Little Nightmares | Escape do pesadelo ou vire o prato do dia! (Impressões)
Little Nightmares é um daqueles games em que é muito difícil escrever um review sem entregar mais do que se deve para aqueles que querem jogar e serem surpreendidos por tudo que o game tem a oferecer. Esse seria um daqueles raros casos em que as impressões gerais sobre o jogo talvez devessem ser destinado somente àqueles que terminarem o game, o que é um pouco injusto para com aqueles que querem saber mais sobre o game e se vale a pena adquiri-lo nesse momento. Meio complicado, não?
Diante de tal situação, acredito que a melhor maneira de lidar com as impressões de Little Nightmares seja dividindo a matéria em duas partes: uma inicial, tomando cuidado para não entregar nenhum tipo de spoilers que vá estragar a sua surpresa quando (e se você resolver) jogar o título; e uma segunda parte com alguns spoilers para aqueles que jogaram e querem discutir um pouco mais a respeito daquilo que experimentaram. Acredito que seja o mais justo possível dessa maneira.
Despertar da subjetividade (sem spoilers)
Little Nightmares é um indie game que bebe da fonte de títulos como Limbo e Inside, tanto mecanicamente quanto metaforicamente. Isso significa que o game começa, caminha e termina apresentando uma história aberta em um mundo subjetivo, com uma protagonista também subjetiva. É um jogo na qual o jogador caminha por metáforas, interpretando por conta própria o que o game quer apresentar ou representar.
Existe uma história por intermédio de uma sinopse oficial, publicado em comunicados para a imprensa antes do lançamento do game e através do site oficial do jogo. Só que nada disso está explícito dentro do jogo em si.
Dou como exemplo o fato da protagonista se chamar Six e ser uma garotinha, ou do estranho lugar na qual se passa o game se chamar The Maw – algo como “A Boca”, o que faz sentido dentro do contexto da trama. Estas são informações que não são apresentados durante o gameplay de Little Nightmares, mas são dados de contextualização que estão em outras mídias que apresentaram e mostraram um pouco mais do game antes de seu lançamento.
Se não fosse por isso, eu mal saberia afirmar se a protagonista é mesmo de fato uma garotinha, ou sequer um ser humano, já que o game confunde um pouco humanos com outras criaturas que talvez possam ser místicas ou sobrenaturais.
O que se sabe apenas jogando o game, sem ir buscar em outras fontes, é que o jogador acorda em um estranho lugar, que aparenta ser um navio ou algum tipo de embarcação gigantesca, pois o lugar balança de um lado para o outro, como se estivesse em alto mar, balançando de acordo com as ondas.
Nesse lugar há criaturas que constantemente querem lhe capturar e te colocar no cardápio do menu da próxima refeição. Seu objetivo é escapar destes estranhos seres e de suas armadilhas, enquanto sobrevive a certos ataques de fome que lhe deixam em agonia de tempos em tempos.
Ao longo do game o jogador irá encontrar dicas e pistas interpretativas do que talvez esteja acontecendo. Em nenhum momento o game trará clareza a certos fatos. Quem é você? O que é este lugar? Por que estas criaturas são assim e por que devoram o que o jogo indica ser algo horrendo de alguém devorar? Nada disso é explicado diretamente. Little Nightmares deixa a cargo do jogador concluir o que ele acha que está acontecendo…
Isso não é necessariamente ruim, ainda que ao fim do jogo exista uma sensação de interesse por mais dados desse mundo apresentado e que não há mais para onde correr para obtê-los. Há um sentimento de que um pouco mais deveria ter sido mostrado e revelado.
Em termos comparativos, digo que achei o universo de Little Nightmares tão instigante e interessante quanto àquele apresentado em Inside. Com a diferença que em certo ponto de Inside os produtores fazem algo inesperado na história e chocam os jogadores. Em Little Nightmares há também algo inesperado, mas é bem mais contido e um tanto previsível após um certo ponto da trama.
Ao contrário de Inside, que acaba no momento certo em que tem que acabar, Little Nightmares acaba justamente quando o game está se saindo, do que diria, um bom game para um ótimo game. Acaba deixando jogador querendo mais. E isso pode soar um pouco frustrante.
No que diz respeito a jogabilidade, o game basicamente se divide em dois momentos. O primeiro ato do game se resume muito a furtividade. Se esconder das criaturas sombrias e bizarras, enquanto resolve pequenos puzzles, como descobrir o que empurrar para subir em certos lugares ou a localização de uma chave que possa abrir um cadeado de uma porta. Sempre sem que seja capturado pelas criaturas, que podem te ouvir e ver caso não seja cauteloso.
Essa parte é bem sombria e escura. Com momentos de silêncio e tensão. Já o segundo arco do game, é mais sobre ser ágil e tem mais ação, pois consiste em fugir freneticamente de uma ameaça que não vale a pena eu te dizer do que se traga exatamente. Fuja. Corra. Pule. Essa é a parte em que você perde o fôlego e fica com o coração na mão.
