20XX | Elemento X! (Impressões)

Muitas vezes dizer que “jogo X” se parece com “jogo Y” pode soar que um estúdio está tentando copiar a fórmula do outro. No caso de 20XX, dizer que ele tem muita inspiração direta de Mega Man X não tem essa conotação. Oficialmente, seu estúdio, a Batterystaple Games, sempre afirmou que seu desejo era criar algo completamente inspirado neste clássico da Capcom, adicionando uma abordagem mais direta, adicionando elementos de multiplayer cooperativo e criação de estágios procedurais, usando o bom esquema de progressão dos atuais roguelikes. O resultado disso é um game que tem muita cara de Mega Man X, porém com ideias totalmente originais que o torna realmente singular. 20XX é um game para fãs de Mega Man X.

Originalmente o jogo se chamava Echoes of Eridu. Existiu até mesmo uma campanha no Kickstarter, lá em 2014, com tal nome. Estando em desenvolvimento desde 2013, foi quando o estúdio formou uma parceria de colaboração com outro estúdio, a Fire Hose Games, em meados de 2014, que Echoes of Eridu foi renomeado para 20XX. O que na minha opinião é um nome muito mais legal. No mesmo ano o game entrou no sistema de Acesso Antecipado no Steam, a qual permaneceu recebendo constantes atualizações e refinamentos até 2016, quando foi oficialmente lançado no PC. O sucesso foi acima do esperado, segundo seus criadores, o que tornou viável trazer o título para novas plataformas. E aqui chegamos, em 2018, quando 20XX estreou agora em julho no Xbox One, Nintendo Switch e PlayStation 4.

Fórmula consagrada

O que 20XX tem de Mega Man X diz respeito muito sobre sua jogabilidade. Controles precisos, movimentos ágeis, alta mobilidade. Nina e Ace, os protagonistas aqui, inspirados em X e Zero, se movimentam como estes personagens se movimentavam na série clássica da série. É assustadoramente idêntico.

Há o tiros carregados, o dash no chão e no ar, o salto mais alto e veloz com o dash segurado, o pular quicando nas paredes para escalá-las, aquele movimento de ir para trás quando toma dano em meio a um salto e etc. São aqueles controles realmente satisfatórios dos bons Mega Man X.

E aí vem outros elementos. Todos os oito chefes do jogo possuem armas especiais, e cada uma é feita para causar dano adicional em algum dos chefes. Estas armas também afetam outros elementos nos estágios, como a arma de gelo congelar os orifícios que cospem fogo, ou a arma de barreira elétrica desativar raios lasers. Há armaduras especiais que podem ser encontradas nos estágios. E as fases também exigem muito do elemento plataforma em diversos momentos, do pular corretamente para conseguir avançar.

Tempere com ideias novas

E aí entra os novos elementos, que não são necessariamente novos para aqueles habituais com os atuais roguelike, mas que nunca foram exatamente aplicados dentro da franquia oficial de Mega Man. Ainda que algo nessa direção quase chegou muito perto de acontecer quando a Capcom estava desenvolvendo Mega Man Universe, antes da saída do Keiji Inafune do estúdio. Se bem que neste caso, Universe era mais parecido com o conceito de Mario Maker do que o que 20XX se propõe.

Aqui o jogador não pode customizar seu personagem ou criar seu estágio do zero. Os estágios são procedurais, o que significa que são montados de acordo com um código em sua programação que os fazem diferentes cada vez que o mesmo for jogado. Mas é claro que essa criação de estágios possuem certas regras para que a geração não saia quebrada ou inconsistente com sua proposta.

E estas regras ficam claras após algumas sessões de jogo. 20XX possuem quatro cenários chaves, um baseado em gelo, outro com lava e chamas, um com floresta com espinhos e plataformas magnéticas, e, por fim, um aéreo que é como uma espécie de templo no céu. Cada estágio vai ter sempre dois dos oito chefes básicos do jogo. Isso significa que o jogador vai sempre ter que passar duas vezes por tais áreas, sendo que normalmente um estágio tende a ser bem mais difícil do que a segunda visita à área (que não precisa ser consecutiva).

Além disso, conforme o jogador progride, as áreas tendem sistematicamente a ficarem mais difíceis. Há cenários, como o do Templo no Céu (Skytemple), que são realmente difíceis se forem visitados ao enfrentar o sétimo ou oitavo chefe da campanha.

Porém como todo roguelike, muitas vezes os segmentos e trechos de fases ficam manjados pelo jogados. O jogo monta os estágios proceduralmente, porém esse sistema tem pré-moldados muitos segmentos, que acabam se repetindo rapidamente em algumas sessões. Pra mim isso é bem mais evidente no estágio com lava e fogo, que não me aparentou ter tanta variação quanto os demais. Por fim, o estágio de gelo normalmente são os melhores estágios para deixar para a progressão próxima ao fim do game. Ao menos foi assim pra mim.

