Burnout Paradise Remastered | Take me down! (Impressões)
Acho impossível relembrar de Burnout Paradise e automaticamente não cantarolar – ao menos mentalmente – a trilha da canção Paradise City, de 1987, do álbum Appetite for Destruction de Guns N’ Roses. Desde o lançamento do game, em 2008, não consigo mais desassociar o game da música e vice versa.
Take me down to the paradise city
Where the grass is green and the girls are pretty
Take me home (oh won’t you please take me home)
Toda essa adrenalina nostálgica está de volta com o lançamento de Burnout Paradise Remastered, disponibilizado semana passada nas plataformas do Xbox One, PS4 e, em breve, também no PC (que até então nunca recebera a expansão Big Surf Island, inclusa na nova versão). Apesar que, sendo honesto, já havia retornado a brincar um pouco com o título ano passado, pois desde novembro de 2016 a versão do game para Xbox 360 ficou disponível na retrocompatibilidade do Xbox One.
Porém, desta vez é um pouco diferente. Trata-se de uma remasterização. O game roda melhor e suporta 4K (não que isso faça qualquer diferença pra minha TV de classe média baixa). Quando jogo algo na retrocompatibilidade tenho aquela experiência de emulador, que é meio o que o Xbox One faz com os títulos de Xbox 360, e tê-lo sem essa “maquiagem” é ligeiramente mais divertido, mais agradável.
Claro que se alguém me perguntar se o detentor de Burnout Paradise na retrocompatibilidade necessita dessa versão Remaster em seu Xbox One vou lhe responder que não. Não precisa, exceto talvez se essa pessoa tiver um Xbox One X e uma TV 4K e quiser usufruir a experiência máxima que isso pode lhe proporcionar, e que obviamente a versão do título do Xbox 360 não vai conseguir acompanhar tais aparelhos. Mas tirando essa situação, acredito que trata-se de um relançamento indicado exatamente para aqueles que não possuem cópia ou meios de jogar a antiga versão – a galera do PS4, por exemplo – e aqueles que desejam conhecer um dos melhores games de corrida, no estilo arcade, da geração passada.
Domine as ruas de Paradise City
A experiência de Burnout Paradise Remastered é exatamente a mesma da versão original. Sem tirar e nem por. Com a ressalva de que é a versão finalizada do game, completa em sua máxima definição. Com todos os patches de melhorias que o game original recebeu ao longo de ano inicial de lançamento, todas as atualizações gratuitos e todos os DLCs pagos – exceto um que se pagava para liberar tudo sem precisar jogar o game (qual era mesmo a graça disso?).
Quem jogou o título em 2008 vai lembrar que a Criterion Games o aprimorou muito em seu primeiro ano. Eventos e missões, por exemplo, originalmente não possuíam a opção de reiniciá-los caso o jogador perdesse. E era um saco perder uma corrida na reta final e ter que voltar todo o percurso para iniciar novamente ela. Essa possibilidade veio depois, em um patch.
Aliás, uma dica para quem for jogar o game agora: saiba que há toda uma roda de menus e comandos que somente são acionados com o D-Pad do controle (vide tela acima), sem que o jogador precise pausar o game – até porque estas opções não estão na tela de pause. As opções de jogo online, o restart das missões, a modalidade de disputar recordes de cada uma das rua da cidade… está tudo nesse menu que acontece em tempo real ao gameplay. Ele foi aprimorado por patches e, por conta disso, o jogo não sabe explicar muito bem sua utilização aos jogadores que estão iniciando o game, sendo muito comum o jogador o ignorar ou sequer lembrar que existe esse menu.
Até mesmo o Modo Showtime, aquele em que o carro entra em um modo de destruição, batendo em outros carros para pontuar e ganhar multiplicadores malucos, podendo continuar criando caos no trânsito enquanto colisões continuarem ocorrendo, não são necessariamente explicadas detalhadamente como se ativa ao jogar o game – basta apertar os gatilhos L1 + R1 com o carro em movimento, caso esteja se perguntando. Eu lembro de demorar muito para sacar que existia esse modo quando joguei a versão do game na geração passada.
