Terminei, há cerca de um mês e meio a leitura de Pedra do Céu, uma das obras pilares da grande biblioteca de trabalhos de Isaac Asimov. Demorei todo esse tempo para vir aqui escrever a respeito porque andei justamente pensando o que deveria dizer que já não escrevi quando vim aqui falar sobre o livro pela primeira vez em setembro do ano passado.
De fato não há tanto para se dizer que já não tenha explanado a respeito. O primeiro texto contei sobre a premissa do livro, sobre o contexto dele fazer parte do universo de livros do Império Galáctico, até mesmo um pouco sobre Asimov em si e algumas suspeitas que acabaram se confirmando em torno da trama do livro em si. Acho que posso retornar a este último ponto mais uma vez, agora com as ideias mais claras a seu respeito.
Para isso, esteja ciente que apesar de não ser a minha intenção revelar o final do livro, como todos os meus posts de “Leitura Concluída”, acaba que rola esse desejo de conversar um pouco sobre o fim do livro, então alguns spoilers vão acabar surgindo.
Caso você ainda não tenha lido Pedra no Céu, e pretende lê-lo algum dia, recomendo parar por aqui. Leia o meu primeiro texto, de indicação. Caso esteja apenas muito curioso para saber se gostei, já adianto que sim. É um bom livro, tem um desfecho na qual não vi chegando, ainda que exista um certo alinhamento de eventos mirabolantes para que certas coincidências gerem as consequências certas para seu final. É como disse no outro texto: Asimov é um gênio, mas todo autor tem que começar por um lugar e Pedra no Céu é um de seus primeiros trabalhos, que portanto não tem um refinamento que obras posteriores acabaram recebendo. Funciona, diverte, mas está longe de ser perfeito.
Pronto? Agora para evitar spoilers, recomendo que pare por aqui. Sério mesmo!
Da radioatividade aos 60 anos…
Havia explicado no texto anterior como Pedra no Céu trabalha com um personagem retirado do presente na qual o livro foi escrito (início da década de 50) e o transporta há milhares de anos no futuro. Um futuro tão… no futuro que as pessoas nem mais se lembram de qualquer coisa que existiu no passado. Não há países, não há uma história de nosso tempo preservado em algum lugar, o idioma é outro e não faz o menor sentido a nós. Somos menos do que dinossauros. Nós sabemos que dinossauros existiram, já os humanos desse futuro apenas suspeitam que existimos, mas sem saber sequer como éramos ou o que representamos para o planeta.
A perspectiva do livro nesse sentido é genial. Uma Terra que se esqueceu. Uma Terra destruída pela radioatividade, uma preocupação na qual Asimov admite no posfácio (de 1982) ao final do livro que era um temor da época na qual ele foi escrito. Que é algo que talvez à época em que ele escreveu esse posfácio (em 82) não era algo que achasse que poderia ocorrer mais. Porém nada podia ser feito, o livro já havia sido escrito e é uma de suas obras que o mundo inteiro ainda continua a ler.
Nesse sentido, do mundo radioativo, não acho que Asimov tenha feito algo tão ruim assim. Afinal há inúmeros filmes e games atuais que trabalham com essa ideia de holocausto nuclear. É ficção e fantasia, mas nada impede de que esse tema continue no imaginário popular. Apesar do atual apocalipse moderno ser muito mais direcionado a zumbis e extinção biológica, ainda há esse ar no imaginário popular de um mundo devastado por uma Terceira Guerra Mundial, algo que está bem em alta ultimamente por sinal.
Claro que hoje temos consciência dos perigos do abuso da radioatividade e de armas nucleares e mesmo assim isso não quer dizer as maiores potencias do mundo as tenham descartado. Elas existem e isso ainda justifica parcialmente essa realidade de um planeta morto pelo homem e suas armas.
Se os humanos sobreviveriam e aguentariam um ambiente irradiado de radiação? Nos tornaríamos mutantes? Bem, não é como se a cultura pop, games e a ficção científica em geral não trabalhe mais nessas ideias. Pelo contrário. A ciência diz que não, mas no faz de conta tudo é possível.
Continuando, então temos uma Terra no futuro com humanos que resistem a radiação, tal qual as baratas. Um universo na qual a raça humana colonizou e vive pela Galáxia (sem que ninguém saiba que originamos justamente da Terra). Um Império Galáctico que trata a Terra como um planeta hostil, na qual os humanos não possuem a educação, cultura e costumes do restante de seus semelhantes.
É interessante, por exemplo, como a regra de que todos devem morrer aos 60 anos é tão atemporal quanto ela propõem dentro do livro. Na história o planeta está devastado e as áreas habitadas são pequenas e limitadas, então não se pode ter humanos demais povoando o planeta. Então ninguém pode viver mais do que 60 anos, já que idosos não contribuem muito para a população (não conseguem trabalhar como os jovens) e o Governo não tem recursos para sustentá-los (enquanto também não quer que as famílias os sustentem).
