Hoje completam onze dias desde que fui ao cinema conferir o Jogador Nº 1. Escrever uma crítica quando o filme é bom é mais difícil do que parece. Ao menos pra mim. Reclamar, pontuar defeitos ou desgostos é muito fácil. Isso porque aí penso que depois cabe ao leitor do texto aceitar ou contra atacar meu ponto de vista inflamado.
Elogiar, por outro lado, é mais difícil do que parece. Normalmente é algo direto, óbvio. Muito mais difícil de desenvolver pormenores. Jogador Nº 1 é surpreendente e divertido por tantas maneiras, que é difícil imaginar alguém dizendo que o achou uma porcaria. Exceto, claro, aqueles que não conseguirem entender a proposta da produção. Ou for muito ruim em pescar referências da cultura pop.
E olha que era um filme que tinha tudo para dar errado. Vendido, em alguns casos, como um desfile de referências do mundo dos videogames. Sendo mais um daqueles filmes de jovens adultos tendo uma aventura extraordinária. Com tantos exemplos medianos nesse sentido sido lançados nos últimos anos. Admito que não estava com muito fé na obra. Mesmo contanto com Steven Spielberg em sua direção e produção.
Enfim, demorei um pouco para escrever a seu respeito, mas enfim aqui estamos. Acredito que não ter expectativas funcionou aqui. Tanto pra mim, quanto para a minha esposa, que foi comigo ver sem sequer saber do que se tratava. Nem trailer ela assistiu. Ela gostou, eu gostei. Fui mais divertido do que estava esperando. Fiquei surpreso, impressionado, animado e empolgado. Deu tudo certo. Ufa!
Não li o livro, mas agora quero lê-lo
Tenho certeza que aqueles que leram o livro de Ernest Cline devem conseguir encontrar pontos em quê O Jogador Nº 1, como filme, não mande tão bem quanto suas as páginas originais. Já tiro esse elefante da sala, pois admito que não li o livro. Porém o filme me fez ter vontade o suficiente para querer lê-lo. O que é algo muito positivo.
O sucesso do filme é tão bom nesse sentido que o Ernest Cline já comentou que uma sequência do livro está em produção. Provavelmente com o exato pensamento de tornar esse universo maior e passível de se tornar uma franquia. Mais livros, mais filmes. Todos ganham assim. Incluindo os fãs.
Não foi diferente, por exemplo, com Harry Potter de J. K. Rowling. Os filmes certamente levaram muitos a conhecer o material original. Eu mesmo vi o primeiro filme e só depois fui conhecer os livros. Quando o segundo filme, A Câmara Secreta, saiu, eu já estava em dia com tudo que havia sido publicado na época. Hoje em dia, há toda uma história quase que original sendo contada em uma nova trilogia nas telonas e a autora expandiu esse universo da forma como bem quis, ainda que até hoje muitos esperam que novos livros possam ser escritos (e deveriam, a meu ver).
Enfim, ir ver o Jogador Nº 1 sem conhecer nada sobre o livro parece uma ótima ideia. Para quem leu, acho que saber reconhecer o sucesso do filme é um ponto importante para deixar para lá aquilo que ele não adapta tão bem assim. Até porque a exposição de tempo da história em um filme é sempre menor do que a de qualquer livro.
O uso correto das referências
Sem dúvida alguma, o grande mérito de O Jogador Nº 1 é saber que referências são boas quando usadas com propósitos e não apenas como uma vitrine vaga, sem qualquer objetivo.
Quando digo isso consigo pensar em Detona Ralph da Disney. As referências existem aqui, mas são bem utilizadas somente no começo, para dar cor ao universo. Depois não fazem mais importância ou possuem qualquer peso no desfecho da trama. E saem de cena quase por completo. É um uso muito ruim, e até mal aproveitando de personagens e referências do mundo dos games.
Diferente em O Jogador Nº 1. Nem sempre tão sutis, estas referências possuem não só a exposição, mas participam ativamente da história. O Gigante de Ferro jogando ao fundo de uma garagem retorna quando necessário. O Delorean de De Volta para o Futuro está lá e tem um excelente tempo em tela. Muitos são apontados como referências pelos personagens, outros são apenas expositórios, ao fundo e em rápidas aparições, mas ainda assim o universo ao redor os constroem a ponto de darem consistência a mundo virtual do OASIS.
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Linguagem apropriada
Sem mencionar das referências que não são apenas visuais. Há muito da linguagem dos jogos no filme. Regras de como tudo precisa funcionar. De como um ajudante do vilão se importa em não ser morto e assim perder tudo aquilo que possui em seu inventário. Até mesmo de como os personagens interagem entre o mundo virtual e o mundo real. Todo é crível dentro de um futuro distópico, porém que não aparenta ser irreal.