Burnout Paradise Remastered é um título de uma outra época, de um outro tempo em que os games eram desenvolvidos um pouco diferente dos dias atuais. Não é pra menos que está chegando há 10 anos desde seu lançamento.
O game não tem legendas para quando o locutor, o DJ Atomika, está lhe explicando algumas das mecânicas do jogo, sendo de uma época em que os games sequer eram localizados em português (e a versão Remastered continua assim). E o ponto mais interessante, e legal, de todos é que sequer há uma preocupação de pegar na mão do jogador para o aprendizado da curva inicial. O game simplesmente inicia, te dá um carro e diz “vá e não se preocupe, você irá entender o que tem que fazer quando tiver que fazer”. Isso é bem impressionante para os dias de hoje, onde tudo precisa ser minuciosamente explicado ao jogador, como se todos nós tivéssemos um cérebro de galinha.
Não passou sequer 5 minutos ao iniciar Burnout Paradise Remastered e toda a cidade do game está livre para explorar. Todas as missões estão ali, prontas para serem realizadas, exceto aquelas de carros em que você ainda precisa desbloquear, obviamente. Todos os segredos, modos de jogos, cercas e placas que servem como uma espécie de colecionáveis destrutíveis. Está tudo ali, cinco minutos em que o game foi iniciado. Que coisa fenomenal!
A ideia por trás do desenvolvimento deste Burnout é essa de dar total liberdade ao jogador para ele criar sua própria aventura, decidir como progredir e evoluir por meio de uma cidade totalmente livre para explorar, além da liberdade para escolher que tipo de eventos participar.
Não curte eventos de corrida? Nem sequer é um requisito obrigatório fazer qualquer tipo específico de evento. Prefere apenas correr batendo nos carros, o Road Rage, ou escapar de carros que estão tentando lhe quebrar, o Marked Run? Pode fazer tranquilamente apenas estes tipos de eventos que dá para conseguir progredir pelo game.
Eu mesmo me recordo que na geração passada não era muito fã dos eventos de Stunt Run, aqueles em que precisava ficar pontuando com acrobacias, saltos e drifts para acumular multiplicadores, por eu ser muito ruim nessa modalidade, algo que descobri ter melhorado razoavelmente ao fazer alguns desafios assim agora na remaster.
No geral essa é a experiência que o jogador vai encontrar ao jogar este clássico: é um game totalmente arcade, em suas mecânicas, físicas e metas de progressão. Corra, destrua, pontue ou fuja, e nesse meio tempo explore toda uma cidade criada minuciosamente para ser funcional.
É interessante como o design e layout de Paradise City foi criado parecendo não ter aquela barriga de gordura que muitos games de corrida de mundo aberto hoje em dia possuem. Sabe, aqueles seguimentos que não servem pra nada, aquelas estradas que só parecem esconder loadings. Paradise City não é gigantesca, porém também não é minúscula. Parece estar na medida certa.
Tudo é feito pensando em oito pontos cardeais (sudoeste, sul, sudeste, leste, nordeste, norte, noroeste e oeste). Todos os eventos terminam em um destes oito locais, sendo que não se gasta nem quatro minutos para ir de um ponto a outro do mapa. É tudo próximo, mas relativamente longe no calor de uma disputa, especialmente pensando que os carros estão tentando lhe detonar a todo instante.
Decorar rotas, atalhos, momentos para usar turbo, manobras são muito natural no game por conta desse sistema de pontos fixos para finalizar as provas. E talvez o jogador pense que a repetição tome conta destas missões, porque se passam pelos mesmo locais, mas inexplicavelmente não consigo sentir isso. O jogo é generoso em criar momentos diferentes. O jogador está sempre com um carro diferente, em uma situação diferente.
Há diversos tipos de carros, dos mais velozes, aos mais fáceis de manobrar, aos mais agressivos. Cada um com jeitos diferentes de utilizar o turbo, com seu reabastecimento possuindo regras próprias. Não são apenas skins cosméticas, cada veículo tem níveis de status distintos (velocidade, turbo e força). Um são bons para correr, outros para bater, há os de saltar, para manobrar etc.
