Análise | Sekiro: Shadows Die Twice
Disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC
Brutal, fantástico e imersivo. Estes são bons elogios para Sekiro: Shadows Die Twice, título lançado no final de março, produção do estúdio japonês FromSoftware, famoso pela série Dark Souls, entre outras investidas como Bloodborne.
O título esbanja a personalidade e o charme singular do estúdio, ao mesmo tempo que simplifica uma das maiores características do estúdio: sua dificuldade cheia de penalidades. Algo tão comum na franquia Souls. Entretanto… espere… talvez usar a palavra “simplificar” seja um equívoco da minha parte. O melhor termo provavelmente é “amigável“. Significa que Sekiro é um excelente jogo para quem nunca jogou nada da FromSoftware, por se sentir intimidado pela dificuldade a qual as obras do estúdio impõem aos jogadores.
Mas não se engane, Sekiro: Shadows Die Twice é um jogo que vai lhe desafiar, no melhor sentido possível. A dificuldade está presente constantemente. Qualquer vacilo é motivo para uma morte não lá muito honrada. O que torna amigável nesse sistema são como as mecânicas lhe dão chances para recomeçar, sem que haja tantas penalidades ou longos retornos como Dark Souls faz ao jogador. Difícil sim, penoso nem tanto.
Bem vindo ao Japão
A ambientação de Sekiro: Shadows Die Twice é um dos grandes acertos do jogo. Aqui a FromSoftware resolveu reimaginar uma das eras mais famosas da história do Japão, o período Sengoku. Foi um momento da história do país, ocorrida no século 16, a qual grandes guerras e conflitos políticos dominaram diversas regiões do país. Foi um período de colapso ao sistema de feudo que reinava no Japão nos últimos séculos.
Claro que Sekiro não tem como objetivo recontar esse período histórico. A ideia é apenas usá-lo como palco para uma história ficcional. O protagonista é um órfão, adotado por mestre shinobi que o poupou após um conflito que massacrou todo o clã do jovem garoto. 20 anos depois, apelidado de Wolf, o jogador assume o comando desse já adulto shinobi, que agora tem a missão de proteger o jovem Kuro, único herdeiro de um clã ancestral com habilidades em seu sangue que o tornam mais importante do que inicialmente você pode achar.
Wolf, ou Sekiro, não consegue cumprir tal missão. Após resgatar Kuro na missão tutorial do jogo, Sekiro é derrotado por Genichiro Ashina, um dos principais antagonistas do jogo. Sekiro perde seu braço e Kuro é sequestrado. Mas de alguma forma (a qual o game vai explicar depois), Sekiro consegue sobreviver, e ganha um braço prostético, de um velho escultor, cheio de ferramentas que se tornarão úteis a sua jornada.
O plot de Sekiro não é confuso ou muito aberto como normalmente são as histórias do mundo de Dark Souls. É até bem simples. O jogador é um shinobi que precisa salvar um jovem que tem a esperança de paz do Japão em suas mãos. Para isso você deve abrir caminho em um exército de inimigos que apoiam o vilão da história.
Claro que há mistérios, além de elementos sobrenaturais em meio a tudo isso. O braço artificial de Sekiro, os ídolos que o permitem realizar algumas proezas, uma estranha habilidade que o permite ressuscitar a custa de uma doença que assola o Japão, monstros e outros seres que fazem parte da mitologia do Japão. Tudo isso pertence a um contexto no universo do jogo, sem ser apenas jogado de forma gratuita. Isso permite uma incrível jornada, com boa imersão por parte do jogador.
Samurai ou Shinobi?
Dentre as mecânicas de combate, Sekiro: Shadows Die Twice, brinca bastante com essa ideia de samurais e shinobis (ninjas). O jogador logo nas primeiras horas da campanha tem acesso a duas árvores de habilidade: uma que aprimora suas habilidades com a espada, tornando os combates mais agressivos e ataques eficientes e uma outra árvore com habilidades que melhoram habilidades que envolvem sua mobilidade, ser e agir de forma como um shinobi, sem nunca ser visto ou detectado.
E é interessante como o jogo não lhe obriga a ser nem uma coisa e nem outra. Seja um samurai nas horas que quiser ser, assim como se o combate frente a frente não estiver funcionando, a abordagem furtiva de um ninja em grande parte dos conflitos certamente irá funcionar. Há uma excelente flexibilidade em como deixar o jogador vivenciar a experiência desta jornada.
Provavelmente o grande desafio do jogo é entender como se aprimorar nos combates. Entender as mecânicas de postura, contra ataque e movimentos dos inimigos. Felizmente decidi explicar um pouco destes elementos em um texto próprio, dando o espaço necessário para falar quase tudo a seu respeito. Basta ler estas dicas para aqueles que estão iniciando ou interessados em começar Sekiro.
