A revista do Pato Donald é um ícone aqui no Brasil. É a mais antiga da linha Disney, com quase 2.500 edições lançadas. Estreou por aqui em 1950 e desde então esteve presentes entre gerações de leitores. Nunca sofre uma grande interrupção em sua publicação e é uma das mais queridas dos fãs.
Não haveria como imaginar o retorno dos quadrinhos Disney no Brasil sem que houve uma revista do Donald retornando. E olha que foi estranho passar alguns meses sem tê-la em nossas bancas. Felizmente a redação da Editora Culturama sabe o peso que o personagem tem e sua revista está de volta.
Entretanto, ao contrário da Edição Zero de Mickey, fiquei com a impressão de que a nova casa do personagem perdeu uma oportunidade de se reinventar. De tentar algo diferente com o Donald, especialmente agora, sob uma nova fase onde se faz necessário aumentar o público de leitores, atrair sangue novo a este universo são apaixonante. E já explico melhor isso.
Antes de continuar, é importante recapitular. A Editora Culturama é a nova casa dos Quadrinhos Disney no Brasil. — Sob essa nova proposta, a Culturama veio, neste momento inicial, com cinco títulos mensais: Mickey, Pato Donald, Tio Patinhas, Pateta e Aventuras Disney. Todos com numerações zeradas, com melhorias gráficas, papel mais branquinho e de melhor gramatura, impressão de qualidade que reforça as cores dos quadrinhos e número de páginas padronizado: 64 páginas cada revista. Preço sugerido de 6 reais cada.
Lugar comum (até demais)
Pato Donald Zero é uma ótima edição para aqueles leitores que já conheciam sua antiga revista, na fase da Editora Abril. E é difícil dizer se isso deveria ser um elogio ou não. Volto a dizer: esta é uma nova fase que precisa de novos leitores, e especialmente da turma mais jovem, principalmente a criançada pequena. É essencial que novos leitores passem a crescer com estes personagens.
Ao falar de Mickey Zero usei esse argumento. A revista do rato reapresenta novamente o personagem. Faz o que se espera que uma edição Zero faça. Pato Donald não faz, e ainda perde algumas oportunidades que poderiam ser bem importante nessa nova fase. E posso dar um exemplo disso: as HQs do Donald Menino.
Talvez você encontre por aqui aqueles leitores das antigas que dizem que o Donald Menino é ruim. E aqui vou discordar veemente. Não é. Ao menos não ao público a qual estas histórias são produzidas. São aventuras com crianças, então há um foco para que esse seja o público dessas HQs. Prova disso é que já li algumas para meu filho pequeno, de seis anos, e ele adorou. Pra ele é sensacional ver o Donald ainda garotinho, vivendo aventuras na fazenda, com outras crianças de sua idade.
A meu ver a Culturama mandou uma enorme bola fora ao não incluir em sua edição Zero uma HQ dessa série. Mesmo que fosse uma pequena, sem chamada de capa e afins. Se o Pato Donald precisa atrair uma galerinha mais nova para sua revista, essa revista precisa começar a pensar um pouco mais nesse grupinho de leitores. Caso contrário, vamos continuar com uma revista envelhecida pelas décadas de publicação, em quê somente veteranos e colecionadores já de idade, como eu, vão realmente apreciar.
E vamos a seleção de histórias. Falarei um pouco sobre cada uma das HQs escolhidas para essa edição. Algumas boas, outras fracas. Ainda que boa parte delas sejam produzidas por grandes talentos da casa. Ao contrário de Mickey Zero, que trouxe aventuras mais encorpadas, a Pato Donald Zero apostou no lugar comum, trazendo material em grande parte da Dinamarca, que seja muito a rígida escola de Carl Barks, com aventuras mais curtinhas e diretas.
- Um Golpe na Escandinávia
Roteiro: Carol McGreal e Pat McGreal, e Desenhos: Arild Midthun
A história que abre a revista não é uma má história. O problema é que ela é uma escolha ruim para abrir uma revista edição Zero, que precisa presumir que já novos leitores chegando por aqui. Novamente, essa não é exatamente uma história para um público jovem, e dá para ir além, é uma HQ que precisaria de uma ou duas páginas extras ao final, mostrando curiosidades sobre as locações reais a qual a aventura se passa.
A HQ sequer é uma história habitual do Pato Donald. Pra mim, a melhor HQ para abrir essa revista deveria ser uma das clássicas situações do Donald com seu vizinho, o Silva. Pelo humor, pela característica mais clássica do personagem, sempre brigão, perdendo a paciência e normalmente com GAGs visuais que mostrem o pato se dando mal.
Não há exatamente nada nisso em Um Golpe na Escandinávia. Aqui o que se encontra é uma atípica história de viagem com o Donald e seus sobrinhos, onde o que se reforça aqui é a ingenuidade, as vezes meio boba demais, do Donald em acreditar em um golpe que eu preferiria muito mais ver o Pateta caindo. Tudo bem que a resolução é muito a cara do Pato, que sai em disparada com seu carrinho, 313, por marcos europeus, mas ainda assim… não sei.
