O mundo de Mass Effect é fascinante, o sucesso comercial da primeira trilogia de games é prova factual disso. O grande problema hoje talvez seja a porta de entrada para esse universo, pois o primeiro game deu uma boa envelhecida para um título lançado em 2007. Minha opinião, que fique bem claro.
Considere que mecanicamente o jogo não é tão divertido hoje quanto era em seu lançamento, mas talvez o maior problema seja o fato de que o título nunca foi localizado em português, pois o mercado de games na época ainda não tinha o hábito de localizar os principais lançamentos para nosso idioma. Isso limita bastante o acesso a uma parcela de brasileiros curiosos e interessados.
Some também ao fato de que são três jogos, diversos quadrinhos e livros que compõem a história original da série. Correr atrás de tudo isso hoje em dia é no mínimo… exaustivo.
É por isso que fiquei animado quando Mass Effect Andromeda foi anunciado. A proposta da BioWare, estúdio responsável pelo desenvolvimento dos games, foi dar um novo início para a franquia, permitindo que novos interessados chegassem até esse universo sem que necessariamente tivessem que conhecer o material que ficou na geração passada de videogames.
Para tal, um novo game foi desenvolvido, conjuntamente com um livro (este que é assunto desta matéria) e uma série em quadrinhos com quatro edições (que ainda permanece inédita no Brasil). Tudo com a intenção de criar um recomeço, uma nova porta de entrada.
Não quero entrar no mérito aqui a respeito da qualidade de Mass Effect Andromeda como um game em relação à trilogia original e em como ele foi mal recebido pela crítica e fãs no primeiro semestre desse ano. Eu, particularmente, não tive como base os games anteriores, então não achei o jogo ruim ou problemático como muitos que possuíam a base original acharam.
Até lamento que o fracasso comercial de Andromeda tenha feito a Eletronic Arts, distribuidora global do game, decidir que Mass Effect ficará algum tempo na geladeira até que a empresa e a BioWare resolvam o que devem fazer com a franquia. Hoje paira muitos dúvidas no ar se um Mass Effect Andromeda 2 poderá acontecer, ou se a BioWare criaria uma nova série ou se de repente reiniciaria tudo de novo, como um reboot. Não se sabe.
Enfim, deixando um pouco essa polêmica das críticas e do fracasso comercial, ainda assim tive a curiosidade e o interesse de aproveitar essa chance de finalmente conhecer um pouco esse universo onde humanos e outras raças alienígenas convivem juntos, aos trancos e barrancos, com dilemas éticos, morais, políticos em busca de uma solução para conviverem juntos sem que suas crenças, preconceitos e costumes atrapalhem uns aos outros.
A respeito do game em particular há uma série de miniposts que abordam a minha experiência inicial com as primeiras horas da campanha e da trama inicial. A minha vontade é voltar a jogá-lo ainda esse ano. Admito que acabei interrompendo meu gameplay justamente porque queria conhecer e ler o livro (agora em mãos) que precede o jogo, lançado aqui no Brasil pela Editora Pixel.
Nesse meio tempo, Mass Effect Andromeda agora está disponível em sua versão completa e atualizada para todos que são assinantes do EA Access no Xbox One, o que talvez significa que novas pessoas irão dar uma chance ao título. Torço para que isso o fortaleça um pouco nos próximos meses.
Insurreição na Nexus
Mass Effect Andromeda: Insurreição na Nexus é uma espécie de prólogo para os eventos principais do jogo. Foi lançado simultaneamente com o game lá nos Estados Unidos, o que diga-se de passagem não foi lá uma grande ideia.
Teria sido muito melhor se o livro saísse talvez duas ou três semanas antes do game, especialmente se for considerar que parte do jogo fica bem mais interessante quando se já conhece previamente certos personagens e eventos que são mencionados na campanha do game e que estão melhor explorados na trama do livro.
Não é obrigatório ler o livro para se jogar o game, assim como também não é obrigatório conhecer o material do passado de Mass Effect para ler o livro. Mas é claro que quanto mais se estiver habituado ou acostumado com esse universo, suas nomenclaturas e trejeitos, mais fácil fica para assimilar as coisas, seja no game ou no livro.
No meu caso foi tudo uma questão de assimilação. Nunca joguei a trilogia original, sabia pouquíssimo sobre a história dos games anteriores e nunca li qualquer material extra da série. Só que ler ou conhecer um novo universo de Ficção Científica nunca algo difícil pra mim. Quem está habituado com esse gênero, seja por meio de filmes, seriados, quadrinhos, games ou livros consegue se adaptar rapidamente as estruturas do mundo de Mass Effect.
