Carros 3 | A fórmula do envelhecimento (Crítica)
Depois do fiasco de Carros 2 eu posso entender aquele fã da Pixar receoso de ir ao cinema conferir o terceiro filme da rentável franquia Carros. Rentável graças a criançada, que empurra os pais para os cinemas e adoram estes personagens e todo e qualquer produto que estiver relacionado à marca, fazendo-a ser altamente lucrativa.
Bem, eu sou pai e tenho um filho de quase 5 anos. E sim, ele estava maluco para ir ver Carros 3 nos cinemas. Então fomos conferir a mais nova aventura da turma do pneu de Radiator Spring. Mas como disse na análise do game baseado na animação, estava com uma forte intuição de que Carros 3 honraria com a qualidade do selo Pixar. E isso de fato ocorreu.
Posso recomendar Carros 3 da seguinte forma: curte o primeiro filme? Se curte vá ver, porque ele segue a maturidade do primeiro filme, fazendo uma abordagem adulta em seu roteiro, mas divertida da forma que a Pixar faz tão bem em 99% de suas produção. Não é nada como aquele espetáculo gratuito de Carros 2. Entretanto se você não curte o primeiro carros ou seu universo… não há nada aqui para você. Não precisa nem se dar o trabalho de pensar em dar uma chance. Para gostar de Carros 3 é preciso gostar de do primeiro Carros. Ponto.
Digo isso, quer saber mais sobre Carros 3? Basta seguir em frente, e não se preocupe com faróis vermelho, pois aqui não há pontos de spoilers para temer.
Velocidade, quem é mesmo a velocidade?
Carros 3 basicamente esquece toda a farofada que rolou em Carros 2. Não é um filme do Mate, não há agentes secretos ou qualquer outra adição mirabolante que mude o tema da franquia. Nada disso. Carros 3 é um filme sobre corridas, sobre se sentir perdido e sobre o Relâmpago McQueen.
A animação segue com uma abordagem que mistura muito elementos do primeiro filme, sobre criar uma jornada para se redescobrir, e um pouco daquilo que a Pixar fez com Toy Story 3, quando se pensa nos temas de crescimento pessoal e envelhecimento.
A história segue exatamente da forma como o primeiro Carros termina, com McQueen se consagrando como um grande corredor. Ganhando novas copas, encontrando novos adversários e com o tempo passado. Não é um filme estagnado no tempo, sem que os personagens nunca mudem aquilo que são.
E como acontece no mundo das corridas: novos carros, mais potentes e modernos, substituem os modelos mais antigos. E McQueen se tornou um vovô perto de uma geração de novos corredores. Piadas envolvendo velhice são um elemento recorrente ao longo da trama, e é impossível um adulto assistindo não sentir que a brincadeira não é apenas uma brincadeira.
A gente envelhece, e de repente, começamos a nos sentir obsoleto. Será que não podemos acompanhar o mesmo pique que os jovens possuem? Não conseguimos entender as novas tecnologias? Será que envelhecer é se sentir inferiorizado? Carros 3 pega justamente no calo de um dos maiores problemas dos adultos: se sentir velho.
E um filme sobre uma jornada na qual Relâmpago quer se provar que ainda pode ter o mesmo desempenho e performance que toda uma nova geração de corredores. Tem inclusive um tema recorrente no mundo dos esportes. Jogadores de futebol e esportistas em geral passam por isso. Há um ponto na qual eles simplesmente ficam velhos, as vezes repentinamente, e com isso são convidados a se aposentarem. A saírem enquanto estão por cima.
McQueen não quer se aposentar ainda. Ele ama correr, ama as corridas, e ainda quer se provar. Mas será que isso é realmente possível? Atletas tem realmente prazo de validade? E o que são deles depois que saem das competições? Eis que são estes os temas centrais de Carros 3.
Acidente fatal?
Só que apenas se sentir velho, ser chamado de velho, muitas vezes não é suficiente. Aí entra a polêmica cena, que despertou a atenção de todos que viram o primeiro teaser de Carros 3 quando o mesmo foi revelado ao mundo. McQueen sofrerá um gravíssimo acidente em determinado ponto da animação e isso não é segredo, mas uma circunstância de seu enredo.
E a cena é realmente chocante, seja você um adulto ou uma criança. Na sala de cinema o silêncio foi assustador quando essa cena aconteceu. O meu pequeno ficou chocado, não havia uma criança falando quando essa cena aconteceu. E toda a sequência do acidente é de apertar o coração. A Pixar fez uma cena tão emocionante e tocante quando aquela que existe perto do fim de Toy Stoy 3 ou de Wall-E, quando que apenas por poucos segundos você é induzido a perder as esperanças.
