A Hat in Time | Aventura e plataforma 3D do jeito certo! (Impressões)
Apesar de uma campanha de muito sucesso realizado em 2013 no Kickstarter, A Hat in Time foi uma das minhas grandes surpresas (e descobertas) do final de 2017. Tomei conhecimento do game em outubro passado, quando o jogo chegou ao Steam e logo descobri que em breve ele chegaria a mais plataformas, o que veio a ocorrer no último mês de dezembro, quando o título chegou ao Xbox One e PlayStation 4. E cá estou, satisfeitíssimo de ter conhecido um dos mais divertidos games de 2017.
Vamos lá. A Hat in Time atinge precisamente um gênero que nos dias de hoje sobrevive em grande parte pela vertente dos indie games, mas que é influenciado por gigantes do passado dos videogames. Títulos como Super Mario 64 (e ainda mais de Super Mario Sunshine), Banjo-Kazooie e Psychonauts.
Trata-se de um game de aventura e plataforma 3D, com mundos tridimensionais divididos por capítulos onde o objetivo em cada um deles é coletar ampulhetas especiais, enquanto nesse meio tempo há diversos itens colecionáveis para também se correr atrás, destravando assim novas habilitadas para a carismática protagonista da história.
A garota, que é apelidada apenas como Hat Kid, na verdade é uma viajante intergalática, na qual tem sua nave invadida ao se aproximar de um planeta e em meio a um acidente vê o combustível da nave, as tais ampulhetas com poder de manipular o tempo espaço, escaparem de seu cofre e se espalharem por todas as regiões do estranho e diversificado planeta na estava passando. Agora cabe a pequena garotinha ir atrás de todas as ampulhetas para continuar sua viagem espacial.
Nota-se que a trama em si não tem nada de especial, mas funciona dentro da proposta na qual do jogo e suas mecânicas, tal como as estrelas nos jogos 3D do Super Mario. É apenas um pretexto para viajar por diversas regiões e explorar estranhos ambientes. A surpresa vem na forma como a Gears for Breakfast, estádio responsável pelo desenvolvimento do game, soube criar histórias menores dentro do escopo central do jogo. Cada mundo é individualmente interessante, repleto de bons temas, personagens e que também sabem mexer com a jogabilidade como um todo de A Hat in Time.
Mundos bem construídos
Cada mundo do game é único, mas mais do que isso, as habilidades que a garota de chapéu ganha adquirindo novos chapéus também cria ritmo e abre novas possibilidades às mecânicas e formas de como o jogador vai explorar individualmente cada um destes mundos.
Tanto é que a progressão não é um mundo de cada vez, e sim uma mescla na qual novos mundos vão sendo destravados e o jogador deve avançar para eles a fim de adquirir novas habilidades e aí sim voltar e explorar novos capítulos dos mundos previamente já visitados. Isso é legal para não deixar o game monótono ou cansativo, mesmo que dentro de cada um dos mundos, os capítulos podem ser bem diferentes na forma como lidam com o tema e ambiente destes.
Tais mudanças são bem visíveis em casos onde o primeiro mundo, uma cidade litorânea comandada pela máfia – onde os capangas são meio que bobocas, porque o jogo é assim, com um humor bem leve, seguindo o estilo gráfico na qual ele se apega – possuem áreas que só podem ser visitas em um ou outro ato. Ou então nas mudanças climáticas existentes nesse mundo, já que os atos podem ser durante o dia ou à noite, existindo até mesmo uma situação onde tudo é inundado por lava.
Se for comparar, diria que A Hat in Time, tem muita influência na forma como Super Mario Sunshine, do saudoso Nintendo GameCube, evoluiu em relação à Super Mario 64, onde os mundos carregavam diversas áreas e surpresas que tornavam impossível explorá-los de uma única vez e o jogo criava boas ideias para alterar o ambiente quando o jogador fazia esse retorno a estes mundos.
O mais impressionante é que A Hat in Time não fica apenas nas boas influências, mas também consegue ir além e ter suas próprias ideias. O segundo mundo é prova disso, ao colocar o jogador para explorar um estúdio de cinema onde dois personagens rivais criam ambientes de filmes onde a carismática protagonista devem interpretar os papéis principais em diversos atos.
Neste caso o que se encontra é um mundo não linear, onde há poucos momentos de áreas de livre exploração. A principal atração aqui é executar um roteiro designado pelos coadjuvantes do arco. Em um capítulo o jogador está testando sua destreza pulando entre edifícios enquanto lidera uma banda de corujas que fica lhe seguindo e não pode lhe alcançar, enquanto em outro está investigando um misterioso assassinado em um trem em movimento onde pistas devem ser encontradas e os inimigos não podem lhe ver xeretando os vagões. Este segundo mundo talvez seja uma das melhores experiências que A Hat in Time tem a oferecer.