A história
Deixando para trás certos pontos de como o mundo dos humanos evoluiu a ponto de conhecer outras raças alienígenas, os primeiros contatos e os conflitos que surgiram desses eventos, é preciso apenas saber que estamos em um futuro onde essa realidade é possível. Podemos viajar no espaço e nos relacionarmos com outras raças a ponto de vivermos em uma sociedade onde todos se misturam.
Mass Effect Andromeda surge em um ponto entre Mass Effect 2 e Mass Effect 3 (não que isso importe alguma coisa), aqui não há menção de guerra ou conflitos entre raças ou disputas territoriais. O final da trilogia original sequer tem importância aqui.
O que importa é esse plano de expansão espacial entre as raças desse universo. Um momento neutro onde foi possível planejar a expansão e colonização de uma nova galáxia, chamada Andromeda, projeto este que passou a ser chamado de Iniciativa Andromeda. Qual a pegadinha? A viagem para essa nova galáxia levará 600 anos.
Complicado, porém ainda assim possível de ser realizado. Uma nova galáxia inteira para algumas espécies poderem recomeçar. Cinco raças fazem parte da iniciativa: humanos, salarians, turians, krogans e asaris.
O livro não esclarece em detalhes as origens de cada uma destas raças, resolvendo lidar com elas de forma mais natural, de um jeito que para aqueles que estão chegando agora acabem se acostumando e habituando com as particularidades de cada uma delas, enquanto aos poucos vai dando informações de porquê certas raças não se dão bem com outras ou porque possuem rusgas com alguma outra raça específica, o passado surge em pequenos trechos, mas sem grandes pausas narrativas para se ficar explicando. O que é bom, pois não quebra o ritmo da trama.
Certamente o livro, assim como o game, instiga que a pessoa fique mais curiosa por esse universo e vá atrás de outras bases e fontes parar conhecer e aprender mais a seu respeito. Não é diferente de como Star Wars ou outras séries de ficção científicas funcionam nesse meio.
E bem… 600 anos é muito tempo! Imagine dormir, em criogenia, agora em 2017 e acordar somente em 2617. O quão diferente as coisas poderiam estar? Imagine viajar para um ponto do espaço sideral que você sequer vai ter uma ideia do que irá encontrar. Lembrando que é uma viagem sem volta. Todos que você conheceu e que ficaram para trás, amigos e familiares, já estão mortos. Não importa mais com o que aconteceu o mundo deixado para trás, o que importa agora é esse novo mundo que precisa ser colonizado. Não há meios de contatar a Via Láctea, a distância é muito grande. A grande pergunta é: você toparia essa aventura?
Se tudo desse certo, essa colonização da Galáxia Andromeda se daria por meio de uma grande viagem onde todos estariam dormindo em grande arcas, uma para cada raça, com um Pathfinder (algo como um líder com grandes habilidades para cuidar de todos) em cada uma delas. Uma das principais arcas, a Nexus, seria enviada primeiro, contendo vários voluntários de diversas raças que estabeleceriam uma base para que todas as demais arcas atracassem nela e lá construíssem a primeira base temporária antes de encontrarem os primeiros planetas habitáveis. Um bom plano, não? Até dar tudo errado.
Agora é um bom ponto para separar o livro do game. O game começa com o jogador acordando na arca dos humanos, a Hyperion. A história acontece sobre a ótica de um dos filhos (Ryder ou Sarah) do Pathfinder dos humanos. Logo se descobre no game que a galáxia de Andromeda não é aquilo que se pensou que fosse. A Hyperion em certo momento irá se encontrar com a Nexus, a primeira nave a chegar à Andromeda e irá descobrir que as coisas não foram tão fáceis para os primeiros a chegar a esse novo mundo.
Então o livro narra os eventos antes da Hyperion, especificamente em como a Nexus chegou em Andromeda e em como quase tudo foi por água abaixo. O livro começa com Sloane Kelly, diretora de segurança, acordando de repente da criogenia com a Nexus em completo colapso, com uma pane que pode colocar em risco a vida de milhares de tripulantes que sequer acordaram. O que aconteceu?
São dois momentos diferentes, game e livro. A galáxia de Andromeda tem seus mistérios, tem seus segredos e não é dever do livro explica-los. Estes pontos são trabalhados no game. O objetivo do livro é apresentar os riscos, mostrar as primeiras semanas da chegada da Nexus, nesse ambiente que quase matou a todos ali e compor a galeria de personagens que irão se tornar meio que os líderes de toda a Iniciativa Andromeda. Quando se chegar no ponto de conhecer a Nexus no game, os líderes dela estão estabelecidos, independentemente da escolha e clara tensão entre a hierarquia estabelecida, eventos estes que o livro faz o contexto de como ocorreram.