Basicamente são estes dois momentos que resumem a jogabilidade de Little Nightmares. Os controles respondem bem, mas os puzzles são bem simples, sem nenhum ser realmente engenhoso. É mais sobre prestar atenção a sua volta, porque os puzzles possuem soluções claras e lineares, basta olhar ao seu redor quando um surgir. O melhor acaba sendo o segundo ato do game, com mais ação. Isso em termos de jogabilidade.
No que diz respeito a atmosfera, o game manda muito bem, do começo ao seu final. Há uma boa diversidade de salas diferentes e distintas. Coisa estranhas e bizarras por toda a parte. Momentos que vão tirar seu fôlego e lhe deixar arrepiado.
Little Nightmares é um jogo sombrio, mas não um jogo de terror. Ele não dá susto. Talvez um ou dois momentos apenas. E mais pela tensão que surge do nada do que pelo horror em si.
Minha maior lamentação é ser um game bem curtinho, que pode ser completado em um único dia. Tem aproximadamente 3 horas de jogo e quase nenhum valor de replay depois disso. Não há finais segretos ou modos de dificuldade ou extras que justifiquem uma segunda jornada pela campanha.
Até existem colecionáveis e alguns segredos, mas não são tão interessantes a ponto de justificar jogar novamente toda a campanha. Como ponto positivo, o game tem um sistema de capítulos que permite o jogador iniciar um destes capítulos a qualquer momento. Fazendo assim o capítulo na qual os colecionáveis não foram coletados (alguns são fáceis, porém tem alguns bem escondidos) serem jogados sem ter que jogar todo o o game novamente.
Só é uma pena que o game custe tão caro no Brasil. Enquanto lá fora ele saiu custando 19 dólares, o que é meio justo, por aqui ele está custando 80 reais em qualquer uma das plataformas na qual foi lançado: Steam, Xbox One e PlayStation 4. Não é um preço amigável em comparação com a sua durabilidade. Só espero que futuramente os jogadores brasileiros que se interessarem pelo game acabem pagando-o em eventualmente promoções.
Little Nightmares é um impressionante indie game. O visual e sua atmosfera horripilante conseguem levar o jogador para dentro de seu universo muito rapidamente e de forma bem fácil. Só é uma pena que a experiência com o título não dure tudo aquilo que cada um gostaria que durasse. Se dinheiro não é um problema, pegue-o que não vai se arrepender. A meu ver esse é realmente o único impeditivo que os jogadores aqui no Brasil irão encontrar para com o título.
— Agora vamos conversar com spoilers? Pare por aqui se ainda não jogou, porém se você já jogou, vem comigo!
Os seres que comem crianças! (alerta de spoilers)
Não sendo direto e explícito, a trama de Little Nightmares é um tanto interpretativa, ainda que no geral não tenha que se pensar em mil teorias ou múltiplos significados para muito do que o jogo apresenta. A subjetividade não é tão ampla assim. Minha opinião, é claro.
Em Inside, por exemplo, o jogador fica confuso a respeito daquele mundo, dos eventos finais e até mesmo se o final é realmente satisfatório. Há dúvidas sobre ambientes e momentos específicos do jogo. O que elas representam ou significam.
Já em Little Nightmares não encontrei momentos tão complexos assim. Há algumas coisas que ficam realmente no ar, como o corpo do homem que se suicidou no começo da trama (ele é magro e supostamente o único adulto morto no game inteiro). Mas no geral, o game não se esforça muito para dar duas ou três teorias ao que está de fato acontecendo no game.
Tem o fato de Six iniciar a trama não estando presa como as demais crianças que aparecem ao decorrer do primeiro ato do game. Há teorias pela internet de que ela seria parente da mulher oriental que acaba sendo seu último confronto na campanha. Será que o adulto que se matou tem algum parentesco com Six ou a mulher? Afinal ele surge logo no começo, próximo de onde Six desperta. Talvez estivesse cuidando da garota?
Todo o clima do jogo abre certas perguntas. Eu achei interessante o fato dos cozinheiros usarem máscaras. Não são os rostos verdadeiros de ambos. Há um momento no capítulo que é dedicado a eles na qual a cozinheira começa a coçar seu rosto por debaixo da máscara. É bizarro!
Existe alguns elementos que não consegui conectar a todo o resto apresentado. O símbolo do olho e o próprio olho em si, por exemplo. Esse olho tem uma presença maior no início, antes das criaturas mais assustadoras surgirem, e depois a presença desse símbolo vai sumindo. O que ele representa? Algo místico, relacionado a constante vigia? Tal qual os poderes da dona do lugar? E as sanguessugas e a gosma preta? Tem coisas sinto que foram colocadas apenas para dar direção ao gameplay, mais do que a história em si. Claro que posso estar errado.
E aí tem esse conto a respeito do The Maw, que acredito estar relacionado a algum conto ou lenda japonesa na qual estes seres gordos se reúnem para um banquete que inclui até mesmo carne humana (a daí o fato deles se alimentarem de crianças – ainda que o game nunca deixe totalmente claro que são crianças, já que rostos não são mostrados, e não há uma cena sequer mostrando alguém matando uma criança, o que talvez fosse pesado demais para se mostrar).