Quando McQueen sofre um acidente, o ambiente muda completamente. Ele não é mais aquele carro molengão, com olhos e caretas, que pula e se mexe de forma que fisicamente um corpo de metal se mexeria. Relâmpago se torna um carro de verdade, com metal retorcendo, arranhando, faíscas saindo da pista, lataria amassando. Não há olhos ou gritos… há o mais puro impacto de um carro em alta velocidade sendo destroçado pelo asfalto. É chocante.
Quem acompanha corridas automobilística já deve ter visto um acidente que lhe deixou chocado. O acidente de Relâmpago McQueen se equipara muito a estes acidentes reais. Por alguns segundos você se esquece completamente que ali está um carro falante. E se eu como adulto fiquei assim, imagine a sensação de uma criança vendo essa cena? Jogada ousada da Pixar.
Ponto sem retorno
Carros 3 tem o mesmo efeito de Toy Story 3. Há uma construção para ser um ponto sem volta. O universo da franquia vai mudar após o filme. Nada mais será como antes.
Porém no geral não é um filme inovador. Como disso lá no começo, a premissa se apoia muito na fórmula do primeiro Carros. Há um personagem em dúvida, perdido, não desta vez em arrogância, mas no fatídico fato de que está velho e não consegue mais acompanhar os tempos modernos.
Gosto do uso pontual de diversos personagens da série. Mate, por exemplo, não é uma presença constante aqui, ainda que já uma cena dele, envolvendo uma ligação telefônica, que faz valer a pena toda a sua existência como amigo de McQueen. Sem falar que sempre fico com a impressão da dupla Mate e McQueen ser meio como Pateta e Mickey nos quadrinhos. São personagens que funcionam em detrimento um do outro. Mate faz o papel que tem que fazer, no momento em que precisa fazer. Não há seu uso de forma excessiva e gratuita.
A morte do Doc Hudson (já que o ator Paul Newman faleceu em 2008) é parte essencial da trama, já que McQueen se encontra perdido em uma situação muito similar ao passado de Doc, a ponto de ir se encontrar velhos companheiros de seu mentor para tentar descobrir como superar sua crise pessoal. E funciona muito bem estes elementos.
No geral Carros 3 aposta em um novo elenco de personagens para interagir com Relâmpago, em novos e incríveis cenários. E todos funcionam muito bem. Os antigos ressurgem, mas são utilizados quando se fazem necessário. A meu ver isso é um excelente ponto positivo.
Vale ver nos cinemas?
Se você é fã da Pixar certamente é um ingresso que não irá se arrepender de comprar. Não se trata de uma sequência gratuita ou engessada, na qual começa em um ponto e não leva a lugar nenhum. É uma história que se desenvolve e avança em seu universo. Se houver um Carros 4, tudo que acontece aqui não vai mais poder ser ignorado.
Claro, que se você não curte o primeiro Carros, não deve curtir esse também. O que é uma pena. Apenas é difícil dizer se Carros 3 é melhor do que o primeiro Carros. Fico dividido nessa questão. Acho que Carros 1 se perde e se arrasta além do necessário em algumas partes de seu roteiro, enquanto Carros 3 tem uma dinâmica mais divertida e nunca fica cansativo.
De quebra é possível conferir o curta metragem Lou, também da Pixar. É engraçado e divertido, mas não é tão excepcional quando outros clássicos do estúdio.
Para encerrar, só tenho um único problema com Carros 3: não gostei do final. É óbvio que não darei spoilers do final do filme, mas deixo em aberto essa possibilidade nos comentários. Sinceramente não discordo do final dos personagens. Em um certo momento próximo do fim a trama dá aquele clique na cabeça dizendo como tudo vai acabar. Só não concordo como esse final foi induzido.
Achei forçado o fim. Eu queria que o filme me provasse um ponto que não me provou. Existiu uma urgência de criar um plot twist, uma pirotecnia para dar uma emoção que poderia ter ocorrido momentos depois e que os roteiristas decidiam adiantar desnecessariamente. Não me agradou, mas não achei que estragou por completo a experiência.
Até porque, lendo comentários por aí, parece que é para ser mesmo um final que divida as pessoas. Tem quem curtiu, tem que não curtiu. Justo.