Inuyashiki é um daqueles títulos que não dá para saber o que esperar da trama até de fato pegar a primeira edição para ler. Mais difícil ainda é escrever a seu respeito sem entregar a inesperada surpresa que qualquer leitor que chegue ao título sem saber nada a seu respeito sequer consegue imaginar que poderia existir no primeiro volume deste mangá. E farei de tudo para não estragar essa surpresa nestas impressões de primeira edição.
Dá para começar falando que se trata de um título relativamente recente, que começou a ser publicado no Japão em 2014 e foi concluído agora em julho desse ano, fechando sua história em 10 volumes, um número relativamente bom para se colecionar, especialmente pelo fato da Panini o estar publicando-o aqui de forma bimestral (o bolso de todo colecionar que está sofrendo com essa crise econômica agradece).
Elogios também para a versão impressa, com a capa com esse efeito que brilha (qual o nome técnico disso? não faço ideia). A primeira edição também contém algumas páginas coloridas e mesmo no padrão da impressão em papel jornal se manteve o preço dessa faixa, 14 reais. Um mangá com bom custo benefício. E não é um título que me parece precisar de mais do que isso, ainda que eu realmente goste muito de mangás impresso em offset, porém sei que isso impacta o preço.
O autor do mangá é Hiroya Oku, que tem como sua obra de maior sucesso o mangá Gantz, que foi publicado no Japão entre 2000 até 2013 em 37 volumes. Aqui no Brasil Gantz também foi publicado completinho pela Panini, entre 2007 até 2014.
É curioso mencionar Gantz porque no último capítulo do primeiro volume de Inuyashiki há essa referência do título como sendo um mangá “de merda”, em uma brincadeira feita pelo próprio autor.
Do que se trata?
Então, essa é parte que dá para explicar até certo ponto. Vou mencionar apenas a parte inicial, que faz parte da sinopse desse primeiro volume. Já comprei a segunda edição e espero voltar para conversar a respeito em uma segunda rodada, na qual aí sim mencionarei a reviravolta maluca que a história do mangá possui, mais consciente também para aonde o autor quer levar estes personagens. Assim dou a chance de quem ainda não leu esta primeira edição poder correr atrás dela.
O mangá começa com esse senhorzinho que parece ter uns 80 anos, mas que na verdade tem “apenas” 58 anos. Seu nome é Ichiro Inuyashiki e ele é o protagonista do mangá. Isso soa estranho, porque não é como se esse fosse uma obra voltada para leitores da terceira idade. Inuyashiki é um título adulto/juvenil e ter um personagem central nessa idade é algo incomum.
A parte juvenil do mangá está relacionada à maluquice do evento que ocorre no meio do primeiro volume e que não irei deixar explícito do que se trata aqui nesse primeiro texto. Porém o caminho até isso, a primeira parte desse volume é de uma qualidade excepcional que o mangá já havia me conquistado antes desse evento inesperado. O carisma, a simpatia e a solidariedade para com o senhor Inuyashiki ocorre muito antes de sua vida virar de pernas para o ar.
O caso é que Ichiro Inuyashiki é um pai de família desrespeitado pela mesma. Seus filhos, um garoto e uma garota, têm vergonha dele, e sua esposa aparenta não possuir qualquer afeto por ele. E não ajuda nada ele ter uma idade que não condiz com sua aparência. Inuyashiki parece ser muito velho, vive tremendo e parece que a sua saúde não anda muito bem.
A primeira parte dessa primeira edição constrói muito bem essa triste vida e rotina do pobre Inuyashiki. E não é como se ele fosse uma má pessoa. Fica bem claro que ele vive em função de sua família, mas que a mesma não é grata a isso em nenhum ponto sequer.
Há uma cena inicial que deixa isso bem claro: quando todos chegam à nova casa que ele construiu e do nada todos saem para comer fora e ele sequer é convidado, se vendo obrigado a comer sozinho, em meio às caixas da mudança já que a casa não impressionou muito bem a família.
O drama de Inuyashiki é muito verossímil e, portanto é muito fácil se solidarizar com o personagem. Em certo momento ele se vê comprando um cachorro na tentativa de ter um pouco mais de carinho e amor em sua vida, seja pelo bichinho ou na expectativa que a família vá gostar de sua ideia. Mas é só mais uma tentativa fútil de tapar um buraco enorme que existe em seu coração machucado.
