Cuphead | Fantástico, porém finito! (Impressões)
Passados aproximadamente seis meses desde seu lançamento, ressaltar o quanto Cuphead é excelente é basicamente chover no molhado. O jogo independente do StudioMDHR foi nomeado e recebeu diversos prêmios. A crítica o aclamou nos reviews de lançamentos. E a comunidade que o jogou foi só elogios. É um game da atual geração que merece ser jogado. Ponto.
Nesse ponto também não vale mais a pena se queixar dos motivos pelos quais não pude escrever suas impressões ano passado. O melhor mesmo é agradecer ao segundo mês de parceria com a Shareplay Store, que nos concedeu a cópia digital de Cuphead para esta matéria.
É um tanto difícil pensar em como iniciar estas impressões sem soar redundante com tudo aquilo que já foi mencionado por toda a internet desde seu lançamento. Cuphead é um destas jogos que todo mundo esteve observando mesmo antes do lançamento, e muitos já o conferiram desde então.
Posso começar dizendo que não achei o game tão difícil como o alardearam por aí. Não que ele seja fácil, mas está longe de ser um daqueles jogos frustrantes em que tenho vontade de arremessar o controle na parede. O que Cuphead oferece é uma experiência de memória muscular. O jogador aprende padrões e assim se aperfeiçoa a cara derrota.
Demorei cerca de 11 horas para terminá-lo, o que é um bom tempo para um indie game. Após esse término há a possibilidade de fazer tudo novamente em uma dificuldade elevada, então existe ainda mais um tempo que pode ser gasto no título. Ao menos para aqueles interessados nesse tipo de desafio.
O que tirei da minha experiência de duas semanas jogando Cuphead é que trata-se de um excelente jogo, porém não isento de críticas. Ainda que menores e que não necessariamente diminuam a qualidade técnica do jogo como um todo.
6 meses depois, ainda sem localização
A começar pela localização. O StudioMDHR veio um pouco antes do lançamento do game avisar que a localização dele em diversas línguas sofreria um atraso. Que Cuphead em seu lançamento estaria apenas em inglês. A promessa é que a localização em mais idiomas seria lançado posteriormente, sem uma data exata.
Bem, passado quase seis meses, isso ainda não aconteceu e o jogo continua apenas com suporte ao inglês. Até que tudo bem, considerando que a história é básica e não obrigatória para a experiência de jogabilidade. Há estes dois protagonistas, Cuphead e Mugman, que apostam com o Diabo e perdem a aposta. Para não terem suas almas levadas pelo grande Belzebu, a dupla concorda em trabalhar para ele. Coletando almas de outros que também fecharam contratos com o mesmo.
Esse é o mote que leva Cuphead e Mugman a sair pela ilha Inkwell enfrentando diversos tipos de criaturas. Enquanto isso, planejam uma maneira de ficarem mais fortes e se livrarem desse terrível acordo com o Diabo.
Todo esse plot é feito em pontuais momentos da aventura, em cutscenes com diálogos em texto. Não há tanto texto assim, o que me faz voltar ao ponto da ausência de localização. Não parece haver tantos arquivos de textos a ponto de justificar que o game ainda não tenha recebido traduções e mais idiomas.
Há muitos jogos independentes que estão sendo lançados semanalmente que possuem localização em diversos idiomas, incluindo o português, que claramente possuem muito mais textos que devem ser traduzidos e adaptados. Assim acho uma pena que Cuphead continue sem as prometidas localizações.
Os poucos estágios Run & Gun
Originalmente Cuphead seria um game com apenas batalhas de chefes. Em desenvolvimento desde 2010 e foi somente lá para meados de 2016 que houve a notícia de que os desenvolvedores estariam adicionando algumas fases run & gun (correr e atirar) ao título.
Apesar de empolgante, admito que fiquei meio decepcionado ao descobrir que só há seis destas fases no jogo inteiro. Número baixo em detrimento das outras 29 fases de batalhas de chefes.
Entendo que a adição destes estágios de correr e atirar foi um pedido da comunidade. Que por anos testaram o game em eventos que o promoveram antes de seu lançamento. Portanto foi algo que surgiu tarde em seu desenvolvimento.
Mesmo assim, dado a excelência que tais estágios são, é uma pena que haja tão pouco destes. São momentos sensacionais dentro do game. Cada fase tem seus próprios inimigos, mecanismos e particularidades. São únicas e muito bem elaboradas. Muitas vezes mais difíceis do que certos chefes presentes em seus respectivos mundos.
Gostei em particular da fase do porto, que tem belos desafios de plataforma e do estágio em que se pode andar de ponta cabeça, que facilmente desorienta o jogador.
Também foi uma grata surpresa descobrir que estes estágios são muito mais do que correr e atirar. Existem muitos segmentos onde subir ou percorrer plataformas são o desafio e também todas possuem mini chefes. Não tão fortes quanto os chefes solos, porém nem tão fracos quanto os inimigos comuns das fases.