O ponto é que sem as referências, talvez o Jogador Nº 1 não funcionasse tão bem assim. Funciona justamente porque entende o peso e respeita muito bem tudo esse universo do cinema, games e entretenimento em geral. Não só os ícones, mas a linguagem própria que tudo isso possui.
Sensação de anos 80
Talvez seja a idade falando alto. Nostalgia é algo que ocorre com mais frequência quanto mais velho a pessoa se torna. Em todo caso, Jogador Nº 1 tem muito do ritmo e trejeitos dos filmes da década de 80. Quando essas produções eram mais descompromissadas, atentas mais a aventura proposta pelo roteiro, do que sem 100% coerente e exata em todos seus aspectos e detalhes.
Claramente Jogador Nº 1 faz algumas destas concessões quando se olha seu roteiro (não estou julgando o livro, lembre-se disso). Posso dar um exemplo, sem entregar spoilers. A trama trabalha esse mundo virtual criado por duas pessoas, um que idealizou tudo e um parceiro de negócios que auxiliava no resto da administração desse empreendimento.
A relação destes dois personagens nem sempre é muito clara no filme. Eles brigaram? Ambos morreram? A mulher que viria se tornar a esposa de um era a paixão do outro? O roteiro demora para pontuar esses aspecto. E tudo bem, isso não é um problema grande, mas certamente um filme mais sério, com outras pretensões, poderia soar como uma falha de roteiro. Aqui não, esse aspecto é colocado em baixa prioridade para dar como foco a aventura em si.
E os filmes da década de 80 fazem muito disso, especialmente produções tanto de Steven Spielberg quanto de Robert Zemeckis. Basta rever produções como De Volta para o Futuro, Os Goonies, Indiana Jones entre outros clássicos de outros produtores, como Robocop ou Máquina Mortífera. Em todos estes casos a aventura é sempre mais importante do que seus roteiros. E assim também é com Jogador Nº 1.
Realidade versus virtual
Foi uma inesperada, e positiva, surpresa descobrir que Jogador Nº 1 tem um bom tempo de sua trama se passando em um mundo totalmente animado em CG. Ele é um misto muito bem equilibrado entre filme com atores reais e animação 3D. Os avatares no mundo virtual são todos renderizados para soarem como um meio tempo entre fantasia e realidade. Não emulam algo totalmente realista, como personagens como Gollum de Senhor dos Anéis ou Cesar de Planeta dos Macacos.
Achei muito bom essa mistura de estilos de produção. No mundo do OASIS, ao se optar pela animação em 3D, é possível muitas situações extraordinárias que soariam muito forçadas se tentassem parecer por completa como uma realidade simulada realista demais, como uma Matrix.
Por conta disso, dois grandes momentos do filme, a corrida de todos os tipos possíveis de veículos e a batalha em frente ao castelo no terceiro ato são incríveis. Puro entretenimento. O que tornam as situações fantásticas dentro da experiência de vê-las em um cinema.
E foi o tempo em que dizíamos que personagens feitos em animação 3D jamais soariam como atores reais. Hoje em dia, graças a captação de movimento do corpo e rosto dos atores essa barreira é quase que imperceptível. Todos os personagens soam incríveis quando está no mundo virtual. Tal qual também mandam muito bem no mundo real.
Vale ou não vale à pena?
Você só precisa entender uma coisa: Jogador Nº 1 não é um filme cabeça. É um puro pipocão de cinema. Para se divertir e entreter. Uma aventura na qualidade das aventuras das produções dos anos 80, porém com uma linguagem adaptada às audiências atuais. Sem a apelação ou a falta de bom senso que existente em muitas obras (ainda incríveis) da década de 80.
Funciona muito bem para quem vai apreciar não só as referências do jogos, mas das próprias produções do Spielberg, de clássicos do cinema. Tem que gostar, ainda que minimamente, de cultura pop, porque essa é a boa parte de toda a infraestrutura do filme.
Vale à pena conferir no cinema, ainda que entenda que estamos às vésperas de um Vingadores. Nesse caso vá ver ambos. Pegue o refil de pipoca entre uma sessão e outra e se empanturre de cinema descompromissado. Um dos melhores que há.
E depois converse com seus amigos. Vejam quantas referências pegou, quantas perdeu e vá para a internet ver quantas de fato existem. Eu fiquei realmente impressionado com a quantidade que não consegui pegar por conta de algumas aparições muito rápidas em tela. Porém me diverti muito vendo aquelas que, pela minha idade, soube reconhecer. Jogador Nº 1 vale o ingresso!