Não é uma aventura ruim, especialmente porque é uma HQ que conta com o traço sempre muito incrível do Arild Midthun. Apenas não a achei memorável. Vai ser esquecida por mim rapidamente. E pensar que é a história que abre uma edição zero. Que pena!
Seria mais interessante se a história estivesse mais no final da revista. E eu trocaria fácil as duas Gags de uma página ao final da edição por duas páginas de curiosidades com fotos reais do pontos em que se passa a aventura. Isso teria sido um belo diferencial para enaltecer essa HQ.
- Pato Donald & Peninha em A Lua da Colheita
Roteiro: Maya Astrup e Desenhos: Wanda Gattino
HQ fraquinha, simples assim. E não me surpreende. As vezes o Peninha produzido na Dinamarca não tem o charme que o original norte americano possuía, ou os trejeitos malucos que o Peninha brasileiro teve em sua gloriosa fase de ouro da produção nacional. É diferente até mesmo do Peninha italiano, que sabe se equilibra entre o ingênuo e atrapalhado, ao nonsense. E eu volto a esse Peninha algumas HQs mais à frente.
Este história não tem exatamente um bom roteiro. Não há cenas engraçadas ou uma aventura que prenda o leitor. Ela é exatamente um HQ de lugar comum, sem nada realmente que a torne diferente ou divertida. É fraquinha. Uma pena. Fiquei com a impressão daquela típica HQ que serve pra fechar buraco em revistas. No fim, acabam não agregando muito.
- O Incrível Pato que Encolheu
Roteiro: Carol McGreal e Pat McGreal, e Desenhos: Maximino Tortajada Aguilar
Esta sim é uma aventura que me entreteve e me divertiu. Seria uma boa história para abre uma revista, sem dúvida alguma. Talvez não funcionasse para abrir esta Pato Donald Zero porque ela justamente tem um plot principal que brinca com a mesma ideia da HQ que abre a Mickey Zero (personagens que encolhem).
Essa é uma aventura que uma criança se diverte lendo. É engraçada, não é previsível na forma como a narrativa é conduzida, e tem ótimos desenhos. Quadrinhos com ciência sempre combinam. Especialmente no universo Disney. Fato!
- Golfe Esburacado
Roteiro: Peter Snejbjerg e Desenhos: Marco Rota
Outra HQ que posso considerar como de ótima qualidade. Marco Rota é um dos meus desenhistas Disney prediletos da atualidade, então pode soar meio suspeito isso. Entretanto é uma aventura típica do Donald, envolvendo ele em uma nova profissão e se metendo em alguma confusão por conta disso. No caso dessa história a culpa não é dele, mas dos Irmãos Metralhas.
Não existe muitos momentos de humor aqui, mas a trama é amarradinha, vai escalonando e deixar o leitor fisgado querendo ver até onde os Metralhas vão para consegui encontrar diamantes enterrados em um campo de golfe. Uma aventura curtinha, mas toda bem feitinha. Roteiro e traço combinam e dão o melhor de si.
- Patos Motorizados – Acessórios Modernos, Hábitos Antigos
Roteiro: Marco Bosco e Desenhos: Luca Bonardi
Aqui se encontra a primeira HQ italiana da edição. Não é uma história excelente, mas também não a consideraria como fraca. Está no meio desse muro de qualificação. Eu gosto muito do desfecho, a qual admito que não estava vindo chegar.
O bacana é que é uma história que funciona também para uma faixa etária mais nova, porque aqui ela discute a arrogância do Gastão, que só quer realmente se mostrar ao Donald, que surpreendente acaba sabendo levar as coisas de uma forma corretamente espirituosa.
Não é uma história memorável, mas é uma aventura que mostra alguns valores que dá para se discutir com uma criança que esteja chegando aqui e não conhece muito bem estes personagens ou essa também típica situação encontrada nas revistas do Donald.
- A Febre do Ouro em Marte
Roteiro: Aleksander Kirkwood Brown e Desenhos: Bas Heymans
Hum… veja bem, esta não é uma história do Pato Donald. Aqui a revista dá uma pausa no protagonista para contar uma aventura do Tio Patinhas. Uma divertida e excelente aventura, por sinal. Seria injusto se ela fosse uma das melhores da edição? E ela meio que é.
O que se tem nessa aventura é aquele realismo fantástico que os quadrinhos Disney se permite ter de vez em quando. Astronautas descobrem ouro em Marte, então por consequência disso uma nova corrida do ouro é estabelecida no Planeta Vermelho. E lá está o Tio Patinhas relembrando seus velhos tempos de garimpeiro.
A HQ é divertida porque imagina como seria minerar o solo marciano, com todos os problemas de um planeta sem oxigênio, onde todo mundo precisa de trajes espaciais, sendo que a ausência de gravidade também pode ser um problema. Novamente: é a ciência da ficção científica que assume e torna divertida a aventura. Gostei. É uma HQ que sabe brincar com o imaginário.