Tensão espacial
A parte mais legal de Mass Effect Andromeda: Insurreição na Nexus certamente é toda a tensão espacial que existe em sua narrativa. Afinal os personagens estão presos em uma arca espacial a 600 anos de suas casas e de qualquer chance de surgir alguém para resgatá-los.
É a Nexus que possui a estrutura para todas as outras naves se estabelecerem na nova galáxia. Se ela não se recompor, não só todos ali irão morrer mas como todas as outras naves enviadas para Andromeda também não terão aonde aportar e estarão em sérios riscos.
Não quero revelar aqui o que levou a Nexus a entrar em colapso, quem jogou o game certamente sabe ou tem uma ideia, mas o livro leva esse mistério por vários capítulos, até dar uma ideia do que realmente aconteceu na nave. O problema é que a ameaça é uma daquelas coisas que não se sabe o que é, então não se sabe sequer se é possível combater.
A tensão não surge apenas porque a Nexus entrou em pane, mas porque líderes da nave desapareceram e outros menos preparados para estas funções precisaram assumir. A trama trabalha de perto com personagens que são encontrados no game. Personagens estes mostrados ilustradamente no decorrer desse texto.
A primeira parte do livro é bem empolgante, com um clima de urgência que eleva a adrenalina da leitura. O prólogo apresenta alguns personagens, em destaque para Sloane, sendo que encerra com ela entrando em sua câmara de criogenia para despertar no primeiro parágrafo do primeiro capítulo com a Nexus em prantos, com alarmes soando e nada fazendo sentido. Esse clima de desespero segue por diversos dos primeiros capítulos. (Vide os trechos acima).
O que fazer? Quem acordar? O que diabos está acontecendo? Cadê os responsáveis pela nave? São perguntas que pairam sobre a cabeça do leitor enquanto Sloane corre pela Nexus em busca de respostas e sobreviventes acordados em meio ao caos, sendo que a cada momento a coisa vai piorando até o ponto em que um jeito será dado pelos tripulantes, um jeito bom ou ruim.
No momento em que escrevo essa matéria estou na metade do livro, li aproximadamente 200 de suas 400 páginas. E já percebi que apesar dele não dividir explicitamente, a trama se divide em alguns momentos chaves do ponto em que a Nexus chega em Andromeda até o ponto em que ela irá se estabilizar para o ponto em que ela é apresentada no game (mais estável, mas ainda cicatrizando de todos os problemas de sua chegada à galáxia).
A parte em que li diz respeito ao colapso e o ponto de reparos, onde esta última parte tira um pouco o foco da Sloane para mostrar outros personagens centrais da história e o barril de pólvora que a Nexus tem se tornado graças a todos os problemas apresentados. O sonho do mundo perfeito em Andromeda se despedaçou muito rápido. O suporte vital da nave está em frangalhos, não há estações de alimentos sendo preparados e os recursos são escassos e os líderes da situação… bem, eles não são aqueles que a tribulação gostaria que fossem.
E não é como se alguns personagens sejam vilões nesse cenário, o que torna tudo mais interessante ainda. É aí que entra o problema das raças, das crenças, preconceitos e até mesmo a história do passado de cada um delas. Respeito e hierarquia, poder e politicagem permeiam esse ato do livro. Todos aceitaram a missão de uma nova vida, um novo começo, aceitando deixar para trás um mundo de preconceito e tentativas de extermínio entre as raças. Recomeçar do zero? Não é tão fácil assim quando todos estão confinados em uma nave prestes ficar sem recursos ou suporte vital. E abandonar a Nexus não é uma opção, pois a colonização de toda Andromeda depende dela ser reparada para poder receber as arcas que estão à caminho.
Gosto em particular do personagem Jarun Tann, um salarian que acabou se tornando líder nessa situação de crise na Nexus. Aparentemente as raças em Mass Effect não curtem salarians na liderança em uma situação de crise. Eles são frios, calculistas e racionais demais, o que não parece ser bem visto pelos personagens da trama. Eu já havia encontrado com ele no game e concordo que Tann é um personagem difícil de se lidar e que no livro é pintado não como um vilão, mas como uma inconveniência. E não é como se ele estivesse fazendo as coisas na maldade ou tomando decisões erradas. Ele não está. E mesmo assim ninguém gosta dele.
Insurreição na Nexus é um livro interessante. Achei que teria dificuldade para entrar nesse universo tão consolidado de Mass Effect, mas o livro é realmente acessível a novos leitores, tornando fácil assimilar os conceitos das raças e na aventura que não tem um vínculo direto com o passado dos games anteriores. Não é preciso ter uma bagagem. É de fato um ótimo livro para começar a conhecer um pouco mais de Mass Effect, e isso independente do mais game ter ou não tido sucesso em sua empreitada.