Ter jogado e conhecido Flinthook, ano passado, me fez ter uma maior atenção, e respeito, pela Tribute Games. Entretanto das cinco séries que o estúdio canadense desenvolveu, desde sua fundação em 2011, só havia mesmo conhecido Flinthook. E agora tive a chance de conhecer Mercenary Kings, que apesar de ter sido originalmente lançado em 2014 para PC e PS4 somente no mês passado debutou no Xbox One.
Devo dizer que expectativas são um saco. Alimentar expectativas errôneas é ainda pior. Isso quer dizer que fui com muita sede ao pote e descobri que a água não era mineral, mas aquela com gás, que nem todos são exatamente fãs. E essa é uma boa metáfora para ser usada quando penso na experiência que tive com Mercenary Kings: Reloaded Edition.
Importante frisar que a versão Reloaded foi criada agora, em 2018, para o relançamento do game. Quem possuía o game original a recebeu como uma atualização gratuita. Entre as novidades do pacote estão dois novos personagens, novas armas, novas facas, muitos melhorias de performances e alguns acertos de bugs. Todos estes detalhes podem ser encontrados lá mural do game em sua página no Steam. São novidades legais para chamar de volta aqueles que já haviam parado de jogar o título nas plataformas em que ele já estava disponível desde 2014.
Ciclo da repetição
Mercenary Kings é uma mistura de muitas coisas. É um jogo de ação com tiro, na pegada nostálgica da tela 2D side-scrolling, com muita customização de armas, suporte multiplayer para até quatro jogadores online ou tela dividida, alguns elementos de jogos de correr e atirar, com sistema de crafting e missões de exploração por alguns poucos estágios não lineares. É um jogo de muitas ideias, mas que tive problema exatamente pelo seu excesso.
E talvez aí esteja o meu erro, porque não estava esperando nada disso. Fui jogar achando que seria um game mais simples, do gênero como Metal Slug, onde o jogador avança por fases, atirando em tudo que vê e vai avançando por novos cenários, novos inimigos, alguns desafios de plataforma e novos chefes. E o game é isso, mas só em raros momentos.
A ideia é que Mercenary Kings seja um jogo onde o jogador explora missões, só que estas ocorrem sempre em um grande mapa que figura como uma grande área de mundo semi-aberto. É estranho, mas calma que vou explicar melhor isso.
O game possui estágios, só que estes estágios são grandes demais, abertos e não lineares. A progressão é realizada por meio de missões que o jogador faz para subir de ranking em sua patente militar. Vá para um local, o tal estágio do game, e lá vai de um ponto a outro do mapa para cumprir certos objetivos.
As missões são diversificadas. Busque recursos, resgate sobreviventes, mate soldados, encontre o chefe e assim por diante. Só que todas ocorrem nesse mesmo local, que é aberto e livre para ir e vir, com intersecções de cavernas e edifícios que abrem novas rotas de exploração.
Nada muda entre as missões. Os prédios continuam nas mesmas posições, os inimigos nos mesmos locais, as armadilhas idem. Não é feito qualquer esforço para dar algo diferente ao jogador, exceto talvez o caminho e a exploração que ele deve realizar da área, indo a pontos que ainda não foi, ou criando trilhas diferentes entre pontos já previamente visitados.
E o jogo demora muito para mudar o local das áreas. Se faz uma quantidade grande de missões em cada área, a ponto do jogador decorar caminhos e inimigos que vão surgir a cada tela. E essa é a parte que me incomodou muito no jogo, a ponto de nem me sentir compelido a termina-lo. Mercenary Kings aposta muito forte no grinding e na repetição de suas mecânicas e missões.
Grinding, ato de ficar recolhendo recursos para melhorar o nível e estados do personagens e seus equipamentos, é a principal recompensa que o título oferece ao jogador que fica horas e horas em um mesmo estágio, coletando recursos e fazendo as mesmas coisas, com mínimas diferenças.
E okey alguém pensar que Flinthook – que particularmente afirmei ter adorado jogar – é curiosamente bem semelhante em sua proposta de criar essa gordurinha de longevidade da campanha por meio do grinding. Mas é diferente. Em Flinthook, as fases são geradas proceduralmente. Ainda que tudo seja um pouco parecido após algumas horas, onde salas repetem padrões, Flinthook ainda tenta quebrar essa situação de déjà vu que Mercenary Kings possui agressivamente.
Esse ponto serve até mesmo para ver uma clara evolução da Tribute Games entre ambos os games, que possuem uma janela de três anos entre seus lançamentos originais. Flinthook veio depois com a lição de que dá para fazer grinding e loot sem prender o jogador em cenários exatamente iguais em cada rodada. Sem que o game soe exaustivo.
Construtor de armas
Superando esse elemento da repetição, ou não se importando com isso, Mercenary Kings acerta bastante em seus outros elementos. Que se aqueles que são realmente fãs consegue até mesmo relevar e entender porque o game aposta em ciclos de áreas que se repetem a exaustão.
O modo de criação de armas, por exemplo, é de uma complexidade de bater palmas. O jogador tem em mãos diversos status para criar suas próprias armas de fogo. Com mais munição, com recuo, com precisão, com maior poder do calibre, com tipos duplos, com bala com efeitos elétricos ou de fogo e assim por diante. É algo muito insano o quão aberto é o sistema de criação destas armas.
E tudo muito bem balanceado. Quer uma bala de alto calibre? Bem, saiba que o pente de munição vai ser diminuído, enquanto uma arma com um calibre mais parecido com uma metralhadora aguenta muito mais balas antes de precisar ser recarregada.