- Peninha e a Surpresa Artística
Roteiro: Silvia Martinoli e Desenhos: Mattia Surroz
O Peninha retorna para mais uma história bem curtinha, mas com um humor melhor afinado do que a HQ discutida mais acima. Aqui é possível ver um pouco mais da sua personalidade italiana, mais ingênuo, com boas intenções, mas sempre causando problemas ao Donald. Eu gosto desse Peninha. A aventura é pequeninha, mas divertida. Tem um humor inocente, mas funciona.
Dá até para encaixar aqui, já que estou falando do Peninha italiano, as duas Gags de uma página cada que fecham esta edição. Duas piadinhas também envolvendo o Peninha, mas o Peninha do Enrico Faccini, que ao longo dos últimos anos adquiriu um traço muito pessoal e deu um ar próprio a este personagem que o mesmo tanto adora trabalhar. São boas piadas, e há muito do absurdo no humor do Faccini. É bom vê-lo aqui.
Finalizando
Pato Donald – Edição Zero é uma revista que me decepcionou na forma como abre esta nova fase na Editora Culturama. Não é uma edição ruim, mas não acho que foi muito bem pensada. Queria ter encontrado uma revista diferente, que falasse com um novo público, ao invés de apenas fazer aquilo que a mesma já fazia na Era da Abril.
Ao veteranos e colecionadores, ela funciona. Parece até que a revista nunca foi pausada. E será que é isso que deveríamos querer? Eu acho que não. E não estou dizendo que o Pato Donald é uma revista ruim. Estou dizendo que há potencial para ela entregar mais. Atrair sangue novo.
Dito isso, eu me lembro de uma gloriosa fase na revista nos anos 90, quando a mesma abria suas edições com longas aventuras italianas. De uma fase muito boa da produção italiana, sempre com roteiros diferentes, malucos e bem humorados. Não tenho problema com a produção da Dinamarca, gosto de muita coisa lá. O problema é que nem sempre estas histórias serve como uma boa apresentação para abrir uma revista. minha opinião, é claro. Gosto de histórias maiores, que vão entrar na minha memória e não sairão tão facilmente.
Perdeu-se a oportunidade com Donald Menino. Não é uma revista que fala com um público mais novo. A HQ que abre a edição é ótima, mas não para abrir a edição. Pra mim a Edição Zero de Pato Donald tropeçou desnecessariamente. É uma boa revista, mas é uma fraca edição zero.
Onde encontrar? Bem a Culturama tem cantado em seus canais oficiais e na abertura da revista que ela é uma empresa que se orgulha de ser eclética. Já há um sistema de assinatura e suas revistas também estarão à venda em bancas de jornal, assim como supermercados, lojinhas de conveniências, farmácias e onde mais ela conseguir inserir seus pontos de venda. Na teoria isso é legal, na prática ainda está sendo aplicado. Aqui em Jacareí, interior de São Paulo, ainda não encontrei as edições zero. Eu, como colecionador, me preocupo com isso.
Se você está com problemas para encontrar estes novas revistas posso dar um conselho: pergunte ao seu jornaleiro o contato da distribuidora de revistas da sua cidade. Se ele puder lhe passar, faça contato lá e pergunte se eles estão sabendo do retorno das revistas Disney pela Culturama. Eu fiz isso aqui e descobri que ninguém estava sabendo. Após o meu contato prometeram resolver isso o quanto antes. Outra dica é enviar um e-mail diretamente para a editora, no quadrinhos@culturama.com.br ou sac@culturama.com.br. Informe sua cidade e peça informações sobre pontos de venda, alegando não estar encontrando as revistas. Alguém deve lhe ajudar.
Por fim, posso dizer para que aqueles que nunca leram nada de quadrinhos Disney que deem uma chance nesta nova fase. Vale a pena, especialmente se você tiver uma criança pequena orbitando ao seu redor. Dê essa alegria aos pequenos, pois nesse Brasil da ignorância, faz bem introduzir a criança em bons quadrinhos. sejam eles Disney ou não.
Dando uma nota
Acabamento gráfico primoroso da nova editora - 10
HQ - Um Golpe na Escandinávia - 8
HQ - Pato Donald & Peninha em A Lua da Colheita - 3
HQ - O Incrível Pato que Encolheu - 10
HQ - Golfe Esburacado - 9
HQ - Patos Motorizados – Acessórios Modernos, Hábitos Antigos - 8
HQ - A Febre do Ouro em Marte - 9.5
HQ - Peninha e a Surpresa Artística - 8.5
Edição zero sem impacto, com oportunidades perdidas e seleção de HQs comum demais - 5
7.9
Regular
Pato Donald Zero não causa o impacto necessário ao leitor que está chegando agora aos Quadrinhos Disney. A seleção de histórias é desordenada e nem um pouco memorável. Para uma edição zero era necessário um melhor cuidado com isso. É uma revista boa, mas não uma boa edição zero. Simples assim!