase da vida do ser humano é cheio de dilemas e dramas inerentes da fase do amadurecimento.
13 Reasons Why é uma série provocativa. Ela aborda temos polêmicos e pesados. O bullying talvez seja o tema mais recorrente e apesar de hoje em dia esse assunto ser abordado de uma forma mais sério por escolas e pais, nem sempre entendemos os motivos ou razões para isso ser tão sério ou prejudicial assim a vida de uma pessoa, mais especificamente dos jovens.
Desse ponto surgem outros, como o suicídio, o estupro, a agressão (inclusive sexual), a depressão, o alcoolismo e também a solidão inerente de tudo isso acumulado. A série não tem medo de tocar em pontos sensíveis e nem de mostrar isso. Há cenas realmente pesadas em alguns episódios, especialmente os últimos que encerram a temporada. E os produtores falam que tais cenas não foram feitas para causar aquele circo midiático, mas para realmente impactar, chocar e mostrar a quem estiver assistindo o quanto aquele assunto é sério e o quão triste e sombrio são tais momentos. Provocar e chocar na medida que qualquer um possa entender o quão sério e o quão ruim é aquele tabu e como nós, como uma sociedade, precisamos ficar mais atento e discutir de forma mais aberta os problemas que afligem os jovens, os filhos e os pais. Como não lidar com crises podem acarretar danos que muitas vezes não são reversíveis e o quão trágico é isso.
E já que mencionei os produtores da série, faço um apelo: ao terminar de assistir a série, vá imediatamente assistir o documentário de 29 minutos com os atores, especialistas e produtores comentando a respeito do show. Porque tais cenas foram filmadas, o que eles queriam mostrar, o que 13 Reasons Why se propõem a ser e todos os temas e pontos que o show consegue abordar de forma sagaz, inteligente e pontual. O documentário não aparece de forma automática ao terminar a série, está escondido no menu do show, embaixo dos trailers. Se você não procurar, não irá encontrá-lo (que pena isso Netflix, ele deveria começar automaticamente após o episódio 13). Então procure e assista!
Voltando um pouco, estava dizendo que há pontos dentro da série que me identifiquei. Acho que todo mundo consegue se identificar com algum um dos personagens da série. Não pelo estilo escolar ou de vida dos jovens norte-americanos – que podem dirigir, tem um sistema de escola pública bem diferente do nosso, festas que normalmente são os universitários aqui que possuem o hábito de realizar (ao menos era assim quando era mais jovem) etc.
O que é fácil de se conectar são os sentimentos dessa fase, as angústias de conhecer novas pessoas, a terrível sensação de rejeição, esse peso de querer ser alguém popular, a dificuldade de se abrir com os pais ou um adulto próximo, a crise de identidade, mas mais especificamente a sensação de mesmo com pessoas ao seu redor há aquela solidão que todo mundo sente ao menos um vez na vida. Não é fácil lidar com tais sentimentos, especialmente quanto mais jovem for essa pessoa.
Já escrevi sobre isso por aqui, não vou saber dizer onde ou quando (faz tempo), mas eu não tenho qualquer saudades da minha adolescência. Odeio essa minha fase da vida. Nem tudo foi ruim é claro. Conheci a minha esposa, a pessoa que mais amo nessa vida, quando ainda era um adolescente. Estamos juntos até hoje. Mas foi algo fora da vida escolar, em um outro universo do adolescente (amizades de bairro). A minha vida escolar foi terrível.
Nunca fui um jovem fácil (e hoje também não sou um adulto fácil). Socializar sempre foi algo árduo. Ter timidez, não saber conversar com as pessoas, não me interessar pelos mesmos temas que muitos da minha idade curtiam (sempre odiei futebol, por exemplo). O próprio ato de não beber bebidas alcoólicas era um problema quando mais jovem. Gostava de estudar, gostava ler (livros e quadrinhos), gostava de videogames (algo que no Brasil não é acessível a todo jovem) e isso não me tornava um cara popular. Era a criança fechada do turma, o estranho, o “bobão” entre outros rótulos.
Não fui um adolescente de muitos amigos. Tive algumas amizades passageiras, tanto que hoje não tenho contato com mais ninguém dessa fase da minha vida. O que tiro dessa fase é que tudo passa. Eu me recordo que queria muito chegar logo a fase adulto. Ter a minha independência, ser quem eu sou hoje com orgulho. E isso eu consegui.