Estou mencionando escolher os estágios porque é dado ao jogador ao final da primeira fase o direito de escolher o próximo chefe a ser enfrentado, com a informação do estágio a qual ele se encontra. Essa opção porém se limita a três chefes por vez, e não de todos os que ainda faltam serem derrotados. E a primeira fase é sempre aleatória. Não dá para saber qual será ou o primeiro chefe que irá aparecer.

Aí entra outro elemento original do game, também característico de roguelikes: os itens que podem se destravados de forma permanente e aqueles que são adquiridos para cada sessão especificamente.

Os permanentes são os mais interessantes à princípio, pois são aqueles que vão sempre estar disponíveis ao jogador e normalmente são os que permitem ir mais fundo na progressão dos estádios. São adquiridos com chips especiais que são coletados destruindo um inimigo especial em cada estágio (e este é sempre mais resistente do que os demais) e também vencendo os chefes de cada fase.

E estes chips precisam ser gastos tão logo a sessão acabe e o jogador retorne ao hub central do game. Se outra sessão for iniciada, sem que os chips sejam gastos, eles perdem a validade. Com estes chips o jogador compra aprimoramentos como mais vida e energia para armas especiais, assim como um amigo gato que aparece no intervalo de algumas fases e também caixas especiais que lhe entregam armas especiais no começo de cada nossa sessão de jogo. Destravados tais itens, eles tornam-se permanentes, porém há a opção do jogador desligar todas antes de uma nova sessão, caso assim deseje.

Com os chips também se compra perks, itens de aprimoramentos que podem ser encontrados durante o jogo e que duram apenas até na sessão em que os encontrar. São itens que ficam em baús e lojas dentro dos estágios, que aumentam a barra de saúde, energia, maior poder de ataque de armas e afins. Há alguns bem legais, como um que lhe dá poder magnético para atrair itens deixados por inimigos destruídos, enquanto outros podem aumentar certos atributos enquanto diminuem outros (mais ataque, porém menos energia). Estes itens precisam ser comprados no hub do jogo para poderem aparecerem de forma aleatória dentro do game, em baús e caixas de itens.

Além destes itens há também armaduras, que também são bem legais. Normalmente elas podem ser encontradas em salas de desafios, existentes em todos os estágios. Estas salas possuem certas metas, como eliminar todos os inimigos em tantos segundos ou não tomar dano enquanto ou fugir de alguma ameaça. Ao vencê-las ganha-se um pedaço de armadura, de um total de quatro (torso, pernas, braços e cabeça).

Ao todo 20XX possuem quatro armaduras totalmente distintas. Todas bem legais, sendo que há algumas que se destacam mais do que outras. Uma delas lhe dá o nível três do seu canhão de tiro, enquanto outra te dá o poder de pulo duplo, perfeito para os estágios do templo que possuem muitas plataformas. Cada pedaço de armadura tem um atributo especial.

Não posso esquecer de comentar que a arma principal (que pode ser usada ilimitadamente) dos personagens também possuem variações e podem mudar. Gosto em particular de um tiro em três direções frontais e daquele que atira nos quatro pontos cardinais (cima, baixo, esquerda e direita). Ao começar a destravar estas armas básicas é o momento em que se consegue ir mais longe em cada sessão.

E estes elementos potencializam a sensação única de cada sessão de jogo. Afinal o game nunca começa igual, em relação aos estágios e sua sequência de chefes, enquanto o jogador também nunca tem o mesmo set de itens e equipamentos ao longo de cada sessão. Por mais que haja lojinhas em cada fase, para se gastar os parafusos que os inimigos dão como dinheiro do game, isso não quer dizer que o jogador vai sempre se equipar da mesma forma, por mais que ele tenha preferência por certos itens. Há uma seleção muito grande deles, a ponto de alguns não aparecerem em certas sessões. E isso é um grande ponto positivo do jogo para evitar que ele se torne repetitivo. Ele cumpre aquilo que promete: cada sessão é diferente da sessão anterior.

E agora você soma a parte mais impressionante de tudo isso: é possível jogar localmente ou online com um amigo convidado toda a campanha de 20XX em modo cooperativo. Online cada um em sua própria tela, enquanto que localmente a tela vai se expandindo até onde for possível para deixar sempre os dois jogadores na mesma tela. É muito legal isso e um aspecto que jamais pensei que poderia dar certo em um jogo com a fórmula de um Mega Man X.

O mais impressionante é que funciona muito bem. Testei com o meu filho, de 5 anos, e tivemos sessões bem divertidas nesse sistema. Um acaba auxiliando o outro com os inimigos, enquanto que os personagens não se empurram fisicamente, então nos trechos de plataformas não tem aquela tensão de um pular e acertar o outro sem querer e o colocar para fora da plataforma. É bem tranquilo mesmo. Fora que com dois o jogo fica bem mais fácil, enquanto que quando um morre, sempre há a chance de ressuscitá-lo ao final de cada estágio.