Não consigo deixar de pensar que Little Nightmares possui uma forte influência de A Viagem de Chihiro, animação japonesa de 2001, do mestre Hayao Miyazaki. Todo o ato do banquete parece muito com certos momentos da animação. Tem o personagem de braços longos do primeiro ato que também existe nessa referência, e a própria ideia de uma madame com poderes místicos gerenciando todo o lugar tem uma certa semelhança com a velha que cuidava da casa de banho na Chihiro. Há, aparentemente, uma forte influência e inspiração oriunda dessa animação, que é excelente por sinal.
Também acho que existe outras referências. Os glutões parecem em certo momento abordar certas metáforas sobre o pecado da gula. Six uma uma capa de chuva amarela que lembra a personagem da animação Coraline, que também viaja para um mundo estranho. Crianças sendo devoradas também existem de fábulas pelo mundo todo. Porém, ainda assim, A Viagem de Chihiro acabou sendo a minha principal referência.
O game basicamente se divide em dois momentos. O primeiro na qual Six está escondida e tentando escapar da cozinha do lugar, que me parece uma espécie de ilha móvel, na qual é mais silencioso e escuro. As criaturas querem lhe capturar e aprisionar tal como as outras supostas crianças que estão presas.
No segundo ato do game, Six precisa correr para não ser devorada viva. Não há mais tanto os elementos de puzzles e de se esconder para passar despercebida. Há uma tensão e urgência aqui. Corra, porque diante de tantos olhos, não tem como passar despercebida.
Pra mim esse é um dos melhores momentos do game. Foi o que me deixou sem ar, aflito cada vez que falhava e era comido pelos estranhos glutões.
Enigmático mesmo são os pequenos Nomes, as criaturinhas de chapéu de cone, que estão espalhadas por todo o game. A princípio parecerem funcionar como uma espécie de colecionáveis dentro do jogo, mas eles possuem uma função à trama, especialmente em um dos atos finais do jogo quando Six está tendo um de seus ataques de fome.
Não sei dizer que estas criaturas são. Não são como as crianças presas. Six aliás também não parece ser totalmente igual as crianças, pois ela é bem menorzinha. Porém Six é maior do que os Nomes, na qual ela parece ter alguma conexão, já que ao abraça-los os acalma.
Ao fim, Little Nightmares também não acaba de uma forma totalmente feliz. A fome de Six aumenta ao longo de toda a campanha e parece a corromper cada vez que ela se alimenta. Será um efeito do lugar? Será por isso que ela estava aprisionada, esquecida nas profundezas do The Maw? Ela sempre foi má? Afinal uma presenta sombria está presente desde seu primeiro ataque de fome (aparecem bem escondido dentro das cenas em que Six se alimenta).
A última refeição de Six é a mais macabra de todas, e é justamente o que vai permitir sair ilesa do The Maw, ainda que vê-la na superfície da ilha não explique totalmente como ela vai sair do lugar. E ela se tornou algo maligno aparentemente. O final é estranho, mas não chega dar aquele comichão de incomodo da mesma forma como Inside faz.
A sensação que fica é que Little Nightmares é apenas um mundo que representa um tipo de pesadelo infantil, na qual uma criança deveria temer. Em uma fantasia sombria e obscura, na qual uma criança precisa fugir de um lugar sem ser corrompida pelo mesmo. Infelizmente Six não consegue isso.
Não é uma história ruim, porém certamente faz com que os jogadores acabem querendo ver mais. Saber mais. Sem mencionar que justo quando o game está em um momento de adrenalina, de muita ação, em contraste com o começo do game que é bem lento e furtivo, o jogo (e por consequência a história) termina. Deixando assim aquele gostinho amargo. Aquela sensação de que o game talvez devesse durar mais dois ou três capítulos.
Dou meus elogios a Tarsier Studios. O mundo que criaram para Little Nightmares é sim bem fascinante. O jogo tem personagens grotescos e metem um certo medo ao jogador. Há um impacto enorme quando da metade para o fim Six chega ao banquete. Gostaria apenas de ter visto mais, ter conhecido um pouco mais desse universo. E especialmente de saber mais sobre Six ou o que o game reserva para ela após seu final.
Sei que é chato ficar comparando com Inside, mas o final desse é definitivo. Para o bem ou para o mal, fica claro o destino do protagonista. Já em Little Nightmares não necessariamente. E não é uma questão interpretativa ou não, ao menos na minha visão. É nisso que o título perdeu alguns pontinhos pra mim.
Little Nightmares vale pela viagem em si, só que como trama precisaria ter um caldo mais grosso para dar um gostinho melhor ao sopão que o game cozinha ao longo de toda a sua curta campanha. E não tem problema ser curtinho, só precisava de um tempero mais forte ao seu final.
Shhhhh….