Essa é um evento terrestre, que todo o Império repudia. E dá para ver que para um livro escrito lá fora, há quase 70 anos, já havia essa discussão do que a humanidade fará quando perceber que estamos inchando a população do planeta e passamos a viver muito mais do que nossos antepassados. Até em que ponto uma pessoa é importante dentro do coletivo de uma sociedade?
Coincidência ou não, estamos justamente passando por um momento na qual o Brasil mesmo discute planos de aposentadorias e como deveríamos jogar para frente a idade na qual o brasileiro chega a terceira idade. Estamos vivendo mais, então deveríamos trabalhar mais, antes de virarmos sustento do Governo? Melhor discutir a aposentadoria do que discutir até quando nós devemos viver, não? A ficção exagera justamente para que ela possa apontar problemas sociais e até mesmo morais em assuntos que as vezes sequer paramos para pensar. Claro que é horroroso um Governo que mata todos que atingem 60 anos, mas é justamente elementos como esse que enriquecem a narrativa. Ela está lá por um motivo. E um justificado.
E Joseph Schwartz é esse humano do presente que foi parar nesse futuro absurdo. E ele tem quase 60 anos.
Da metade para o fim, a interconexão narrativa…
Até a metade do livro, Pedra no Céu se prontifica a apresentar esse mundo, tanto da visão de Schwartz, quando dos personagens que vivem nessa Terra devastada. No início parece não haver conexão entre esse elenco, porém conforme a trama avança, vai se tornando claro que o encontro deles será inevitável em algum ponto adiante.
É daí que a metade para o final do livro trabalha. Até então há duas narrativas, duas perspectivas, porém em certo momento tudo se une, e a urgência da situação une os personagens em pró de uma ameaça em comum. É aqui, talvez que o livro perca um pouco de sua força.
É preciso um vilão, é preciso um evento que encerre o terceiro ato do livro. Um que você à princípio não vê chegando. Inicialmente eu me perguntava qual seria o objetivo do autor inserir Schwartz dentro da trama. Ser uma pessoa do passado para relembrar a humanidade de seu passado? Achei que sim, mas acabou não sendo assim.
Por detalhes que acho que não vale a pena mencionar, Schwartz passa por uma experiência científica que o torna uma espécie de Deus Ex Machina no livro. Ele se torna o Neo de Matrix. E não há necessariamente um motivo justo para Asimov ter feito isso, especialmente dentro de todo o resto apresentado até então. Humanos com super poderes em um futuro intergalático? Soa exagerado demais.
E era desnecessário. Eu estava entretido na proposta do universo do livro sem a necessidade deste recurso. Em personagens como o Bel Arvardan, um arqueólogo do Império que estava justamente (e coincidentemente) na Terra para investigar seu passado. Arvadan tem ótimos momentos da metade para o final do livro, na qual instiga essa coisa do ódio e racismo da Galáxia pela Terra, da mesma forma que descobre que a Terra também tem tanto ódio da Galáxia a ponto de querer destruir toda a vida fora da Terra. Isso é muito bom em Pedra no Céu.
O terceiro e último ato do livro é justamente sobre esse discurso de ódio. Com Arvadan tentando impedir um massacre, de forma política e diplomática. Ele esbarra em traição e burocracia de uma forma que eu poderia achar graça em uma Mochileiro das Galáxia (Douglas Adam), e suas explosões de fúria e raiva são ótimas para explorar a frustração de uma situação impossível de se resolver no mero diálogo – e que se tivesse tido algum êxito, isso tornaria o final do livro ainda mais impressionante para mim.
Porém, como disse lá no começo, é uma das primeiras obras do Asimov, então acontece essa situação de solução da cartola, do protagonista em si do livro e de habilidades inumanas obtidas de forma que uma boa ficção adora criar: evolução da mente humana. Okey, não estraga o livro, mas não o torna totalmente memorável.
Assim, eu gosto muito dos momentos e capítulos finais. Eu fiquei tenso e afoito com os eventos. Tanto que li os últimos capítulos em único respiro. Não consegui me conter. E me diverti com os nomes destes capítulos finais. Asimov criou bons nomes que souberam manter o jogo de cintura narrativo. Você lá o nome do capítulo e imagina o que vai acontecer, e acaba querendo saber como vai acontecer.
Ao fim, Pedra no Céu me deixou curioso para ler outras obras que se passam dentro desse universo do Império Galáctico de Asimov, talvez em particular os livros da saga Fundação (veja vídeo abaixo). No momento é um tempo que não disponho para ler tudo, mas quero algum dia iniciá-los com certeza.
Enquanto isso espero que eventualmente – quem sabe ainda esse ano – a Editora Aleph publique os outros dois livros que fazem parte desse mundo de Pedra no Céu, mas que se passam antes (são prequelas). São as obras chamadas The Stars, Like Dust e The Currents of Space, que são contos isoladas e paralelos entre si e entre Pedra no Céu. Parecem bons livros para retornar a esse universo, sem ir direto para os muitos livros da série Fundação. Irei aguarda-los!
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