Hellblade: Senua’s Sacrifice | Perigos da mente! (Impressões)
Lançado em agosto de 2017 para PlayStation 4 e PC (via Steam), e agora em abril deste ano para o Xbox One, Hellblade: Senua’s Sacrifice é um destes títulos que apontam o que há de melhor entre as experiências que uma geração de consoles pode proporcionar.
Dizer que é um jogão, neste ponto de sua linha do tempo – meses após seu lançamento original – é chover no molhado. O game ganhou diversos prêmios ao longo dos últimos meses, por muitos elementos diferentes dentro tudo que o título tem a oferecer. Narrativa, direção de arte, diálogos, trilha de som. Melina Juergens, responsável pela captura de movimentos e atuação na interpretação na protagonista do jogo, Senua, também recebeu diversos prêmios. Ou seja, não preciso – neste ponto de publicação destas impressões – enaltecer que Hellblade: Senua’s Sacrifice é uma destas experiências obrigatórias para aqueles que gostam de videogames.
O que resta então é contar um pouco da minha experiência e opinião pessoal para com o jogo. Atenção que só fui dar graças a sua recente chegada ao Xbox One. Quero dizer… é fácil ignorar um excelente game quando o mesmo não está no console em que você possui. O quão rápido isso muda quando o contrário acontece, e o lançamento ocorre, ainda que tardiamente.
A verdade é que Hellblade: Senua’s Sacrifice tem pouquíssimos pontos que poderiam ser apontados como críticas que poderiam aprimorar aquilo que é entregue ao jogador. Inicialmente até cheguei a pensar que ficar andando por boa parte do game eventualmente fosse me cansar. Não cansou. O fato é que trata-se de um título magnificamente bem planejado.
Combate levado a sério
Continuando a conversa do parágrafo anterior, existe a questão do combate. Algo que começa de uma forma bem simples, mas totalmente intenso, com controles pesados, e um blefe muito bom do estúdio para preocupar o jogador sobre ficar morrendo porque estão está tendo atenção nestes momentos de confrontos. Isso poderia deixar o jogo exaustivo depois de certo ponto. Mas não deixa.
E isso é impressionante, mesmo depois de ter visto pela internet que morrer muitas vezes não iria ocasionar o tal Game Over a qual o jogo alerta os jogadores em seu início. Saber ou não saber dessa informação não muda sua premissa. No sentido de como o confronto no jogo escalona para muito além do que poderia ter imaginado que o mesmo faria. Ainda que em sua forma mais bruta ele seja a mesma coisa do começo ao fim.
O combate é significativo dentro da proposta do jogo é bom porque há consistência dentro dos demais elementos que o jogo possui. Até porque o combate some em certo momento da campanha e leva tempo o suficiente para dar saudades ao jogador para que o mesmo queira as batalhas de volta. E quando estes confrontos retornam são tão penosos que morrer em combate acaba fazendo o mesmo retornar de um ponto inicial que o jogador fica desejando que não haja isso. Então há um papel de levar a série estas lutas, pra valer mesmo, sem o desejo de morrer. Ainda que você descubra que pode morrar à vontade. O jogador apenas aceita que não quer isso acontecendo. E luta como se não houvesse vida extra!
Estes combates de Hellblade: Senua’s Sacrifice me impressionaram bastante. Em como é simples, mas imersivo ao mesmo tempo. Um botão de ataque, um para defesa, outro para desviar – basicamente isso. Sobre ler o movimento do inimigo e saber quando atacar no momento correto. Em como o mundo ao redor de Senua se fecha, como o ambiente acaba sendo importante, a reação pesada dos controles e principalmente às vozes ao seu redor, avisando sobre inimigos e ataques que não estão necessariamente em seu campo de visão, ou sequer da câmera. Chega a ser assustador quão bom é esse sistema de som e como todos os elementos do jogo trabalham tão bem.
Fones de ouvidos são obrigatórios
Por falar nas vozes, que estão alertando o jogador a todo instante sobre coisas que estão acontecendo ao seu redor, é preciso dizer que Hellblade: Senua’s Sacrifice é um jogo que não tem como jogar sem fones de ouvido. Sem isso parte de sua experiência é totalmente diminuída.
O jogo foi inteiramente feito para essa experiência, de som 3D Binaural, o que em termos bem simples, significa que o som vem de várias direções, em vários tons. O que faz sua audição perceber sua distância e de que direção ao seu redor ele está vindo. E para isso é preciso fones de ouvido, já que o áudio da TV não poderia te dar essa experiência de ambiente.
E esse som não é exatamente para a trilha sonora ou de efeitos especiais do jogo, e sim porque Senua tem certo grau de psicose, ou melhor, o jogo trabalha com representações de psicose e outras doenças mentais. Com isso Senua tem constantemente, ao longo da campanha, vozes falando dentro de sua cabeça. O que se faz necessário essa experiência do som 3D binaural. Estas vozes precisam vir de várias direções para o efeito realista a qual a Ninja Theory buscou com especialistas na área da psiquiatria para entender como deveriam executar tal efeito dentro do game e que parecesse algo real aos jogadores.
Vale muito a pena ver o documentário que vem com o game a respeito de como Hellblade: Senua’s Sacrifice foi criado, e de todo o processo que os desenvolvedores passaram com pesquisadores na área para chegar nesse desafio de criar problemas de saúde mental e como estes exteriorizam dentro do jogo, vindo de diversos tipos de doenças e dos mais variados efeitos. O jogo trabalha com isso de forma fantástica.
De novo, Hellblade: Senua’s Sacrifice tem que ser jogado com fones de ouvidos. Em bom tom, vidrado e atenção aos seus eventos. Totalmente imerso na experiência proposta. Sem isso, perde parte importante de sua proposta.
