A vida não é fácil para o jovem Will. De dia ele precisa gerenciar sua loja, a Moonlighter – eis o nome do jogo por sinal -, enquanto que a noite o jovem mercador se aventura em misteriosas masmorras próximo a sua vila, coletando itens para que os mesmos sejam vendidos em sua loja. Dupla jornada de trabalho. Não é mole, não.
O jogo é a primeira produção do estúdio espanhol Digital Sun, distribuído globalmente pela 11 bit studios. Moonligther recebeu em 2016 uma bem sucedida campanha no Kickstarter, estando assim em desenvolvimento desde então, com seu lançamento oficial acontecendo no último dia 29 de maio. O título já está disponível para PC, Xbox One, PlayStation 4, e daqui alguns meses, ainda em 2018, deve chegar também ao Nintendo Switch.
No geral, Moonlighter é uma mistura de gêneros e elementos de diferentes tipos de jogos. É um game de ação e masmorra em sua premissa básica, mas com leves toques de RPG. Isso no sentido de precisar subir o poder de sua armadura e armas, conquistando assim mais ataque e também aumento de sua defesa e saúde, afim de sobreviver melhor ao adentrar em diferentes masmorras. Estas, por outro lado, são geradas de forma procedural, como um leve rogue-lite.
Enquanto não se está vasculhando masmorra para coletar itens, o jogador está gerenciando vendas, tentando descobrir valor de venda de seus itens em sua loja, enquanto também usa uma enorme quantidade de dinheiro para aprimorar tanto a cidade, como sua loja, quanto seus equipamentos.
O resultado é um game que surpreende pela forma como consegue prender o jogador, sem frustrá-lo com limitações para se avançar na progressão do jogo, enquanto consegue usar com bom senso um fator de replay e repetição dentro da jogabilidade deste modo principal.
Misteriosos portais
Ao iniciar a aventura o jogador é apresentado ao jovem Will, que anseia por ser um herói, desbravar os misteriosos portais que existem próximo a sua vila, que surgiu justamente por meio da descoberta destes portais por escavações arqueológicas. O avô de Will, conhecido por todos como o Louco Pete, faleceu desbravando estas masmorras em seus tempos dourados, quando a cidade ainda permitia o acesso aos quatro portais.
Após tantos aventureiros perecerem nas masmorras foi decidido fechar três das quatros. Permitindo que apenas uma pudesse ainda ser desbravada. Há um quinto portão, este nunca aberto, onde rumores dizem que as chaves das quatros fechaduras do mesmo estão do final de cada uma das quatro masmorras. Ninguém nunca conseguiu tal proeza. Ao final de cada masmorra há um gigantes Guardiões guardando tais chaves.
Já deu para perceber para onde estes enredo quer te levar, certo? Will então precisar vencer uma masmorra por vez. Derrotando o Guardião da chave de uma delas para que assim convença a cidade a abrir as portas da masmorra seguinte. Até a última e assim conseguir descobrir o que há detrás do quinto portão. E, se você quer saber, o que existe na quinta porta é realmente um elemento narrativo interessante e surpreendente.
Senti que o game me recompensou positivamente quando é revelado o segredo do quinto portal/portão. Segredo este que obviamente não irei revelar aqui. Mas digo que gosto como isso abre possibilidades para uma sequência.
Masmorras
O sistema de criar masmorras diferentes a cada vez que se entra em uma delas é legal, mas não é exatamente perfeito. Primeiro que proceduralmente elas não conseguem enganar ou surpreender o jogador por muitas vezes. Salas e ambientes já experimentados previamente tendem a se repetir com frequência dado aos padrões não serem tão grandes como, por exemplo, jogos como The Binding of Isaac conseguem oferecer.
Salas secretas em abismos que brilham, o poço que cura o jogador indicar o portal para o próximo andar ou chefe final da masmorra, ou a estrutura de mapa e direções em si, são bem óbvias para qualquer jogador. Casual ou veterano ao gênero de jogo. Isso torna-as menos maçantes do que seria se fossem confusas, é claro. Chega a ser uma vantagem, mas após algumas horas, cheguei a desejar que houvessem mais surpresas. O que infelizmente não aconteceu.
Isso acontece, em parte, porque Moonlighter não preza a repetição excessiva dos mesmos ambientes. Não é para o jogador ficar preso logo na primeira masmorra e não conseguir avançar no game. Nada disso. A exploração múltiplas das masmorras muitas vezes se dá por conta da caçada ao seus tesouros, para ganhar dinheiro para conseguir progredir na parte diurna do game, quando se está vendendo itens na loja ou melhorando seus atributos por meio dos equipamentos e armas. É fácil vencer a masmorra quando se está habituado com a mesma, mas é fácil se ver preso no looping de caçar tesouros, porque ele é realmente gostoso de se executar, antes de partir para o próximo portal.