Pode ser que o mangá passe essa ideia de ser uma obra triste e depressiva, e em certa parte ela é, mas é um pouco mais do que isso. Ele também é uma engenhosa crítica social em meio à cultura e estilo de vida dos adultos e dos jovens japoneses. Ao quanto não mais nos importamos com as pessoas, sejam elas membros de nossa família ou um desconhecido completo. Há uma abordagem muito impactante sobre a forma fútil na qual um humano trata o outro, com uma certa evidência naquele embate entre gerações, jovens contra idosos.
Essa crítica surge não só no aspecto da família do Inuyashiki, mas posteriormente, do meio ao fim da primeira edição há uma cena envolvendo alguns jovens e um desabrigado vivendo nas ruas. É um momento bem impactante, principalmente porque o retrato desse desabrigado é de alguém que está nas ruas porque a vida lhe surrou e quando ele ganha um pequeno brilho de esperança esse grupo de jovens chega para apagá-la.
Cada momento do título parece muito bem pensado e planejado. Existe um teor de solidariedade que permeia a leitura, seja com seu protagonista, seja nas situações em que ele vai se encontrar. O autor cria um baque no leitor, mostrando quão má as pessoas podem ser e elas sequer conseguem perceber isso.
Inuyashiki sente isso na pele ao receber uma notícia muito triste sobre seus exames médicos e não ter sequer chance ou coragem de contar a sua família. Até que uma inesperada reviravolta do destino criar uma nova perspectiva de vida.
Esse é o ponto em que não quero contar. Volto em um segundo texto para abordar isso. Basta saber que Inuyashiki é um mangá de ficção científica. Sim, eu sei que nada do que abordei até aqui coloca esse aspecto em questão. E eu me peguei sendo surpreendido ao descobrir isso lendo essa edição (mas não é mais surpreendente do que o evento em si).
A boa é que mesmo com o advento da ficção louca e insana, o mangá não perde a essência do cenário apresentado em seu começo. Inuyashiki vê sua vida virada de pernas para o ar, mas os aspectos de sua tristeza, da falta de respeito e de tudo que advém pelo seu aspecto físico continua depois do que vai lhe ocorrer.
Claro que este é só o primeiro volume. Há mais nove para o autor trabalhar. O final apresenta outro personagem, o contra ponto do que Inuyashiki deve vir a representar daqui em diante. O que torna as minhas expectativas para a segunda edição ainda maiores!
Conclusões de primeira edição
Tem sido uma boa temporada para descobertas de mangás em bancas. Passei a colecionar novos títulos, como Slam Dunk, Fort of Apocalypse, Dr. Slump, Ajin e Arakawa Under the Bridge. E Inuyashiki acaba de entrar nessa lista de mangás que passarei a acompanhar. Ajuda poder comprá-los online mais barato na Amazon.
O título é muito bom no sentido de dar algo diferente do habitual. Talvez a parte da ficção científica seja um pouco clichê para quando se olha dentro desse gênero em si, mas é a forma como outros elementos são construídos que tornam o título excepcionalmente interessante. É a parte da crítica social que dá certo contexto e discussão em torno dos temas abordados.
Nesse sentido me lembrou um pouco o debate que Death Note levantou quando se tornou um sucesso, sobre questões como a justiça acima das regras da sociedade, se meios justificam o fim e do tamanho de um poder nas mãos de um único ser humano.
Inuyashiki me pareceu tem algumas pitadas disso, abordando relações familiares, falta de respeito e de solidariedade em nossa sociedade e até mesmo como os jovens estão se tornando adultos sem qualquer empatia pelo próximo. Resta saber se os trilhos não vão descarrilar nos próximos volumes.
Considerando que a obra teve uma boa duração e que está para ganhar uma versão em animê ainda esse mês (exclusivo da plataforma Amazon Prime), diria que não há com o que se preocupar com a qualidade da obra. Eu apostaria algumas fichas em Inuyashiki e diria que pelo menos esse primeiro volume vale e muito a pena ser lido.