Gorogoa foi lançado originalmente em dezembro de 2017, apenas para PC e Nintendo Switch. Alguns meses depois, em maio de 2018, o título chegou ao PlayStation 4 e Xbox One. Desde então é um destes jogos que ficam no meu radar, mas que ainda não tinha parado um momento no corre corre cotidiano para desfrutá-lo. Isso até o mês passado, quando paramos, em família, em uma única noite, para apreciar estes intrigante puzzle.
O jogo foi desenvolvido por Jason Roberts, cuja a história de criação do game foi contada de uma forma esplêndida pelo Kotaku US no artigo The Puzzle Of A Lifetime. É um daqueles projetos dos sonhos, onde existe a ideia, mas não se sabe exatamente como a por em prática. O projeto é um daqueles que ganhou coragem para sair do papel quando Braid reinventou o mercado dos jogos independentes em 2008. E ainda assim levaria mais alguns anos até que Gorogoa fosse um projeto de tempo integral do desenvolvedor. Em 2011 o desenvolvimento começaria para valer, com uma versão prévia em 2012 sendo lançada e que conquistou diversos prêmios mundiais e incontáveis elogios da crítica especializada. Mesmo com muitos apertos, o desenvolvedor viu seu sonho se concretizar em 2017, a versão final de Gorogoa, agora em parceria com a Annapurna Interactive, que atuou como publisher do título para todas as atuais plataformas a qual o game está disponível.
Gorogoa é um daqueles títulos que põe em perspectivas a ideia de que videogames também podem se misturar com formas de arte, de expressar ideias, emoções e sentimentos de uma forma que seja singular e única a cada um que pare para apreciar aquilo a qual a obra está tentando lhe mostrar. É uma expressão do talento e habilidade ímpar de Jason Roberts.
Afinal, o que é Gorogoa?
Em termos práticos, Gorogoa é um puzzle interativo. Há uma situação e o jogador precisa interagir com quadros e camadas entre eles para que o mundo entre estas cenas se conectem e interajam criando novos quadros, cenários e situações. Conforme se progride, novos puzzles diferentes surgem, e mais profundo e complexos podem ficar. A solução é sempre única, mas nunca é exatamente óbvia ou simples de entender.
Vou simplificar mais um pouco o que escrevi acima. Veja bem, todo o título acontece em um grande quadrado na tela da sua televisão ou seu monitor. Esse quadrado é dividido em quatro quadrados menores. Em um destes quadrados menores há uma cena. O jogador pode puxar esta cena para um outro quadrado e isso não o fará ir por completo para esse novo espaço. Se você puxou um ambiente externo, com uma porta, talvez você descubra que no local onde foi puxada agora há o interior de onde a porta estava. Você tem dois quadrados então, um com o local interior da porta e o outro com o local exterior. E isso é só um dos exemplos do que pode ocorrer mexendo com os quadros em Gorogoa.
Outro ponto é ampliar ou diminuir as imagens dentro destes quadrados. No exemplo acima você puxou e aparece um ambiente interno que é um quarto. Há uma janela nesse quarto. Você pode ampliar a tela até sair pela janela e ir para outro ambiente. Ou talvez no ambiente externo seja possível abrir ainda mais o cenário até chegar em outro local. E talvez nestes novos locais você vai puxá-los para outro quadrado vazio e eles vão se desprender também, deixando algo no quadrado anterior e gerando assim um terceiro quadrado com algum ambiente.
O título brinca muito com camadas e transparências. As vezes os quadros precisam se posicionar acima de outros, as vezes é preciso retirar parte da imagem. Em outras circunstâncias cenas precisam ser sobrepostas para revelar outras coisas embaixo, ou quadros precisam ser movidos e em cada posição há uma imagem diferentes. As ideias com essa mecânica são bem diversificadas.
Percebe que loucura? Aí de repente você vai perceber que há cenas entre estes quadrados que vão se interligar. Cenas em que vão se encaixar lateralmente. Outras que você precisará girar ao criar engrenagens entre os quadros. Ou talvez entrar dentro de quadros, ou levar vaga-lumes para outros quadros. Gorogoa é um inteligentíssimo quebra cabeça, onde as imagens interagem de formas inesperadas.
É claro que há vida dentro destas imagens. Pessoas se mexem, objetivos se movimentam entre quadros. Um garoto precisa seguir um caminho pelos quadros, a qual é função do jogador descobrir como encaixar e criar tais caminhos. Há múltiplos pontos de interação, várias opções, e o jogador mexe em tudo até entender o que vai se conectar com o quê. As imagens encontradas nesta análise não fazem jus ao quão vivo são os quadros ao se jogar.
É claro que algumas vezes Gorogoa é um jogo de tentativa e erro. Separe quadros, mexa em tudo, e observa até entender em quê mexer e como se posicionar os quadros. Isso torna o título menos frustrante do que poderia ser. Afinal, eventualmente você encontrará a resposta dessa forma.