Combate
Um ponto muito bom, este que conseguiu me surpreender, foi o combate de Moonlighter. Inicialmente achei meio terrível o esquema de espada e escudo. Ter que se aproximar dos inimigos e tomar dano apenas por tocá-los é algo que me irritou um pouco. O alcance da espada é curto demais nesse momento de curva inicial do jogo.
Entretanto logo o game apresenta outros estilos de armas ao jogador, como espadas grandes (que não possuem escudos), lanças, luvas de combate e até mesmo um arco e flecha. Foi aí que me senti em casa. O game permite estar sempre equipado com dois tipos de armas, então logo tratei de usar meus prediletos: a lança e o arco e flecha.
O alcance da lança é excelente, enquanto o arco, ainda que não causa tanto dano, é excelente para certos tipos de inimigos. O arco também ajuda um bocado nas batalhas contra os chefes finais de certas masmorras. A espada grande não cheguei a usar muito, pois apesar de seu ataque mais potente, ela é a arma mais lenta para ser usada dentro de todas as demais.
Convém também explicar, e enaltecer, que o combate de Moonlighter não é exatamente de amassar os botões de ataque como um louco. Há um tempo certo para apertá-los, causando assim um combo triplo de golpes, onde o último causa o dobro de dano do ataque normal. Depois disso o personagem pausa seus ataques por um milésimo de segundos e aí permite recomeçar novamente o combo. É um detalhe pequeno, mas é singular e funciona muito bem.
Salto
Já outra mecânica muito prazerosa dentro do game é o salto. Ao salta o jogador é invencível. Nada pode atingi-lo durante esse salto, que é meio que uma cambalhota, sendo possível até mesmo atravessar inimigos sem que estes lhe causem dano. A cambalhota pode até mesmo ser feita na diagonal. Excelente.
Sem mencionar que estes saltos permitem o jogador atravessar os buracos presente nas masmorras. Fugir de inimigos dessa forma é uma estratégia válida. Enquanto muitos vão contornar o buraco, o jogador está seguro por alguns segundos do outro lado.
Gerenciando itens
Até aqui, Moonlighter faz exatamente o que se espera que faça: explorar masmorras e ter um sistema hábil e sólido para o jogador se aventurar e enfrentar seus perigos. O que vem à seguir é o que o torna diferente do que já existe por aí: coletar tesouros e vendê-los em sua loja.
Durante a masmorra o jogador tem sua mochila, que pode carregar limitadíssimas quantidades de itens. Estar nas masmorras, que possuem três andares cada, é estar constantemente gerenciando seus itens coletados. Quais os mais valiosos, quais deixar para trás (na verdade queimá-los em um espelho que dá quase que 10% do que os itens realmente valem se você os levá-los para vender na loja).
A interface do jogo é amistosa nesse sentido. É fácil gerenciar os itens, enquanto que os desenvolvedores inseriram um mini game interessante neles, onde alguns itens possuem “maldições”, que podem destruir itens ao redor de outro, mandar uns imediatamente para loja, ou até mesmo quebrar se o jogador tomar muita pancada. Há até mesmo itens ocultos, que só são revelados por meio de outro item amaldiçoado que quebra maldições ou quando se retorna para a vila.
Ter esse jogo de cintura, no meio da exploração da masmorra, faz parte do ritmo de Moonlighter. E não, isso não é uma interrupção do ritmo. Você está ali para isso mesmo, vencer a masmorra final é só um bônus para caso esteja forte demais e a masmorra esteja fácil demais. O que normalmente é um indício que deve ir para a próxima.
Vendendo itens
Coletados, gerenciado os melhores (com o tempo o jogador aprende quais são valiosos e quais não são) é hora de colocá-los a venda. Para isso é preciso retornar a vila e, durante o dia apenas, abrir sua loja. E administrar suas vendas é mais um dos deleites de Moonlighter.
O jogador precisa por seus itens no display da loja e estipular um preço. Moradores vão entrar na loja e por meio de suas expressões deve-se de ir acertando o preço de cada item até achar um que todos achem certo pagar. Há quatro níveis de preços: super barato, preço ideal, preço inflacionado e caro demais. Este último nível não gera vendas. O preço inflacionado os moradores levam o item, meio que a contragosto com o preço, mas isso faz sua demanda de mercado baixar e menos pessoas sentem a propensão de pagar o mesmo preço (ainda que isso dificilmente tenha afetado muito minhas vendas, em teoria deveria funcionar melhor acredito).