E todo esse trabalho de som, tanto das vozes que constantemente conversam com o jogador, dizendo lhe mentiras e verdades, alertando sobre inimigos ou tentando dizer o quão ruim você está indo, casa perfeitamente com todos os demais elementos do game. O jogo não quer lhe assustar fazendo elementos visais pularem na sua cara, mas com sons que surgem ao seu redor e você não está vendo-os. É algo muito incrível e totalmente singular em termos de videogames.
A mente de Senua
Toda essa proposta do problema mental de Senua não se limita apenas a vozes em sua cabeça. Há muito dessa percepção de mundo refletido em diversos aspectos do mundo do jogo. Visões que ela pode simplesmente olhando o cenário ao seu redor, ou até mesmo os símbolos que ela precisa buscar pelos cenários que permitem ela avançar por portões selados.
As cores, as visões, a mudança das percepções de alguns locais, transparecidos por portais, assim como mudanças bruscas de sua geolocalização fazem parte da proposta do game ao inserir esses elementos dos problemas mentais que existem de verdade no mundo real. É para despertar a atenção do jogador, muitas vezes incomodar mesmo. Te tirar de sua zona de conforto.
E acho mais legal ainda que o jogo não apele para o comum clichê comum da ficção do faz de conta e nada é real. Algo como Senua sendo alguém normal, imaginando tudo isso ao seu redor. Nada disso. O título de fato conta a história dessa personagem vivendo eras antigas, tempos da mitologia nórdica, que está sozinha em um mundo fantástico, em uma jornada em busca de seu amado – e não darei mais detalhes dessa trama, pois sua descoberta ao jogar é parte primordial para apreciação do jogo. Tudo aqui é a realidade, até que o jogo lhe diga o contrário.
Essa realidade, em um mundo de fantasia real, dá valor ao jogo. Não é uma jornada que existe apenas dentro da cabeça de Senua, enquanto ela está deitada em uma cama em um instituto psicológico. Ela está nessa jornada, e seu problema mental é uma condição preexistente a sua pessoa. Não é culpa dela, ou dos eventos que a colocaram nessa trilha. É a vida dela, de verdade, e como ela lida com sua condição mental enquanto tenta enfrentar o maior desafio de sua vida.
E é por isso que sua trama acaba sendo crível. Até mesmo em passagens em que fica difícil entender o que é realidade e o que é da sua cabeça. Nesse ponto, em termos de jogo e ao jogador, isso não importa mais. É como a realidade do game acaba sendo construída, sendo real ou não. Os sentimentos ali são reais. Nada é faz de conta. E para o jogador isso faz toda a diferença.
Considerações finais
E meio que é isso. Não tenho muito mais a dizer que já não seja notoriamente de conhecimento popular. E a verdade é que se você chegou até este ponto e ainda não sabe muito bem o que é Hellblade: Senua’s Sacrifice… acho isso ótimo! Não é minha intenção lhe contar tudo sobre o jogo. Por favor, vá jogá-lo. Isso não deveria sequer ser necessário ser dito.
Claro que o título não é um destes games que enaltecem a ação desenfreada. Não é um game com foco em multiplayer, ou loot, ou que apostam em uma grande longevidade por meio da repetição. Não é um game de batalhas de esmagar botões e emendar combos. Nada disso.
Hellblade Senua’s Sacrifice é um jogo de contemplação. Um game que tem uma ótima história para ser contada. Você vai andar por cenários incríveis, e as vezes assustadores, aprender mais sobre a protagonista, sua jornada, seu passado e mitos e lendas da cultura nórdica. E vai gostar de tudo isso.
Haverá puzzles e enigmas que precisarão ser resolvidos para avançar pela trama. Nada que vá lhe deixar de cabelo em pé, ainda que alguns deles tenham me tomado algum tempo até conseguir resolve-los. A elaboração de alguns me impressionou. Mas no geral, o game sabe escalonar estes puzzles e mesmo quando os repete, ainda o faz de uma forma inteligente, que deixa o jogador feliz por tê-lo solucionado.
Combates são ótimos, ainda que no começo não provem seu valor. Entretanto a partir do momento em que o jogo engatilha hordas e múltiplos inimigos atacando ao seu redor, essa mecânica acaba se tornando intensa e muito interessante. Há valor, diversão e desafio nestes combates. A ponto de me fazer desejar por mais. Espero que a Ninja Theory encontre meios de usá-los em seus próximos jogos, de uma forma ou de outra.
Há grandes batalhas de chefes, são poucos, mas excelentes batalhas e incríveis chefes. Batalhas que sequer quero dizer quando, como ou porque ocorrem. Quando surgem, o faz querer engolir seco e ficar em pé para encarar o desafio. Não porque são difíceis, mas porque o jogo te deixa tão imerso em seu mundo, que é impossível não levar ainda mais a sério estes momentos. Um dos últimos, em meio a escuridão, foi um destes momentos que certamente jamais irei esquecer. E como morri para esse chefe. Uau!
Enfim, saiba que Hellblade: Senua’s Sacrifice não vai lhe entregar muito valor de replay. É como terminar um excelente livro ou um fantástico filme. Você contempla o feito, reflete a seu respeito. Diz para todos que é excelente e o recomenda fortemente. Mas não precisa necessariamente voltar parar jogar mais uma vez. Talvez o faça daqui alguns anos, quem sabe. Dado o que o jogo te entregue pela primeira vez, dá para se dizer que o faz de uma forma tão inesperada e bem executada, que há a satisfação por tê-lo completado. E isso é suficiente neste caso. Aplauda e apenas aguarde o que mais a Ninja Theory poderá fazer em seu próximo projeto, que ainda não foi anunciado (agora em uma nova casa sob seu teto).