Leitura concluída em 2016, Guerra do Velho, do escritor John Scalzi me fez sonhar com um futuro que jamais conseguiria ter imaginado. Trata-se de uma ficção muito destoante com velhos clichês do gênero espacial em si – ao menos da que eu conhecia.
Humanos colonizando o espaço e entrando em guerra com outras raças não é exatamente algo novo, mas é a forma como Scalzi constrói as regras desse mundo, adaptado a ideias modernas da nossa tecnologia atual, que torna o primeiro livro (de uma série de seis) tão incrível.
Transferência de consciência, corpos artificiais criados geneticamente para sobreviver a confrontos espaciais com direito a sangue artificial, nano robôs e interface cerebral que é quase como um computador dentro da cabeça de uma pessoa, funcionando pelo simples pensamento do indivíduo.
O primeiro livro é interessante porque seu protagonista é um idoso, o que lhe dá uma certa carga de sabedoria que só um personagem em tal idade poderia ter. A surpresa é que não é um livro sobre um jovem descobrindo sua vocação ou com drama decorrente dessa fase da juventude. John Perry é um homem com passado, com experiência de vida, mas que tem uma chance de viver uma última aventura no espaço, na esperança de ganhar uma “nova vida”.
Tudo em Guerra do Velho corrobora para um excelente livro de ficção científica, seja na construção do universo em si, quanto na criação do protagonista e de todos os demais personagens que irão interagir com ele ao longo da aventura.
O primeiro livro é de 2005 (aqui no Brasil o lançamento aconteceu em 2016 pela Editora Aleph). Aproximadamente um ano depois Scalzi lançaria um novo livro, dentro desse mesmo universo, chamado As Brigadas Fantasma, que chegou ao Brasil no final de 2017. E este segundo livro é o objeto de avaliação deste texto. Sem spoilers para comodidade daqueles interessados em conhecer mais a respeito dessa série de livros.
Trecho 1 – Jane Sagan está de volta!
O mesmo universo, um novo protagonista
A coisa mais assustadora ao iniciar As Brigadas Fantasma foi descobrir que, apesar do livro se passar depois dos eventos finais de Guerra do Velho, a trama não iria mais girar em torno de John Perry e, que apesar dele ser mencionado em raríssimas vezes dentro do livro (duas ou três vezes puxando pela memória), a história teria como foco um personagem completamente novo chamado Jared Dirac.
E, veja bem, Scalzi não tirou esse novo personagem do nada. A construção em torno dele é tão genial quanto toda a apresentação inicial no primeiro livro. Sem contar que velhos conhecidos do primeiro livro retornam aqui e ali, em especial Jane Sagan e Harry Wilson. E o mais legal é que o leitor só vai perceber o que Scalzi quer neste livro ao final dele, construindo o que o mesmo viria a trabalhar nos próximos livros desde mesmo universo.
Mas por onde começar? Talvez recordando que Jane Sagan é aquela personagem intrigante que surge na metade para o fim de Guerra do Velho e que tem um certo relacionamento com Perry. Poderia contar mais sobre isso, mas se você ainda não leu Guerra do Velho isso pode estragar a sua surpresa.
O que inevitavelmente devo explicar é que esse grupo denominado As Brigadas Fantasmas – em uma versão que estou dando propositalmente poucos detalhes para evitar spoilers do primeiro livro – são novos seres humanos criados artificialmente e inseridos em corpos de pessoas que morreram e que a consciência do falecido não pôde ser transferida para um novo corpo. Ou seja, a aparência é de uma pessoa que alguém pode reconhecer de seu passado, mas ali dentro está a mente de um novo ser humano, um soldado criado para sobreviver as guerras galácticas da Força Colonial da Terra.
É muito louco, eu sei. Basta entender que são novos seres humanos, sem passado (diferente do caso de Perry, que lembra de toda a sua vida na Terra), que nascem adultos e possuem uma tecnologia que fazem sua mente crescer de forma acelerada para condizer com seu corpo adulto. Estes soldados possuem peculiaridades e esquisitices que normalmente o impendem de interagir com humanos normais. São mais ágeis, mais fortes, trabalham melhor em grupo e se comunicam em uma velocidade que uma pessoa normal não consegue, mesmo que os humanos normais também possuam a tal interface cerebral que todos os humanos no espaço possuem neste universo criado por Scalzi.
Voltando um pouco a Jared Dirac. Ele é um novo ser humano, criado a partir do corpo de alguém que a humanidade pensou estar morta. Mas não é só isso. Jared é a chave para evitar uma nova guerra que pode acabar com toda a raça humana no espaço. Enigmático, não? Vamos deixar por isso mesmo porque descobrir mais a respeito é uma das graças do livro.