Dá para dizer que é uma pena que o game como um todo tenha apenas quatro mundos. Bem, talvez cinco se considerar que o último capítulo é dentro de um ambiente próprio para o grande finale do game, que é digno daquelas fases de castelos complexos que Bowser sempre tem a oferecer nos games do encanador.
A boa notícia é que graças às metas estendidas da campanha de 2013 no Kickstarter, A Hat in Time, ainda deve receber mais dois mundos extras, sendo que um deles está garantido para sair em 2018. Outra novidade que também vale ter expectativa é um modo cooperativo para dois jogadores. São conteúdos que serão lançados pelos próximos meses e que devem ser gratuitos a todos que estão adquirindo o game nessa fase inicial de lançamento. Ao menos é que dá a entender pelo site oficial.
Mas mesmo que estes conteúdos adicionais possam vir a sair como DLCs pagos para aqueles que não se tornaram apoiadores do game na época de sua campanha no Kickstarter, é algo que após essa experiência que tive com o game principal, espero ansioso por mais novidades a seu respeito e não me importaria de pagar para tê-los dependendo de quanto irão custar.
Para não passar batido, sendo que na verdade eu é que não quero dizer muito sobre o terceiro e quarto mundo, já que ser surpreendido em como estes mundos criam novas dinâmicas para que o jogador lide com seus capítulos é um dos pontos mais legais do sistema de progressão do jogo, vou me limitar a dizer que o terceiro capítulo explora um mundo sobrenatural, enquanto o quarto se passa em altas montanhas onde é preciso alçar grandes alturas.
Em termos de comparação, admito que gostei muito mais dos dois primeiros mundos, ainda que o terceiro tenha um dos melhores personagens do jogo todo, uma entidade fantasmagórica que irá lhe fazer assinar um contrato que… bem, não vou dar esse spoiler aqui.
Já o quarto mundo, o que não me agradou muito e acho que isso é apenas algo mais pessoal, é a forma como ele dá liberdade demais para sua área ser explorada. Sendo bem sincero, no ponto em que o destravei tudo que queria nesse momento era seguir em frente. Na verdade acho que o quarto mundo funciona muito melhor como um pós-game, depois de ter terminado algumas coisas e a campanha em si. É aquele momento em que não é preciso ter pressa e aí a exploração mais livre funciona – apesar de que acredito que os produtores entenderam isso, pois até mesmo a última habilidade que está nesse mundo quatro não é um requisito obrigatório para terminar a última missão do game.
Além dos mundos, A Hat in Time, tem pequenas missões fora do tempo espaço, em pequenos distúrbios temporais causados pelas ampulhetas, eis um exemplo aqui. Estas missões possuem cenários mais abstratos ou apenas estranhos, algo que também se assemelha muito as missões extras que existem em Super Mario Sunshine. Nelas o desafio é sempre chegar ao final do trajeto, sempre desafiando o jogador com pulos e saltos que desafiam a destreza com os controles.
Uma última observação que preciso elogiar nesse segmento diz respeito aos mundos bem construídos de A Hat in Time em relação às batalhas de chefes. O game tem excelentes batalhas contra chefes de diversos tamanhos, de diversas formas. Seja o chefão da máfia, um banheiro assombrado, um pinguim dançarino ou a garota de bigode, todas as batalhas são excelentes. Podem não ser super difícil, mas vai exigir do jogador o mínimo de destreza.
Pulos e chapéus
Além de mundos carismaticamente bem construídos, outro ponto alto de A Hat in Time são seus controles e sua jogabilidade. Tal como um Super Mario 3D, a protagonista do título pode saltar quase de forma semelhante ao bigodudo da Nintendo.
Salto duplo, barrigada no ar e logo em seguida dar um novo mortal antes de cair no chão, subir em paredes quando se está perto do topo, pular entre uma ou outra estrutura vertical. Tudo isso dá uma grande mobilidade à personagem, que consegue subir, pular e atingir quase todos os lugares dos mundos do jogo. Quando não é possível, ou é porque não é um local que o jogo quer que você chegue lá no momento, ou porque o mundo acabou e só lhe resta uma parede invisível, o que infelizmente é uma característica de mundos tridimensionais que dão muita liberdade ao jogador para explorá-lo – não que os mundos de A Hat in Time sejam pequenos, pois não são.
Essa mobilidade de alta eficiência é somada as habilidades dos chapéus que vão sendo destravados ao longo do game conforme o jogador coleta novelos de lãs espalhados pelos mundos. Um chapéu de bruxa que permite criar uma bomba química que explode certos objetos, ou um chapéu que é utilizado para saltar grandes distancia ao se transformar em uma estátua de gelo, ou um que simplesmente lhe permite correr em altas velocidades. Em certos casos, bem raros, são habilidades obrigatórias para passar por alguns capítulos de certos mundos e o jogo sabiamente tranca esse capítulo lhe avisando que o jogador ainda não está pronto para ele. Um aviso mais do que bem vindo, já que recentemente passei por um aperto terrível em outro game que não pensou na praticidade em dar esse alerta ao jogador.