E me identifico um pouco com o protagonista de 13 Reasons Why. Em muitos momentos do show o personagem do Clay se mostram como um bananão, não conseguindo se expressar, mas o que acho mais legal nele é o fato de que ele, de uma certa forma, está pouco se lixando ao ambiente ao seu redor (até que os eventos do show o obrigam a refletir a respeito disso). Só que no geral Clay não liga para o que pensam dele, ou porque ele não é popular, ou na necessidade de pertencer a uma tribo. Ele é o que ele é. E eu era assim. Realmente não esquentava a cabeça por não fazer parte de panelinhas, de não ter muitos amigos, de saber que estava fora da bolha. E eu acho que a minha adolescência só não foi pior porque eu sabia desligar esse interruptor do dane-se o que boa parte das pessoas acham de mim. Eu era o que era, e ainda sou isso hoje, e esse botão do foda-se segue ligado para aqueles que ainda me acham estranho. Não ligo mais (ainda que obviamente ter um site e escrever a respeito daquilo que curto seja de uma forma ou de outra terapêutico – ter contato com pessoas que curtem aquilo que eu curto).
Enfim, 13 Reasons Why causa esse tipo de discussão, entende? Note como mal falei da trama em si. Não precisa. Ela só é uma ponte para um debate muito maior do que a história da série em si. Não é uma série para falar que aquele personagem é forçado ou que aquela situação não é realista no mundo real. É uma série que traz uma outra gama de assuntos em pauta, muito mais importantes que a tecnicalidade de interpretações ou furos de roteiros.
Não que a série em termos técnicos seja ruim, pois não é. As interpretações são boas, ainda que no começo seja difícil distinguir alguns personagens. É ao longo dos episódios que o corpo estudantil vai tomando forma. A série também tem muito desses momentos pontuais na qual você, como telespectador pensa, “eu não faria isso assim” ou “eu reagiria diferente” ou simplesmente se questiona porque tal personagem reage de determinada maneira. O documentário, que já recomendei que você veja, explica muito bem esses momentos da série e o porque deles existirem e como teorizar uma reação não é a mesma coisa que agir.
Só para terminar, quem ainda está curioso mas não entendeu direito o que é 13 Reasons Why: a série conta a história de Hannah Baker, uma garota que se suicidou. E isso não é um spoiler, pois a série começa justamente algumas semanas após sua morte, quando Clay Jensen recebe em sua casa uma caixa com fitas cassete contendo o áudio de Hannah, narrando os eventos que levaram a tomar a decisão de se matar. São 13 fitas, cada uma dedicada a uma pessoa que a arruinou. Clay pertence a essa lista e agora ele precisa descobrir as razões que levaram a garota por quem ele era apaixonado a se matar e em que momento ele contribuiu para que isso acontecesse.
Não se trata de uma história feliz, que isso fique bem claro. É trágica, assim como a vida é muitas vezes. Clay entra em uma jornada de introspecção, na qual ele reflete sobre ele mesmo e sobre as pessoas ao seu redor. Ele percebe como as pessoas são egoístas, escrotas e o quão prejudicial um pequeno ato ou gesto pode causar a outro ser humano. E não é porque são adolescentes que isso deve ser justificado.
Ressalto também a parte da trama que lida com o núcleo dos adultos, os pais de muitos dos personagens centrais. Hoje, sendo pai, é fácil me relacionar com esse núcleo da história. Das cenas em que pais ignoram seus filhos, de brigas bobas na frente deles e de como tentar e pedir para um jovem se abrir e como isso não o fará ele realmente se abrir. É preciso criar um momento muito específico, nutrir uma confiança absurda para conseguir tal mérito. Ser jovem não é fácil, porém ser pai também não é.
Isso é um pouco de 13 Reasons Why. Se você está procurando algo de qualidade, uma série envolvente, madura e que lida com temas de uma forma responsiva e madura (sem ser sensacionalista), eis aí algo que vale a pena ver e recomendar que outros vejam. É por isso que furei a lista de pautas do site e estou escrevendo esse texto nesse exato momento. Assista.
Alias suspeito que a editora já esteja pensando em relançá-lo no mercado brasileiro, pois em sua página oficial já consta o livro com uma capa que referência a série da Netflix (uma pena que a capa original tenha sido descartada, pois ela é realmente muito boa).