Quando li análises de The Talos Principle, e as opiniões da galera que jogou, pouco depois do lançamento, eu me senti meio perdido. Nada do que ninguém falava me fazia entender direito o que ele era. Mas agora, depois de jogar, eu entendo isso. Talos é um jogo difícil pra cacete de explicar. Pensei em dizer que é um jogo de plataforma 3D focado em puzzles com uma influência pesada de Braid – e de outros onde o jogador se esforça pra juntar as peças, sejam as peças da história que é aberta a interpretações ou seja pra resolver o puzzle e passar de fase – e eu não estaria mentindo. O jogo é isso sim. Mas ao mesmo tempo ia ser injustiça minha com a obra, porque Talos é uma coisa única e singular. Ele não é só um jogo fenomenal que subiu nos ombros de gigantes que vieram antes dele. Talos Principle é Talos Principle.
A abertura parece um bosque abandonado em Roma, com umas pinturas e algo cantando ao fundo que parece um cântico, e você fica… ‘Mais heim?’
Você começa o jogo acordando do nada no meio de um jardim, percebendo que é um robô humanóide e que o jardim parece estar há muito tempo deserto. Uma voz que parece de um deus te dá as boas vindas e te fala que você precisa se provar digno. Isso significa andar pra lá e pra cá (você inclusive configura se é em 1ª ou 3ª pessoa), colocando objetos nos lugares certos para abrir portas e passar de obstáculos, e com isso coletar pequenas peças de Tetris espalhadas, que você usa pra acessar novas áreas. Do ponto de vista lúdico, isso resume bem o jogo, e é normal encontrar puzzles extremamente difíceis de resolver. E ele é bonitasso pra caramba e tem umas músicas lindas (ouça abaixo).
Do ponto de vista do universo criado, do lore do jogo… o buraco é bem mais embaixo. A fórmula ‘veja primeiro, talvez entenda depois’ é usada ao infinito e além, e para esse ‘talvez’ virar um ‘entendi’ você vai precisar de muita capacidade de interpretação. Logo na primeira fase você começa a achar umas mensagens (em QR code!) coladas na parede, e tudo indica terem sido deixadas por outros robôs que estão no mesmo barco. Eles parecem entender tanto do que está acontecendo quanto você: falam que não sabem como vieram parar ali, que o deus está testando a fé deles, ou então que os puzzles não têm nenhum propósito, e discordam uns dos outros.
‘Tá, aí eu boto esta coisa que parece uma câmera aqui pra abrir aquela porta…’
Além disso você começa a encontrar computadores espalhados, onde você baixa arquivos de texto que parecem pertencer ao nosso mundo real: emails, um trecho de um artigo acadêmico, uma postagem de um blog, etc. Eles contam o cotidiano de uma equipe de pesquisa que trabalhou junta num projeto, emails que os pesquisadores mandaram uns pros outros. Mas também contam a história de uma carta que um pai deixou para o filho ou filha, têm uns livros sobre a deusa Atena, o gigante de bronze Talos, o deus Osíris, umas anotações feitas por alguém que leu o livro… Um monte de treco que não é difícil de entender separadamente, mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra? O que a história da Atena com a esfinge tem a ver com a equipe de pesquisa? E o que tudo isso tem a ver com esses malditos puzzles?
Aí do nada o computador começa a conversar com você se oferecendo pra tirar as suas dúvidas, e te fazendo outras perguntas que você não sabe responder. E quando se dá conta, você também está se perguntando coisas como: Quem sou eu, eu sou humano? ‘Não, porra, eu sou uma máquina, um robô, não tá vendo?’ Ué, mas o corpo humano também não é uma máquina? Ele também não funciona por impulsos elétricos e por sistemas interligados? Você não pensa, não sente, não tem as mesmas coisas que fazem de qualquer pessoa uma pessoa? Não está resolvendo puzzles usando a inteligência de uma pessoa?
A metalinguagem e a quebra da quarta parede são lugar comum em Talos Principle.
Peraí… Como é que é?
Como se não bastasse, também têm uns arquivos de áudio fora dos computadores que parecem o diário de uma garota – magistralmente dublados pela excelente Erin Fitzgerald. E à medida que você não entende nada e vai avançando no jogo, Talos vai te dando mais coisa. Mais textos pra ler, mais áudios do diário, mais computadores com perguntas mais difíceis e assuntos mais filosóficos, mais puzzles mais cabeludos com mais peças de Tetris pra coletar… e você tenta botar isso tudo pra fazer algum sentido se quiser. Se não quiser, bem, resolve os puzzles aí então. O jogo te desafia a conseguir coletar as peças de Tetris e ao mesmo tempo te desafia a continuar ignorando tudo aquilo que ele tenta te dizer.
E de repente você descobre que o jogo tem extras. Portas fechadas que você sabe que dão em fases secretas, mas não faz ideia de como abre. Você tenta pintar um QR Code na parede dentro da sala de um puzzle e descobre que dá pra pedir ajuda a uns tais de mensageiros, mas não faz ideia de quem eles sejam ou de onde estão. Você sem querer pega uma estrela, aí percebe que as peças de Tetris não são os únicos colecionáveis e descobre que, perto de pegar as estrelas, aquelas peças ultra difíceis são absurdamente fáceis. E quando se dá conta, você está tentando entender aquilo tudo, mesmo tendo dito antes pra si mesmo que não ia esquentar a cabeça com isso.
Quem quiser entender a história do jogo vai passar um bom tempo nesta tela abrindo e reabrindo arquivos.
The Talos Principle tinha que ser um jogo. Nunca poderia ter sido um filme, ou um livro. Era impossível. A grande diferença entre o Videogame e as outras artes é a ideia de que não é só o jogo que dá coisas pro jogador, mas o jogador também interage com o jogo. Talos sabe disso. Ele te bota pra fazer coisas que você não entende, te obriga a responder perguntas que você não tem a resposta, e te deixa fazer perguntas explícitas pra ele sem saber se a resposta vai esclarecer as coisas ou deixar elas mais embaralhadas ainda. Ele implora para que você pense fora da caixa, que seja curioso, que o explore e o descubra pouco a pouco. Desculpa se esta análise ficou confusa. Talos é um jogo confuso.
Não se engane: ele é bom pra caralho. Ele é brilhante. Trata-se com muita folga do jogo mais inteligente que eu já tive o privilégio de jogar. É muito difícil passar de alguns puzzles e não se sentir um gênio. Mas com sua metalinguagem, suas questões existenciais e sua mania de te dar um montão de texto a cada fase, que você pode ler 10 vezes antes de entender alguma coisa ou talvez nem leia… claramente não é um jogo pra qualquer um. Imagino que muita gente vai jogar Talos e não gostar. Não quer dizer que ela ‘não jogou direito’, que eu estou certo e ela errada, ou vice-versa. Só quer dizer que a experiência estética é mesmo uma coisa muito pessoal. Que um jogo (assim como um livro ou filme) pode dar experiências diferentes e deixar impressões diferentes nas pessoas, porque as pessoas são diferentes. Pessoalmente, posso dizer que minha experiência com Talos foi maravilhosa. E espero que a sua também seja.
The Talos Principle está disponível para PC, PlayStation 4, iOS e Android.