No meu caso houve duas circunstâncias em que travei e precisei realmente de muitas tentativas e diversos minutos até entender o que realmente precisava fazer para entender aonde o garoto precisaria ir. Não olhei pela internet, mas repeti tudo umas 15 vezes até entender exatamente o que o jogo estava querendo que eu fizesse.
Vale ou não vale?
A genialidade de Gorogoa estão não só em seus mecanismos, mas na forma como seu mundo e narrativa é apresentada. Tudo começa com um garoto enxergando um estranho monstro a uma certa distância. Logo o mesmo pesquisa sobre o monstro em um livro, e descobre que é preciso encontrar cinco frutos para afastá-lo. O objetivo do game é simplesmente encontrar estes cinco frutos, guiando o garoto em uma estranha jornada entre diversos quadros, que contam uma história interpretativa e subjetiva.
O visual estético do game é um charme singular e fantástico. Há arte e muita dedicação do seu criador nos quadros. A riqueza de detalhes dos cenários são de se deixar boquiaberto. A parte dessa arte se reflete na subjetividade que o jogo lhe entrega. Ao fim, a jornada do garoto é muito mais do que apenas derrotar um monstro. O jogo não perde tempo tentando lhe explicar seu significado objetivo. Isso só estragaria sua experiência.
São cinco capítulos, todos bem curtinhos, dependendo muito do tempo em que cada um leva para desvendar seus quebra cabeças para avançar. A progressão, por sinal, é bem inteligente, pois conquistado um puzzle, não é possível retornar os quadros para antes da solução encontrada. Assim o jogador sabe que está travado até encontrar a próxima resposta, sem não ter medo de mexer demais e voltar a um momento da história previamente vencida.
Como relatei lá no começo, terminei o game em aproximadamente uma hora e meia. Sentamos em família, um sábado à noite, esposa e filho de seis anos, e ficamos mexendo e interagindo até descobrir as soluções do jogo. Tenho que admitir, a minha esposa leva muito jeito para jogos assim, que requerem observação apurada aos detalhes. Pensar antes de agir. Eu sou exatamente o contrário, mexendo em tudo para só aí pensar no que fazer. Para ela, mesmo que não estivesse com o controle em mãos, foi uma excelente experiência. Ao fim ela me disse que adorou o título.
Ser curto não estraga a proposta de Gorogoa, mas pode frustrar alguns jogadores, seja porque gostariam de encontrar algo mais duradouro em relação ao que talvez tenha pago pelo jogo, seja porque simplesmente gostariam que houvesse uma maior exploração das mecânicas propostas pelo game, ou melhor aprofundamento de sua história, que até pode ser chamada de fábula. O ponto é que ainda que curtinho, sua experiência é completa. Cumpre o que promete.
Seu valor de replay fica focado em dois pontos: poder testar a versão inicial de 2012 criada pelo Jason Roberts, ou simplesmente rejogar os capítulos previamente vencidos, podendo selecionar qualquer um deles em um menu que abre posteriormente a sua conclusão. E é comum encontrar relatos de quem quis jogar uma segunda ou terceira vez para pegar todos os detalhes interpretativos de sua narrativa.
Faz total sentido, já que na primeira vez você apenas quer que os quadros se encaixem e as cenas avancem. E ao concluir o jogo há um certo toque melancólico, como de um final triste. Porém acho que é mais algo introspectivo sobre a jornada pessoal do protagonista do que um fim propriamente ruim para si. Além disso o título brinca muito com certos símbolos, como alguns religiosos e astronômicos.
Tendo sido lançado já há algum tempo para todos os consoles atuais e PC, é bem fácil encontrar Gorogoa em promoção vez ou outra. Se você ainda não jogou, talvez esta seja uma experiência que valha a pena experimentar. Não importa ser ou não fã de jogos no estilo puzzle. O problema com esse gênero é que muitas vezes os jogos são permeados com clichês e coisas a qual você já viu por aí. Gorogoa não. Trata-se de uma experiência realmente única e bem recompensadora. Fica a indicação.
Dando uma nota
Puzzles inteligentes, únicos e com boa dose de desafio - 9.5
Visualmente de tirar o fôlego - 9
Mecanicamente é genial, mexendo com observação e pespectivas - 10
Há uma narrativa, mas é subjetiva. Nem tudo é fácil de dar um entendimento - 9
Experiência intensa, porém bem curta - 7.5
Progressão inteligente, não frustra o jogador - 9
9
GENIAL
Gorogoa é uma daqueles experiências interativas que não se encontram todos os dias. É arte se mesclando em videogame e vice-versa. É um título deslumbrante, inteligente e singular. Sim, talvez seja mais curto do que se espera, mas isso não serve como desculpa para não experimentá-lo.