Ia começar estas impressões abordando sobre a variedade de situações existentes no atual cenário de games, que categorizam alguns jogos como indies e… acabei desistindo. Meu objetivo seria mostrar que as vezes um estúdio pode ser de grande ou de médio porte e ainda assim apostar em um game desenvolvido de forma mais independente e o lançá-lo como um indie game, tal como a Sumo Digital fez este ano ao lançar Snake Pass.
A Sumo Digital não é um estúdio qualquer. Na verdade é um estúdio de consagrado na indústria atual de games. Localizado no Reino Unido, a Sumo Digital tem em seu catálogo de trabalhos realizados títulos como Forza Horizon 2, Little Big Planet 3, Sonic & All-Stars Racing: Transformed, Dead Island 2, Hitman Episódio 5: Colorado e atualmente tem em mãos a difícil missão de criar algo incrível para Crackdown 3, que aliás deve vir a ser uma das atenções da Microsoft durante a semana da E3 2017.
Snake Pass surgiu de uma Game Jam (aquela reunião de desenvolvedores que se juntam para discutir, e as vezes competir, por novas ideias de jogos e tentar desenvolve-los no período de tempo mais curto possível). Seb Liese foi o responsável pela ideia de Snake Pass. Uma demo foi criada, o sucesso entre aqueles que testaram o jogo foi grande e no fim, a Sumo Digital ajudou, bancou o desenvolvimento do título e a própria o distribuiu em formato digital com uma pegada bem independente, ou como normalmente os chamamos hoje em dia: no formato indie game.
Seja uma cobra…
O game é um jogo de plataforma 3D que mescla mecânicas de física reais ao dar ao jogador o controle de uma cobra, sendo obrigatório respeitar a forma como esse animal se movimenta de verdade. Pense como uma cobra! Essa é a principal proposta de Snake Pass.
De uma certa forma o título lembra um pouco Octodad, que também brinca bastante com uma física diferente de ser controlada. São jogos em que a jogabilidade é diferente da convencional, buscando sempre uma certa realidade na qual os personagens precisam tomar certas ações. Snake Pass apenas não é tão surreal e bem humorado quanto Octodad.
Aqui o jogador precisa agir como uma cobra normalmente age de verdade. Rastejar em linha reta não dá a agilidade que uma cobra normalmente consegue ao se rastejar em zig zag. Para subir em plataformas é necessário se enroscar, caso contrário seu longo corpo irá começar a cair e irá lhe puxar para baixo. O desafio é justamente navegar por um cenário construido para desafiar uma cobra a ir para qualquer ponto da área.
Jogabilidade não é o único ponto positivo de Snake Pass. A ambientação e a atmosfera do game são encantadores, dignos de um certo saudosismo oriundo de games como Banjo-Kazooie. Tudo é muito colorido, muito vivo. Sem mencionar que é uma dupla de personagens, Noodle a cobra e Doodle o beija-flor.
Pena que o beija-flor tenha muita pouca participação dentro da jogabilidade. Se restringindo a um movimento de segurar a cauda de Noodle, evitando que seu corpo a puxe para baixo. Eventualmente uma segunda habilidade é destravada próximo ao final do game em que só pode ser utilizado em pontuais momentos (não é uma habilidade livre para usar em qualquer momento).
Doodle acaba servindo apenas para explicar a Noodle o que está acontecendo e pedir para que a cobra lhe ajude a resgatar os artefatos que estão sendo retirados de certos portais mágicos. A história é basicamente isso alias. Apenas uma justificativa bem simples para fazer o jogador entrar na pele de uma cobra e sair para coletar tais artefatos.
Relaxar ou se estressar?
De uma certa forma Snake Pass é um game relaxante, com pontuais momentos de frustração. A trilha sonora do game acalma o jogador, por não ter uma batida de urgência ou para fazer pressão. Tem um som tropical, gostoso de ouvir. E no geral as três peças principais de cada estágio são mais divertidos do que difíceis de serem resgatadas.
A dificuldade de Snake Pass está em encontrar os colecionáveis extras de cada estágio, as tais esferas azuis e as cinco moedas que estão espalhadas pelo ambiente repleto de locais para escalar. Estes itens podem estar bem escondidos, em cantos ou em penhascos na qual o jogador irá precisar se equilibrar e esticar para conseguir pegar todos.
Fica apenas um alerta e um lamento: estes colecionáveis não servem para nada. Que pena, não? Basicamente eles não fazem nada, exceto dar algumas conquistas relacionadas a coletar tudo no game até atingir 100%. Poderia destravar uma galeria de artes conceituais ou um mundo (ao menos uma fase) extra, não? Deveria.