Mausoléus, fantasmas rosas e sistema de parry
Outro tipo de estágio muito agradável são os três especiais que consistem em dar parry em fantasmas. Estes ficam tentando chegar a uma urna no centro da tela. Se um deles chegar é preciso refazer tudo novamente.
Aliás o termo “parry” talvez seja carente de uma boa tradução em português. Sem mencionar que jogos podem ter esse sistema e tratá-lo de formas diferentes. No geral consiste em bloquear ou defletir de um ataque, possibilitando que o jogador obtenha algum tipo de vantagem para avançar ou atacar, dependendo de cada game. É um sistema que também exige precisão, um tempo de resposta exato para o jogador acionar o comando.
Em Cuphead, o sistema de parry funciona ao apertar o botão de pulo uma segunda vez com o personagem ainda no ar. É como um bloqueio de ataque no ar, porém que só funciona com objetos contrastados na cor rosa. Ao realizar o parry o jogador também acaba realizando um segundo pulo no ar. Muito útil em diversos chefes.
O objeto que foi usado para o parry também é “consumido” pelo jogador. Esse aspecto fica bem interessante quando se está jogando no modo cooperativo para dois jogadores. Assim um parry bem realizado pode salvar um companheiro de controle que iria receber o dano.
O sistema de parry adiciona um tempero a mais nas mecânicas de Cuphead. Realizar o parry também ajuda a encher mais rapidamente a barra de especial do jogador. Chefes são mais rapidamente derrotados quando parrys são realizados e especiais podem ser usados diversas vezes no confronto.
Por isso, as fases de mausoléus são tão legais. Boas para treino de parry. Divertidas porque é só isso que o jogados faz nos segundos em que elas perduram. Pena que, como disse, são apenas três estágios nesse estilo.
Chefes e o melhor que Cuphead irá lhe oferecer
Com tudo que já foi exposto acho que ficou claro que o que Cuphead oferece de melhor, e de forma farta, são as batalhas de chefes. Como mencionei mais acima, ao todo são 29 estágios de chefes. Dividido em três mundos, sendo que não considero os dois últimos confrontos, realizados no casino do Diabo, como um mundo à parte. Mas poderia ser um “quarto mundo”, ainda que só haja dois confrontos.
Aliás, já mencionando essa parte final, faço elogios ao confronto contra o Rei Dado. Isso porque o segmento desse chefe é dividido entre nove mini batalhas com personagens e ambientes próprios. São quase que como mais nove chefes, porém mais fraquinhos do que os chefes normais de outros estágios. Estes também não mudam ou evoluem conforme tomam uma certa quantidade de dano.
Isso porque cada chefe presente no game tem diversos estágios. Em sua maioria três ou quatro estágios. Normalmente o jogador morre ao mudar entre estágios nas batalhas, enquanto aprende novos tipos de ataques. E não é uma mudança apenas de padrão de ataques, mas em certos casos é um chefe completamente diferente.
Uma das primeiras batalhas do game, a do Pomar, deixa isso bem claro. Onde o jogador enfrenta uma batata, uma cebola e uma cenoura. O mesmo estágio, três chefes diferentes. Isso acontece praticamente todos os chefes do jogo, não necessariamente personagens diferentes. A dupla de irmãos sapos (Ribby and Croaks), por exemplo. Se luta com eles juntos, depois cada em um canto da sala e depois ambos se tornam uma máquina caça níquel gigante.
-
Confrontos aéreos e habilidades adquiridas
Dentro das batalhas de chefes, há cinco delas em que os protagonistas usam aviões. Assim se tornam batalhas aéreas contra imensos chefes. Algumas são incríveis, como uma contra um robô gigante, em um cenário meio indústria todo devastado (Dr. Kahl’s Robot). Porém no geral, apreciei mais as batalhas que não são em aviões.
O caso é que Cuphead tem um sistema de progressão de habilidades, onde os tiros e habilidades passivas podem ser ativadas conforme moedas vão sendo coletadas ao longo do game. Porém estes tiros e habilidades são funcionam nas batalhas normais. Nos aviões essa progressão nada influencia.
Sendo assim as batalhas dos aviões se limitam a um mesmo estilo. Sempre aprender a memorizar o ataque do chefe e sobreviver desfiando do mesmo em cada estágio do confronto. Mesmo que haja surpresas, as batalhas não parecem ter um senso de evolução como há nos confrontos normais.
Aliás estes novos tiros e habilidades passivas são um incentivo interessante para revisitar os chefes previamente derrotados, buscando desafia-los após o término do game, quando a dificuldade maior é destravada, e o jogador tem em mãos todos os tiros já adquiridos.
Gosto em particular do tiro teleguiado e do tiro carregado (que me lembra a arma Buster de Mega Man). Porém no geral quase todos os tiros tem alguma utilidade ao longo de todas as vezes do jogo. Já nas habilidades passivas, alguns podem escolher ter mais corações ou uma barra de especiais que recarregue mais rápido. Porém eu fiquei quase que o game todo com o dash em que o personagem fica temporariamente invisível. Facilitando assim atravessar por meio de tiros ou chefes que poderiam me causar dano.