— Posso começar por este livro?
É o seguinte: se você está lendo esta postagem e nunca leu Guerra do Velho talvez esteja se perguntando se pode ler As Brigadas Fantasma sem ter lido o primeiro livro? Trata-se de um conto isolado? Respondo com uma resposta não tão simples assim: sim e não.
Dá para começar a se interessar por esse universo a partir desde segundo livro. Ele vai revelar algumas coisas do final do primeiro livro (que talvez o leitor que não o leu sequer perceba), mas sua trama funciona de uma forma totalmente independente do primeiro livro.
Claro que ele não é totalmente desconexo do livro anterior. Ele constrói uma nova trama em cima do final do livro anterior. Personagens retornam e parte do que diz respeito às tecnologias dos soldados, das Brigadas Fantasma em si, são uma parte deliciosa da descoberta inicial de Guerra do Velho, que trabalha com maiores detalhes em cima de tudo isso. O segundo livro repete o básico, mas muito já se presume que o leitor esteja inteirado sobre tais regras da tecnologia existente.
Particularmente não recomendaria ler As Brigadas Fantasma sem ter lido Guerra do Velho. A ordem existe e por algumas razões. Mesmo que as tramas em si funcionem sagazmente de forma isolada.
Considerações gerais (sem spoilers)
Sem John Perry é Jane Sagan que brilha neste livro. Ela é a principal conexão que o leitor vai ter com o que ele já conhece dessa história e quem ele irá torcer para continuar desempenhando um papel importante à trama de Dirac.
Dirac por outro lado é um personagem interessante. O que Scalzi faz neste livro é criar um suspense de paranoica com o leitor, do tipo em que você não sabe exatamente se o autor do livro fará de Dirac uma bomba relógio. E se o herói for na verdade o vilão?
É feito uma construção muito boa no enredo de modo que o autor coloca a premissa de que o leitor não conseguirá descobrir o que Dirac irá se tornar até de fato ele tomar sua última decisão dentro do plot principal. E é fenomenal como esse suspense se mantém até o fim.
Trecho 2 – Harry Wilson e um experimento jamais feito
Trata-se de uma trama de traição, que remete a um complô conspiratório contra a Força Colonial. Os mocinhos surgem com uma ideia, um experimente científico jamais realizado, um que pode explodir na cara de Jane Sagan, que ficará responsável por Dirac.
O mais legal é que enquanto o autor constrói essa ideia de que o protagonista da história pode vir a se tornar uma ameaça muito maior do que o complô em que está sendo investigado, o leitor passa a gostar de Dirac e a torcer para que ele não se torne o vilão da trama, só que essa certeza nunca vem até o desfecho final. O que é genial.
Há um momento muito tocante nesse livro, quando Dirac explora algumas memórias de um passado pertinentes à sua criação. Como pai, esse elemento de As Brigadas Fantasma foi que mais mexeu comigo em um nível que me deixou em cima do muro no que diz as questões pertinentes a Força Colonial e o que ela diz ser. Outro ponto muito bem feito e desenvolvido aqui e que dará brechas para discussões nos livros seguintes, imagino.
Ao fim, talvez Guerra do Velho acabe sendo um livro melhor do que sua sequência, talvez porque não há John Perry aqui, ou talvez (e mais provável) porque um pouco do fator ineditismo não seja tão forte aqui.
Trecho 3 – O despertar de Dirac
Mas não tiro o mérito deste segundo livro. A trama é excelente e muito das cenas de ação e combate são muito bem orquestradas pelo autor. Há momentos tocantes, é muito bom revisitar alguns personagens conhecidos e a construção do mistério da trama gera um delicioso suspense até as páginas finais do livro. Existe o momento em que tudo muda significativamente, dá urgência ao ato final do livro e Scalzi é muito bom quando precisa matar personagens, sejam coadjuvantes que você acabou de conhecer, sejam aquelas que o leitor inesperadamente não esperava que a morte fosse bater à porta tão cedo.
A força como Scalzi lida com essa questão da guerra, do soldado, de vidas alienígenas que nada mais são do que uma metáfora para a forma como lidamos com seres vivos ou raças de formas diferentes, continuam sendo realizadas com grande desempenho aqui neste livro. Não tenho um ponto negativo sequer a fazer.
Leia Scalzi, leia os livros da série Guerra do Velho. Simples assim.
Trecho 4 – Homo Astrum