E o desafio do game é bem medido, sem que seja difícil demais ao jogador, porém não é muito molezinha também. Depois das horas inicias, quando já se está em uma progressão mais avançada da carteira de motorista, desafios como do Marked Run ficam bem agressivos e não é qualquer tipo de veículo que dá conta de encarar estes conflitos.
Burnout Paradise ainda é um daqueles jogos que conseguem fazer o jogador se desligar do mundo real. Você senta para brincar um pouco e quando se dá conta horas se passaram, seja porque estava atrás de novos carros, correndo por desafios ou apenas explorando os inúmeros atalhos e quebrando cercas por toda a extensão da cidade. É um tipo de imersão que funciona.
Influências além de seu tempo
Gosto em particular da trilha sonora do game, mesmo que ela possa soar velha e ultrapassada hoje em dia. São músicas de uma época peculiar, de tempos que não voltam mais. Há muitos games de corrida hoje em dia em que eu prefiro desligar a rádio porque as canções escolhidas mais me irritam do que me agradam. Acho que envelhecer é isso, achar tudo que é novo uma merda e se apegar ao nostálgico. Há muito disso em videogames, onde jogadores mais velhos se apegam a velhas franquias e possuem dificuldade em aceitar o que é novo. Com música é a mesma coisa. Será que isso também serve como reflexão sobre Burnout Paradise? É bom porque é nostálgico? Acho que não, porque ele já era bom quando lançado.
Enfim, outro ponto, que talvez não tenha deixado muito claro e que precisa ser mencionado, é que Burnout Paradise é um tipo de game de corrida único e que pouco se vê atualmente, seja porque segue um estilo muito arcade. Muito mais do que jogos como Forza Horizon são atualmente, mas em grande parte por conta de seu sistema de takedowns, ou seja, bater propositalmente em outros carros com o único objetivo de tirá-los da pista e destruí-los por completo. Ser agressivo no trânsito. Quando foi a última vez que viu um game fazer isso?
Algumas das sequências de Need for Speed, após a EA aparentemente aposentar a franquia Burnout, até tentaram criar essa atmosfera que a Criterion deu para Paradise, mas o resultado nunca ficou aquém das expectativas. Não é para menos que Paradise precisou criar toda uma linha de marcas e carros que não existem no mundo real, pois na época nenhuma companhia de automóvel queria ver seu carro sendo estraçalhado, amassado e destruído dentro do mundo de Burnout. Será que hoje em dia isso seria diferente?
Vale apontar, é claro, a sagaz atitude da Criterion de não utilizar pessoas reais dentro dos veículos do game. Não há corpos voando, sangue jogando ou qualquer incentivo para fazer qualquer coisa que se vê presente no game no mundo real. O game deixa bem claro isso, deixando quase transparecer como uma daquelas brincadeiras de criança, quando meninos brincam de carrinhos e um veículo bate no outro e desencadeiam destruições por toda a fantasia da história ali criada. Paradise não tentar ser realista e por isso é tão importante a ausência de humanos no mundo do game.
Tanto é assim que no modo de motos, acionado após o lançamento, como uma atualização gratuita – e que nem é tão legal assim – nos momentos em que a moto bate o jogo automaticamente e imediatamente corta a cena da batida, impedindo sequer que o motoqueiro levante a bunda da moto, para não ter aquela cena dele sendo arremessado. No máximo o que se consegue as vezes é uma cena de uma moto sendo destruída, sem qualquer corpo humano próximo (o motorista desaparece por completo no corte da cena).
Pra mim estes são pequenos detalhes que fazem a diferença. Ainda que não haja muitos games no gênero de corridas que incentive o atropelamento de pessoas ou acidentes que joguem um boneco para fora do carro (em outros gêneros isso ocorre, e é até mais comum).
No mais, Burnout Paradise é um título importante ao gênero. É um game que influenciou uma geração outros games de corrida. Muito do que se vê em jogos como Forza (principalmente a série Horizon), Need For Speed e alguns de estúdios como Codemasters foram influenciados pelo que Paradise fez quando lançado lá no distante ano de 2008. A ideia do mundo aberto, do estilo arcade, dos desafios e até mesmo como tudo isso fica integrado em uma única cadeia de comando, sem menus dividindo modos, incluindo online e offline, veio um pouco do sucesso de Burnout Paradise. Pode não ter sido o pioneiro em tudo isso, mas foi o primeiro que fez a equação de coisas soar tão boa.
