É impossível começar qualquer conversa sobre Mob Psycho 100, um dos mais recentes lançamentos da editora Panini, sem dizer o óbvio: o traço do autor, o famoso ONE de One-Punch Man, é… terrivelmente feio. ONE por sinal é um pseudônimo, opção do artista em não querer usar seu real nome para seus trabalhos.
Sim, ONE é um cara genial, magnífico quando penso na forma de roteirizar histórias dentro da fórmula como um mangá deve ser feito, entretanto é dourar a pílula dizer que o traço dele é algo singular e original. Não, é apenas ruim. ONE sabe criar ângulos, enquadramentos, movimentos e ação em seus desenhos. Seus personagens também consegue expressar as emoções com exatidão. O autor tem uma incrível noção espacial e também de como deixar a arte empolgante. Porém é uma arte feia e… ponto.
Dito isso, não acho que também seja um desastre intragável. ONE é famoso hoje mundialmente por sua obra One-Punch Man, que tem toda a arte e desenhos refeito pelo mangaká Yusuke Murata. Mob Psycho 100 é um trabalho solo dele, feito com assistentes, mas ainda assim totalmente produzido pelo ONE. Então assim, você vai reconhecer a genialidade e o humor característico dele na história, mas esqueça aquela arte bonitona da versão refeita do mangá do herói Saitama de One-Punch Man.
E veja bem, não acho que o traço do ONE em Mob seja ruim o tempo todo. Há momentos excelentes onde o traço feio acaba enaltecendo uma cena de humor, ou a forma como o artista pensa em cenas de ação em que não importa o traço ruim, porque aí, nesse momento, o enquadramento, o ângulo, a forma como esse segmento de batalhas são realizados não ficam empobrecido pelo seu traço em nenhuma circunstância.
Enfim, aceite o traço ruim, se divirta com o quão ruim ele pode ser e o quão hilário ele se encaixa em certos cenários. É aquela coisa: um mangá muito bem desenhado não é necessariamente inesquecível se não tiver um bom roteiro para sua história e construção de universo, porém um mangá feioso pode ser incrível independente de sua arte se a história e os personagens foram convincentes.
Feito essa pontuação inicial é hora de adentrarmos nesse mundo louco da adolescência, puberdade e… poderes paranormais.
Mob é um clichê
Isso, da puberdade e poderes paranormais, fica bem claro no Freetalk que abre a primeira edição. ONE diz que trata-se de um mangá sobre as angústias da juventude, essa fase linda da vida onde a adolescência floresce e que ninguém sabe ainda realmente nada sobre nada. Quem ou o que queremos ser de nossas vidas. Hormônios e dúvidas à flor da pele.
Mob é o exemplo mais comum, mais negativo talvez: o eterno deslocado social. Sem amigos, sem personalidade, sem se destacar em nada, sem saber como mudar essa situação. Mob é o estranho e por mais que ele fale diretamente com esse tipo de jovem é possível reconhecer que todo adolescente tem um pouco de certos aspectos do personagem, em alguma fase desse momento do crescimento pessoal.
Eu me lembro de ser tímido, não ter muitos amigos e nem saber me socializar na escola. Apenas não era um banana ingênuo como Mob também é. E também nunca tive poderes paranormais, infelizmente. Mob também é muitas outras coisas, mas acho que já me fiz por entender aqui, certo?
A grande sacada – porque não é um conto autobiográfico (até onde é possível saber) ou realista, e sim somente um mangá para um público jovem – é que além dos aspectos já mencionados Mob é um jovem com poderes paranormais, mas não em um nível normal de um protagonista nos níveis de um começo que qualquer shonen normal seria. Mob é talvez o cara mais forte de tudo que o mangá tem a oferecer em seus dois primeiros volumes. Ele é o cara que tem o maior poder paranormal que muitos do seres sobrenaturais na qual ele enfrenta dizem já ter visto em uma pessoa.
Sabe aquele exagero que faz Saitama, herói de One Punch Man, eliminar qualquer tipo de perigo com um único soco? Bem, Mob é mais ou menos isso. Tal como Saitama, que perde o gosto pela batalha e se torna um herói entediado, Mob é um garoto que não se diverte por ter poderes, ele apenas elimina, sem o menor esforço, qualquer ameaça que surge em sua frente e segue adiante, como se estivesse pisando em uma formiga. Simples assim.
Essa semelhança parece ser uma marca do ONE nestas duas séries que ele escreve. Protagonistas que beiram o exagero e não se sentem ameaçados por nada. Ambos totalmente sem empatia e deslocados da sociedade em si. Saitama e Mob são farinhas de uma mesma mente.
Porém, Mob Psycho 100 segue por direções e elementos bem diferentes de One Punch Man. Gosto de como o dilema do Mob é querer ser popular, mas nunca mostrar as pessoas que tem poderes paranormais. Ele está se esforçando, a seu jeito, desengonçado e bizarro.
ONE também trabalha muito bem com os coadjuvantes dessa história. O mentor de Mob, Arataka Reigen é possivelmente o melhor personagem de todo o universo do mangá. É o charlatão, um adulto que tem como negócio resolver casos sobrenaturais, mas ele não tem qualquer poder! Mob é seu “estagiário” e quem resolve qualquer problema quando o caso sobrenatural é algo realmente sério ou simplesmente real.