-
Dinâmica e progressão
Com tudo isso que já abordei fica claro que Cuphead esbanja dinâmica, sempre apresentando coisas diferentes dentro de uma premissa simples, porém funcional. O sendo que progressão vem de mãos dada esse dinamismo. O jogo vai ficando mais difícil, porém o jogador se sente melhor a cada estágio vencido.
Inicialmente admito ter ficado meio decepcionado com os chefes encontrados no primeiro mundo. Os venci muito facilmente. Entretanto depois conclui que foi porque os conhecia melhor do que deveria, de tantos vídeos e trailers de divulgação preliminares ao lançamento do game. Cuphead fica melhor quanto menos o jogador souber e o game conseguir lhe surpreender diante de tal fato.
Os novos tipos de tiros, especiais e habilidades passivas também ajudam a mudar o ritmo dos confrontos. Inicialmente achei meio bobagem essa adição, mas logo entendi que o game melhora ao dar mais opções. O jogador precisa pensar o que é melhor. Um tiro teleguiado mais fraco que prolonga o confronto ou um tiro mais forte de baixo alcance que pode justamente fazer o contrário? Dar opções criam jeitos diferentes de se jogar. Isso é o máximo.
-
Cooperativo que diverte, mas exige perseverança
Cuphead é um game que também fica ainda mais fácil se for jogado cooperativamente com um segundo jogador. No meu caso, me diverti com o meu pequeno, atualmente com 5 anos. Claro que com uma criança, sobra para o jogador adulto aguentar o tranco de salvá-la mais vezes da morte e de lidar com chefes ainda mais fortes (porque eles parecem mais resistentes quando há dois jogadores no confronto).
Houve situações em que tive que tirá-lo do game para conseguir vencer um chefe. Porém também descobrir que meu pequeno também não tem a mesma paciência que eu tenho, de enfrentar o mesmo chefe por quase uma hora inteira até conseguir vencê-lo. Ele já se cansava na décima derrota. Bem, consigo entender ele. Na minha infância os games não eram a moleza que são hoje em dia. Repetição fazia parte de como os jogos eram desenvolvidos na década de 80/90.
No geral, meu pequeno parece ter se divertido mais nas fases de run & gun do que nos confrontos de chefes. Entendo isso, afinal as fases são mais dinâmicas, elas avançam, criam situações diferentes, enquanto os chefes são mais sobre memorizar como eles vão atacar.
Considerações finais
Acabei não mencionando, mas acredito que seja meio óbvio enfatizar que a direção de arte de Cuphead é uma das coisas mais incríveis já feitas em um videogame nas últimas décadas. Não porque tudo é animado de forma tradicional, feito a mão, como antigos desenhos que lembram os clássicos dos estúdios de Walt Disney.
A própria homenagem aos desenhos animados da década de 30 dá um charme muito próprio e original ao game. Não é só a animação em si, mas todo o conjunto da obra. A sutileza de como os personagens se mexem, dos detalhes fantásticos da ambientação e cenários, da tipografia usada e até mesmo do filtro que dá toda a cara de um desenho velho em consoles que rodam gráficos resoluções de 4K. Todo corrobora para um resultado que beira a perfeição.
Some aí também toda a parte da trilha sonora e efeitos sonoros, é claro. Tão importante para a imersão quanto a qualidade de arte, ainda que o visual tenha me despertado muito mais a atenção do que o som em si.
Dito tudo isso, Cuphead é sim uma obra prima dessa geração e do segmento de jogos independentes. É incrível o que o StudioMDHR conseguiu entregar ao final de um longo processo de desenvolvimento de aproximadamente sete anos. Certamente houve investidores, como a Microsoft, que injetaram recursos ao jogo, porém mesmo assim o mérito é todo de seus desenvolvedores.
-
E o futuro?
O questionamento que levanto é sobre o futuro. Cuphead parece um título que poderia receber conteúdos adicionais. Novas fases, de todos os tipos existentes dentro do game. Só que nada disso chegou a ser mencionados nestes últimos meses.
Poderia receber uma funcionalidade para que o cooperativo funcionasse online (ainda que ele obviamente seja pensado para se jogado com um amigo no sofá). Fora a localização, que foi prometida e ainda não aconteceu.
Acho legal que haja um modo mais difícil para ser vencido após o final do game. Porém acho-o insuficiente. O mundo de Cuphead merece mais, e não precisaria ser necessariamente uma sequência que leve mais um montão de anos para vir a acontecer. Ao fim, o que fica claro é o meu desejo por mais de Cuphead.
— Há que se agradecer ao site Shareplay Store pelo envio do jogo para estas impressões. Fortaleça essa iniciativa indo visitar o site da loja para que essa parceria possa acontecer mais vezes. Confira aqui o review da parceria publicado mês passado.