Acho o máximo que o game tenha estas pequenas metas online, onde jogadores ficam disputando pequenos recordes de quanto tempo levam para cruzar ruas e estradas na modalidade online. Adorava ficar horas e horas na geração passada batendo os recordes de todos meus amigos que jogavam o título, além de me sentir desafiado toda vez que o game me notificava que alguém havia batido meu recorde.
Nunca fui muito interessado nos modos online de Burnout Paradise. Disputar corridas com outros jogadores, ou encontra-los pela cidade. Sempre achei o modo offline suficientemente divertido para a experiência que procurava ter, porém valorizo o que o game faz, especialmente para a época em foi criado, bastando um clique no D-Pad para mudar para uma modalidade online e já encontrar outros jogadores passeando pelo mundo do game, e disputando corridas. Modalidade que também está funcionando muito bem nesta versão Remastered, caso alguém tenha dúvidas quanto a isso.
Burnout Paradise ficou velho demais para ser apreciado? De forma alguma. Talvez o jogador sinta falta de um viagem rápida (fast travel), talvez não. É tudo tão pertinho, é tão gostoso dirigir pela cidade, explorando e criando novos atalhos, que sequer sinto falta disso, mesmo quando estou no lado das montanhas do mapa.
O que acho que a Electronic Arts marcou bobeira em relação a essa versão remasterizada foi em não tentar, sei lá, trazer alguma coisinha nova para o game. Talvez novos desafios (Big Surf Island tem uma modalidade de cruzar pontos do mapa que ficaria bem divertido ser implementado na parte da cidade), talvez conversar com a Criterion e desengavetar uma daquelas expansões que nunca saíram do papel, como aquela história de que um dia o game teria modos com aviões e barcos. Imagino que coisas assim tornariam essa edição ainda mais inacreditável, e imperdível, especialmente para aqueles que jogaram a versão original.
Ter todos os DLCs é sensacional, apesar de que eu tive todos também na geração passada, porém me lembro de ter jogado muito pouco em Big Surf Island, uma ilha expansão que encerrou o ciclo de conteúdos adicionais do game na época. Jogando-a agora a sensação que tive foi de jogar algo novo, inédito (ainda que não seja) e pensar que um Burnout Paradise 2 funcionaria tranquilamente nessa geração. A mágica do game continua após tantos anos de seu lançamento, e andar por uma área que não havia explorado direito na época me deu uma sensação muito boa, melhor do que imaginei que seria.
Eu jogaria fácil dinheiro na cara de qualquer executivo da EA se isso permitisse que eles autorizassem a Criterion a fazer uma sequência, mesmo sabendo que hoje em dia, parte da equipe das antigas já não estão mais no estúdio. Parte da equipe do game original atualmente comanda a Three Fields Entertainment, que tem tentado se inspirar na parte destrutiva que a série Burnout sempre possuiu, com títulos como Dangerous Golf e Danger Zone. Quer dizer, ele estão chegando lá, mas certamente o status de desenvolvedora indie ainda os limitam bastante na parte do orçamento e quão grandes seus games podem ser.
Enfim, divaguei um pouco agora no fim, mas isso só prova que Burnout Paradise é um game que pontua questões de como os jogos de seu gênero evoluíram ao longos dos últimos anos e como bizarramente, mesmo com um sucesso tremendo de Paradise, este foi o último legítimo game da franquia – esqueça a patifaria de Burnout Crash de 2011 – e de como a franquia sofreu uma desnecessária aposentadoria precoce.
Resta torcer para esse relançamento traga alguma luz no fim do túnel e isso faça a EA perceber que ainda há muitos fãs de Burnout pelo mundo afora. Em tempos onde a franquia Need For Speed anda sangrando e tento dificuldades de voltar a ser bem sucedida, não faria nenhum mal que Burnout tivesse um retorno triunfal na atual geração. Eu sonho com isso!