Posso até dar um segundo alerta: ao terminar o game é destravado a última habilidade de Noodle, uma espécie de visão especial que a permite enxergar a localização de todos os colecionáveis de cada fase. Torna o trabalho de caçar estes itens que faltaram bem mais fácil. Então não tem porque se descabelar por não encontrar todas as moedas e esferas azuis de determinadas fases (algumas estão realmente bem escondidas).
Um detalhe na qual o jogador precisa ficar atento é em relação aos checkpoints. O jogo não salva de forma automática dentro da fase, é preciso passar por uma pedra especial (que brilha) para indicar que tudo que foi coletado até tal momento estar salvo. Se morrer sem passar por um checkpoint todo o progresso de itens coletados é perdido, obrigando o jogador a coletar tudo de novo. Normalmente sempre tem um checkpoint perto de áreas mais complicadas. Chato as vezes é só ter que voltar até ele.
No geral achei o game mais relaxante do que enervante. O desafio não é tão infernal e mesmo com o fato de que o jogador vai morrer várias vezes até pegar o jeito de uma acrobacia mais enfeitada para coletar aquela moeda na ponta de um penhasco, o jogo acaba sendo satisfatoriamente divertido.
Ao todo Snake Pass contém quatro mundos somando 15 estágios. Cada fase pode levar de 10 a 25 minutos. Depende da forma como o jogador escolher progredir e estar decido a coletar 100% de tudo. Qualquer estágio pode ter tudo coletado desde o começo, diferente de outros games que muitas vezes pede ao jogador uma habilidade na qual ele só irá desbloquear mais a frente da campanha. Aqui não tem isso.
Cada mundo tem pequenas particularidades. O primeiro é o mundo tropical, um tanto normal. O segundo mundo acrescenta canais aquáticos, na qual qual Noodle pode afundar e navegar embaixo d’água. O terceiro consiste em não cair em pedras incandescentes e o quarto mundo está relacionado ao vendo. A paleta de cores do céu muda um pouco em cada um destes mundos, enquanto os elementos e objetos permanecem basicamente iguais ao longo de todo o game, com algumas mecânicas de alavancas ou plataforma móveis sendo acrescentadas em um ou outro estágio.
Considerações Finais
Snake Pass é um título em que o jogador começa bem animado com sua proposta, mas que conforme o game avança esse pique vai diminuindo. E infelizmente há vários fatores que contribuem para isso.
A física em relação a jogabilidade é excelente, mas o game carece de desafios diferentes. Não há inimigos aqui, o que é uma pena, pois talvez eles adicionassem algo a mais aos estágios. No geral aquilo que o jogador faz na primeira fase irá fazer até a última fase.
Existe uma progressão no design das fases, mas é muito pequena e bem tímida. O fato de visualmente o jogo mudar de forma bem sutil pelos mundos não ajuda a afastar essa sensação de semelhança em tudo. E ao final, são apenas 15 estágios. Gostaria de houvessem mais, porém que fosse bem mais diferentes entre si.
A trama também me decepcionou bastante quando terminei o game. Inicialmente o game apresenta uma certa ameaça oculta, a espreita da dupla de protagonistas da história, porém essa promessa não é exatamente cumprida quando o game chega ao final. Fui esperando uma batalha de chefe envolvendo as mecânicas e todas as habilidades que adquiri ao longo de todas as fases e… tal batalha infelizmente não existe. A trama se resolve em uma cutscene final.
O game até tenta um certo esforço no valor de replay ao colocar um modo Time Trial quando cada mundo é concluído, entretanto não é suficiente para fazer o jogador voltar a jogar tudo novamente. O mesmo vale para a visão especial para coletar os itens faltantes (já que estes não lhe dão nada de especial).
Sem mencionar outros dois detalhes menores, como o fato do game ter tão pouco texto e a Sumo Digital nem sequer ter cogitado localizá-lo para diversos idiomas (o que significa que o game está em inglês pra gente, nada de legendas em português) e também seu preço no Brasil, na qual está custando 75 reais na Microsoft Store e 61 reais na PlayStation Store. Na Steam é mais razoável, 36 reais, ainda que fique com a opinião de que o jogo não deveria custar mais do que 29 reais pelo conteúdo que me apresentou.
Ao fim, não digo que Snake Pass foi uma experiência negativa, mas acabou não cumprindo as expectativas que o próprio game me deu ao iniciá-lo. Existe potencial para melhorar, restar saber se haverá fôlego e disposição do estádio para produzir um Snake Pass 2. Eu dou uma nova chance se isso acontecer…