Talvez uma única crítica neste ponto seja que depois que se coleta o suficiente de um novelo específico para criar um chapéu novo, meio que passa a ser inútil continuar coletando os novelos para esse mesmo chapéu já destravado. O game poderia mudar isso criando algum outro item colecionável, pois o caso é que há mais novelos do que o necessário para a criação de cada chapéu, justamente pela liberdade existente no jogo como um todo para que o jogador tenha sua própria experiência dentro da progressão mais flexível possível. Novos chapéus não são abertos no mesmo ponto para todos os jogadores, o que cria esse cenário onde existe mais do que deveriam e que por isso, eventualmente eles se tornam meio que inúteis. Poderiam virar, por exemplo, tokens de uma roleta que existe na nave que cria skins de roupas e chapéus diferente aos já destravados. Seria mais útil dessa forma.
No mais, a Hat in Time é muito mais sobre percorrer plataformas e obstáculos do que ficar lutando massivamente contra inimigos. Os mundos tem um ou outro tipo de inimigos, mas nada que vá lhe tirar o fôlego, exceto os chefes. No geral é bem tranquilo dar conta dos inimigos, bastando travar o pulo em suas cabeças ou usando um guarda-chuva para atacar.
Falando em guarda-chuva, o jogo também traz o que ele chama de badges, que são pequenos pins que podem ser grudado nos chapéus e dão habilidades passivas ao jogador, como ao cair de grandes alturas fazer o guarda chuva se abrir para amortecer a queda ou ser um ímã que atrai esmeraldas próximas, sendo que estas são as moedas do jogo, que permitem que se comprar outros badges. É um detalhe menor, mas que tem também um impacto significativo na jogabilidade.
Controles é um ponto importante nesse tipo de jogo. Se mal planejados eles podem ser uma tortura que quebram a experiência do jogador como um todo. Frustram, irritam e podem até quebrar a proposta de diversão do game. Felizmente A Hat in Time não sofre desse mal, tal qual, por exemplo, Yooka-Laylee teve alguns problemas ano passado (e até um dos motivos dele não ter sido tão mágico como muitos, inclusive eu, esperavam). Controles precisos, mundos bem construídos e liberdade sob medida para o jogador entender seus próprios limites é que aguarda quem resolver se aventurar por A Hat in Time.
Considerações finais
A Hat in Time é um daqueles indie games que podem facilmente passar batido por alguns, mas por favor não deixe que isso aconteça com você, especialmente você é um daqueles jogadores que são fãs dos antigos, mas jamais esquecidos, jogos de aventura em plataforma 3D.
Super carismático, sem apelar para humor de baixo nível, com controles impressionantemente precisos, com mundos que sabem criar dinamismo e ritmo a experiência como um todo, é um título que é quase que obrigatório para quem curte essa proposta.
Tem um visual mais infantil, mas não é um título que só agrada os pequeninos. É muito bem estruturado, e encantador na medida que um adulto também facilmente compra os personagens e suas pequenas histórias. E não é um jogo curto, ainda que consista em somente quatro mundos. Levei aproximadamente 16 horas para fechar sua campanha e ainda deixei missões e segredos em aberto para explorar após sua conclusão.
Um último elogio que merece ser feito diz respeito trilha sonora de A Hat in Time, que tem ótimas faixas instrumentais ao longo de todos os cinco mundos e fases extras. Algumas delas, como a da Tela de Start do game, grudam facilmente na cabeça do jogador. E todos os personagens possuem vozes em áudio em meio aos balões de texto, e não há nada daqueles murmúrios que muitos jogadores se irritaram ao encontrarem esse efeito emYooka-Laylee (apesar de que pessoalmente não acho ruim esse efeito). Porém existe uma badge dentro do game que pode fazer esse efeito caso você seja um dos que apreciem esse efeito de diálogo que era bem comum nos jogos da Rare na época em que ela produzia games para a Nintendo. Mas como crítica, lamento o fato do game não ter localização em texto para nosso idioma. Está tudo em inglês e isso ainda é uma barreira grande para muitos jogadores daqui.
A Hat in Time é um indie game encantador. Que não vi chegando, mas que me conquistou rapidamente com seus primeiros trailers e bastou cinco minutos explorando seus controles para entender que sua qualidade estava bem acima da média de outros indie games atuais que também exploram o mesmo gênero. É um indie obrigatório para qualquer um que aprecie sua proposta.