Faço elogios ao fato da munição ser infinita, mas mesmo assim ter esse esquema em que é preciso recarregá-la quando o pente chegar ao final. E ainda há uma mecânica que é totalmente semelhante ao sistema de recarga ativo da franquia Gears of War, onde um clique do botão de recarga na hora exata faz a munição causar mais destruição quando usada.
Além da arma de fogo o jogador tem em mão uma faca, que também pode ser criada, coletando itens e recursos deixado por inimigos mortos, e há muitas variações bem humoradas para esse equipamento. Que tal uma guitarra no lugar da faca? Causa dano de elétrico e tem um alcance excelente. Isso é possível.
Essa parte de coletar recursos é parte importante das mecânicas do game. É por meio disso que se pode criar novas peças de armas, novas facas e até mesmo modificadores para o jogador, itens que servem para mudar alguns status do jogo, como modificadores para melhorar os itens deixado pelos inimigos, um paraquedas que segura o jogador de cair de lugares muito altos ou um que reforça sua barra de saúde.
É por causa exatamente desse elemento que o jogo aposta nesse ciclo de repetição. É para que cada missão o jogador esteja testando uma arma diferente, buscando novos itens de criação entre outros modificadores.
Pode funcionar com alguns jogadores, mas nem todos. Eu mesmo não curto ficar mudando a arma toda hora. Encontrei uma combinação que funciona pro meu jeito de jogar? Só vou querer muda-la quando chegar um ponto em que os inimigos estejam muito fortes para essa arma e eu tenha que abandoná-la. Tenho certeza que a ausência de experimentação constante de novos tipos de armas é que me fez cansar rapidamente do game após algumas horas (foram aproximadamente 5 horas e não senti mais afim de voltar e continuar o game).
Últimas considerações
É realmente uma pena que Mercenary Kings: Reloaded Edition não tenha conseguido me conquistar. O game tem uma belíssima pixel arte, rica em detalhes em todos os pontos. Cenários ricos em cores e detalhes, a movimentação dos personagens, tanto aqueles jogáveis quanto dos inimigos, é super fluida e bem feitinha.
A trilha sonora combina com o clima militar da história. Infelizmente o jogo não tem conversas em áudio nos diálogos dos personagens entre as missões, sendo que estas conversas simulam aquela caixa de diálogo da série Metal Gear Solid (uma pequena homenagem dos desenvolvedores à franquia talvez), porém é muito legal o General lhe dizendo “Move Out” e um letreiro enorme aparecendo sobre a cabeça do mesmo.
O título é repleto de pequenos cuidado aos detalhes. Há um hub central onde o jogador pode fazer todo esse processo de criar armas e itens que vai usar na hora da ação. Diversos personagens carismáticos e com historinhas que gostam de contar ao jogador conforme vai ocorrendo a progressão das missões, e só é uma pena que todo o título não esteja localizado em português.
E até há bastantes diálogos dentro do game. A trama por si só é bem legal, porque o jogo começa com a morte de seus protagonistas, quando uma organização do mal toda conta de uma área e se apresenta com uma poderosa arma que a princípio se mostra imbatível. Por sorte, o exército tinha meios de reviver o protagonista do game, dando lhe a missão de vingar os companheiros que perdeu e colocar fim na tal organização.
Essa é a cola para as missões até. Vá para essa área que serve como base inimiga, resgate sobreviventes, faça contato com a resistência, encontre pistas de como derrotar as armas e veículos inimigos. Essa parte é boa, mas é na hora da mecânica que o jogo me cansou, pelos motivos já explicados ao longo do texto.
É até mesmo possível pular algumas missões que se encaixam como secundárias e assim progredir mais rápido pela aventura. Infelizmente o game não soube me informar isso direito e quando fui entender já era tarde demais, já estava meio exausto de jogar nas mesmas áreas.
Mercenary Kings também me soa como um game que funciona melhor em multiplayer, tendo um amigo para jogar ao lado e realizar as missões mais rápido pelas fases do jogo. Isso porque é possível se dividir para realizar algumas missões, especialmente aquelas que exigem procurar o chefe, coletar recursos espalhados pelo mapa ou eliminar X número de inimigos específicos.
Há uma grande variedade de inimigos, mais de 100. Combinações de armas imagino que chegue ao triplo disso. Há alguns itens especiais, como C4, Kits de primeiro socorros, granadas etc que podem ser colocadas na mochila do jogador, que só aguenta 4 itens ao todo. Porém há um baú na base que pode-se guardar itens quando não houve mais espaço vago na mochila ou precisar trocar uma coisa por outra.
Ao fim, dá para dizer que o game não tem o ritmo e o frenesi de um Metal Slug, o que pra mim foi uma decepção. Porém não significa que o jogo é ruim, e sim que ele tem uma proposta que não era aquela que eu queria para ele. O errado desta vez com certeza sou eu.
E isso é Mercenary Kings: Reloaded Edition. Não é um título que vai agradar a todos, mas certamente vai ter aqueles que irão adorar, especialmente pela proposta de crafting e grinding que parece agradar muito essa nova geração de jogadores, que não se importam com o ciclo de refazer parcialmente as mesmas ações. E isso o faz ter um valor de replay de dezenas de horas, seja para o bem ou para o mal. É um game que artisticamente tem essa áurea de old-school, meio nostálgico, mas suas mecânicas conversam muito com essa proposta que os games modernos possuem atualmente.
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