Os estudantes do colégio de Mob também são criaturas estranhas e bizarras, como são os adolescentes na realidade. A série usa muito o conceito dos clubes escolares, que existem de verdade no ensino escolar japonês. O primeiro volume trabalha toda uma história sobre Mob não querer se juntar a um clube de paranormalidade, onde alguns estudantes sem poderes fundaram só para poder ficar de bobeira pela escola, e um clube de musculação querendo ocupar a sala. Como Mob fica no meio desse cabo de guerra gera ótimas piadas em alguns momentos nestes capítulos iniciais.
Mob é poder
Um outro elemento curioso do mangá é a parte em que o autor apresenta uma porcentagem que falta para o consciente de Mob explodir ao atingir 100%. Quando isso acontece, algo ruim acontece. Ruim de uma forma relativa, Mob vê como ruim, mas não necessariamente é para ele. Não sei se devo contar, porque é muito legal ver isso acontecendo pela primeira vez. Basta dizer que ao explodir Mob fica habilitado a usar 100% de todo seu poder, beirando novamente o elemento do absurdo que ONE parece se deliciar em escrever.
E a brincadeira com essa ideia do medidor tem a ver com a adolescência em si. O quanto um jovem aguenta de pressão vindo de diversos aspectos desse momento da vida. A questão do auto controle está envolvido. Verdades que os adolescentes dizem na cara de Mob, perigos e coisas que o perturbam, ou até mesmo ser pressionado a forçar o uso de seus poderes. Qualquer coisa pode atingir um nervo sensível nessa idade. E para Mob, explodir é algo ele está sempre tentando evitar. E não se preocupe, pois ele explode ainda no primeiro volume. Não é preciso aguardar muito para isso acontecer.
No segundo volume as coisas escalam um pouco. Até então Mob parecia ser o único humano com poderes paranormais nessa história, porém logo fica claro que não. Todo o segundo volume trabalha um rixa entre escolas, e Mob e o clube de desenvolvimento muscular acabam envolvidos quando um outro jovem com poderes surge e Mob é o único que pode com ele. Quer dizer, se Mob quisesse usar seus poderes, algo que ele não quer. E a situação se desenvolve justamente para o absurdo, onde esse garoto leva a situação aos extremo, enquanto Mob apenas se comporta como o Saitama se comportaria, meio abobalhado, sem entender exatamente o quão complexa essa situação pode acabar virando.
O primeiro volume também tem um pouco dessa situação onde Mob precisa lutar contra um líder de uma seita religiosa. É nessa situação em que o leitor o vê explodindo à 100%. Não é algo tão legal quando o desenrolar da situação dentro do segundo volume, mas é importante para construir esse plot em que mais pessoas passam a conhecê-lo e também a explicar parcialmente as razões pela qual o garoto não usa seus poderes contra outros humanos. Fica claro que Reigen o aconselhou a isso, pois mesmo sendo um charlatão, ele realmente dá bons conselhos para o Mob quando não está tirando proveito do garoto, só que há mais do passado de Mob que ele não está revelando ao leitor nesse começo, envolvendo um evento de sua infância.
Considerações finais
Entenda que este texto está sendo feito a partir apenas dos dois primeiros volumes de Mob Psycho 100. Certamente não tem base para usar como critério para avaliar toda a série, muitos menos o que pode vir a acontecer daqui para frente. Dá para se ter uma noção do que esperar e dizer o que achei, o que acho o suficiente por enquanto. E o que vi me agradou. Bastante.
Não duvido da capacidade criativa do ONE. Atualmente cheguei ao volume 12 de One Punch Man (pretendo fazer um texto voltando a falar sobre a série em breve) e por lá a coisa só vai ficando cada vez melhor. Não espero menos de Mob Psycho 100. O autor sabe escrever histórias, tem um dedo mágico para o humor e em criar situações inesperadas e excitantes de se acompanhar.
O peso aqui é saber que este mangá é um pouco mais juvenil do que One Punch Man. O tema aqui é puberdade, são dilemas dessa fase da vida. Então para um adulto que não sabe levar na boa tais clichês, Mob pode soar meio bobo. Porém não acho que seja.
Acho incrível, por exemplo, um segmento no segundo volume onde ele quebra psicologicamente esse garoto com poderes paranormais apenas dizendo o que pensa a seu respeito. Pessoalmente achei tal momento fantástico e muito bem escrito os diálogos. Algo que eu não conseguiria deduzir me colocando no lugar de Mob.
E volto a dizer: releve mesmo o traço ruim. Eu sequer tenho esperanças disso melhorar. Felizmente funciona para o estilo do ONE. Isso não o limita de criar grandes cenas de ação ou zoação. E não duvido que com o passar do tempo isso acabe ficando cada vez menos relevante. Acredito que é algo em que o leitor acabe se habituando simplesmente.
Estou empolgando e animado para continuar lendo a odisseia de Mob pela vida escolar. E é de parabenizar a Panini de publicar a obra por aqui, porque não é um título fácil de gostar folheando no banca ou até mesmo scans de como ele é pela internet. Só que uma coisa é clara pra mim: se você é fã do ONE e de One Punch Man com a mais absoluta certeza vai querer ler e conhecer Mob Psycho 100.