Parece bobo, mas é surpreendentemente divertido passar esse tempo na sua loja vendo as reações e arrumando preços em tempo real em meio aos visitantes da loja. O jogador ainda precisa estar no caixa para efetuar a venda, enquanto também fica de olho com potenciais ladrões que frequentam a loja. Em níveis mais avançados , após aprimorar sua loja, visitantes milionários visitam a loja em busca de produtos mais raros, assim como aqueles procurando armas e também visitantes que lhe prometem recompensam por executar certas tarefas ou caçar certos itens em algumas das masmorras do game.
Ver sua loja crescer, enquanto aprimorada outras coisas na cidade, que lhe permite ir mais fundo nas masmorras, é um elemento de recompensa que está bem equilibrado com a proposta do game. Merece elogios.
Problemas com bugs
Elogios foram realizados, agora preciso falar um pouco dos pormenores e revés de Moonlighter, pois o game engasga em pequenos pontos que acredito que devem ser criticados. Primeiramente o que mais me irritou: os bugs. E aqui leve em conta que estas impressões estão sendo feitas através da versão do game que está disponível na data de publicações destas impressões, no Xbox One. Não posso confirmar se a mesma ocorre em todas as demais plataformas, ainda que a do PC já tenha recebido alguns patchs justamente corrigindo diversos bugs.
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Exemplos encontrados;
Tive diversos tipos de bugs, dos mais diferentes graus de seriedade. Ao iniciar o game, tive duas situações em que o jogo travou e precisei reiniciar a aventura (coisa de menos de 10 minutos de começo de jogo). Uma onde testei o recurso de gastar dinheiro para retornar a vila, antes que o game tenha me ensinado isso, e quando voltei ao ponto em que ele deveria ensinar, já tinha usado o dinheiro e não deu para avançar a partir desse ponto. Em outra situação deveria ter retornado a vila e o game não fez o portal para o personagem aparecer, deixando o ambiente sem um personagem para ser controlado. Nessa última situação ter desligado e religado o game me fez voltar ao último checkpoint e aí ele fez certinho o retorno.
Tirando estes bugs mais graves, os demais foram de menor grau. A animação do dinheiro travou e parou de adicionar grana na interface do jogo em meio a uma masmorra. As vezes um item travava o espelho que converte itens em dinheiro dentro da masmorra. Ir para o menu da mochila e voltar a tela da masmorra muitas vezes não tirava o filtro escuro da tela (que surge quando se está com usando a interface da mochila). Houve itens que sumiram do inventário quando estava segurando-os e consultei o guia de valores. Tive uma run dentro de uma masmorra onde o chefe final não apareceu (e aí precisei reiniciar). Coisas que não corromperam minha progressão, mas foram tão comuns e pontuais (repetiam várias vezes) que chegou a me incomodar a ponto de precisar mencioná-las aqui.
Nada que patchs não possam corrigir e melhorar esse experiências a longo prazo.
Considerações finais
Moonlighter é um título que diverte e vicia quando se engata em sua proposta e entende suas mecânicas. Claro que quando se olha mais a fundo em sua premissa percebe-se que há pontos aqui e ali que foram mal explorados, e que há um potencial não atingido. Felizmente isso não compromete a experiência do jogo.
A campanha do Kickstarter alias prometia coisas que não estão presentes no game nesse momento, mas que talvez venha a ser inseridos posteriormente, como chefes secretos, um item passivo que funcionaria como um companheiro NPC na masmorra ou até mesmo ataques com magia. É também possível sonhar como seria divertido se o game tivesse um modo cooperativo local para um segundo jogador. Ou até mesmo um modo de masmorra infinito (ou com masmorras maiores).
Claro que isso dá margem a coisas inexploradas que se, por ventura, a Digital Sun quiser explorar expansões ou até mesmo uma sequência parece plausível e possível. Não significa que Moonlighter é um jogo incompleto, longe disso.
O jogo proporcionar uma campanha que mesmo linear, tem um ciclo com valor de replay. Na qual a progressão não é punitiva, mesmo quando o jogador ocasionalmente morre em uma masmorra e perde todos os itens que estava na mochila. Existe sentido e valor até mesmo nestas ocasiões. É também uma fórmula acessível para aqueles não habituados com a dificuldade que esse estilo de game pode trazer dentro de si. E adicione a tudo isso uma bela localização em português, a bela arte gráfica em pixel e uma confortável e amigável trilha sonora.
Ao fim, Moonlighter não é um game que rompe barreiras ou proporciona uma inovação inacreditável. Tem ótimas ideias e um gameplay afiado que entrega prazerosas horas de diversão. Vale ser apreciá-lo.