E é possível que ambos joguem com o mesmo personagem. Não gosta do Ace com sua espada? Dois podem jogar com a Nina e seu canhão de plasma. Não há problema. Nisso.

Há mais debaixo do capô

São estes elementos interessantes em 20XX que mais se destacaram pra mim em relação a ter conceitos e ideias que existem nos games modernos e que consegui ser muito bem aplicado a fórmula de Mega Man X. Claro que existem também outros pequenos aspectos que poderia mencionar, como os desafios diários e online criados pelos desenvolvedores, que montam maratonas de fases e chefes e colocam para os jogadores disputarem dentro de um placar de líderes globais, com os melhores tempos e pontuações.

Ou o fato de que os chefes também mudam seu padrão de ataque e sua dificuldade dependendo de quando o jogador os encontra em cada sessão. Um chefe no estágio 1 não vai ser igual a sua versão no estágio oito. O cenário pode mudar (ter buracos), o chefe vai ter ataques diferentes e até mesmo adicionais, enquanto também estará mais ágil.

Isso para não esquecer de mencionar que há um terceiro personagem (Hawk) que só é liberado quando o jogador conseguir terminar o game pela primeira vez. Esse personagem tem como arma um chicote, o que muda também seus padrões e forma de atacar. Um personagem que no Steam foi lançado via DLC, mas que a versão de consoles o recebeu de graça, junto com o jogo principal. E um quarto personagem (Draco) acaba de ser lançado este mês no Steam e em breve também será dado de graça nos consoles.

E sem estender muito dos dois estágios finais, mas eles também são absurdamente difíceis. São longos estágios que colocam a prova tudo que o jogador conseguiu conquistas ao longo das oito batalhas que o antecede. Muitos pulos, inimigos e armadilhas de todos os estágios anteriores. Tudo em um único misto de situações. E os dois chefes finais também são diferentes e divertidos.

20XX também apresenta três níveis de dificuldade. Sendo o normal já bem desafiador, pois não há vidas extras. Morreu já era. Precisa recomeçar tudo novamente. Porém para quem não é muito fã disso, ainda pode usar o modo mais fácil, que dá ao jogador duas vidas extras para caso tais fatalidades de morrer próximo ao estágio final.

Considerações finais

20XX é um jogo independente surpreendentemente fiel aquilo que se propõem a ser. É muito divertido, difícil sem soar frustrante e com um alto valor de replay. Dá opções para todos os níveis de jogadores, daqueles que não gostam de uma dificuldade elevada até ao que gosta do circo pegando fogo.

Existe uma sensação de progressão ao jogá-lo. Sempre indo mais longe. Sempre ativando novos itens de permanentes e novos itens que vão surgir nas fases. Há desafios online novos todos constantemente e personagens diferentes para serem usados. É difícil fica cansado de jogá-lo.

As sessões de campanha pode levar de 50 minutos a 1h33 aproximadamente. Presumido que você esteja no modo normal e não vá morrer até terminar o game. Não é muito se for pensar, porém é muito difícil, pra não dizer impossível, que alguém termine esse jogo logo em sua primeira sessão. Ele não foi feito para ser assim.

E mesmo que seja este o caso, ao recomeçar uma sessão, com novos itens desbloqueados e novas fases geradas, a sensação é de que está jogando algo diferente, não exatamente novo, mas o suficiente para não soar repetitivo. O que pra mim é o ideal em se tratando de roguelikes.

Claro que 20XX não é exímio de algumas críticas. Eu não gosto, por exemplo, de seus gráficos, que tem muita cara de jogo em flash de uma geração atrás. Visualmente ele não impressiona. Mas aí estou julgando um livro pela capa, o que diante de todo o exposto até agora, prova que não é o ideal. Ao menos sua trilha sonora é muito boa.

Outro ponto de crítica é a ausência de uma boa história. O game tem apenas uma desculpa para colocar os personagens em batalha contra outros robôs. Não há sequer um bom esforço para criar um contexto, tal como a série que serviu de inspiração ao jogo possui. Há algumas cenas animadas no game, mas elas são bem fracas. Mas novamente, dá para relevar tendo em vista que é mais divertido jogá-lo do que tentar entender motivações de personagens e vilões.

20XX tem essa carinha de jogo independente mesmo. Que é bom em muitos aspectos, porém não em todos porque o orçamento é sempre limitado nestas produções. A minha torcida é para que ele faça muito sucesso agora nos consoles e permite que sua equipe de desenvolvimento consiga trabalhar em uma sequência que possa refinar justamente alguns de seus aspectos visuais e narrativos. Certamente o título merece!

Galeria

Inspirado em Mega Man X, mas com ideias próprias
Jogabilidade precisa e certeira, boas mecânicas
Ótimos elementos de roguelike
Visualmente não é tão bonito quanto poderia ser
Enredo fraco, apenas uma desculpa para ação
Excelente multiplayer cooperativo (local e online )
Alto valor de replay, dá vontade de jogar e rejogar

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