O que é importante repetir aqui talvez seja a ideia de que o combate de Sekiro não é nada como o de Dark Souls. Não é muito sobre esquiva, mas sobre pressionar o inimigo, quebrar seu ritmo, enquanto você, como jogador, também encontra seu próprio ritmo entre ataques, contra ataques e defesas perfeitas. A esquiva existe, mas em Sekiro ela é usada mais quando você precisa de um tempo, para fugir e se recuperar de ataques que estão quebrando a sua postura. Para se afastar do combate e assim reiniciá-lo.
Entretanto gosto como certas influências de Dark Souls estão presentes aqui, como uma identidade de seu estúdio de desenvolvimento. Inimigos podem lhe matar com dois ou três golpes, alguns chefes conseguem lhe matar com apenas um se a sua saúde não estiver 100%. Há também uma cabaça, que pode regenerar a sua vida tal qual a poção de cura de Dark Souls, e tal qual, a mesma pode ser expandida ao longo do jogo, para ser usada mais vezes.
Leia também – 5 dicas para iniciantes em Sekiro: Shadows Die Twice
Sem medo da morte
Também é diferente a relação da morte entre Sekiro: Shadows Die Twice e Dark Souls. Em Souls há toda uma mecânica sobre ter que voltar ao seu corpo para recuperar suas almas, um item de jogo usado para subir de nível. Já Sekiro não. Você tem uma habilidade de ressuscitar ao morrer uma única vez, além disso não existe esse sistema de ter que retornar ao seu corpo. Morrer morreu. O jogador apenas perde metade da barra de XP e metade de suas moedas. Pontos de XP obtidos após a barra se encher não são perdidos. Ou seja, existe uma perda, porém ele é mínima (e contornável após ter se acostumado com o jogo – veja o texto linkado mais acima), e sem toda a tensão de ter que ir até o caminho onde ficou seu corpo ao morrer, como ocorre em Souls.
São estas mecânicas que dão segurança ao jogador de experimentar. Quer enfrentar de peito aberto uma área com inimigos? Vá. Se morrer, é melhor pensar em outra estratégia. Sua barra de XP está muito cheia? O jogo oferece áreas seguras para fazer um breve grinding para não perder tanta experiência. Moedas podem ser trocadas por bolsas de moedas (que não se perde ao morrer). E na dúvida, ser como um shinobi e sempre atacar de forma furtiva, o permitirá avançar sem tanta frustração. Particularmente prefiro jogar assim, sempre evitando o conflito direto se possível.
Os chefes do jogo também são geniais. Sempre ameaçadores e com poderosos ataques. Morrer neles faz parte do processo para aprender mais sobre os mesmo. A mesma coisa para os mini chefes que estão espalhados ao longo do mundo do jogo e que lhe garante um item que é muito importante para aumentar a sua barra de saúde. Derrotar estes chefes menores é quase sempre opcional, você pode fugir de alguns, mas vencê-los acaba que dando uma recompensa muito importante para a progressão. Mas é importante essa opção, especialmente quando encarar um que você possa achar impossível de derrotar.
Outro elemento que não abordei muito, e que o jogo faz tão maravilhosamente bem, diz respeito a mobilidade de saltos e ganchos ao explorar esse mundo. Sekiro: Shadows Die Twice tem muita exploração vertical. Dá para subir quase em qualquer lugar. Altura quase nunca é um problema aqui. E é muito gostoso correr, saltar e se balançar pelos ambientes do jogo, seja explorando, seja fugindo de inimigos e confrontos. Dificilmente o jogador se sente acuado e preso por não conseguir escalar em algum lugar. Fugir pelos ares é sempre uma opção.
Considerações finais
Sekiro: Shadows Die Twice certamente é forte candidato para um dos melhores jogos do ano. É muito difícil elencar qualquer aspecto negativo no jogo, ou qualquer elemento que não funcione tão bem quanto deveria.
Houve alguma discussão na internet se o jogo deveria ter um modo Easy, para aqueles que realmente não curtem o desafio proposto pela obra. Na minha opinião seria errado ter. O desafio é uma marca da identidade da FromSoftware, e ainda assim o jogo não é tão difícil quanto ele pode soar. É tudo questão de aprender suas mecânicas, entender como chefes e inimigos mais fortes funcionam. Penso que é como um jogo de puzzle. Não consigo imaginar um modo Easy em jogos de quebra-cabeça, onde o jogo lhe dá uma resposta quando você decide que não que mais pensar para resolver um enigma. E há jogos que fazem isso, eu sei! Não acho isso correto. Sekiro seria simplesmente entediante se tivesse um modo com zero dificuldade.
A parte dessa discussão, tudo no game condiz com sua proposta. Seu visual, que remete ao Japão de século 16 é inacreditável. Há detalhes realmente caprichosos em vários ambientes. A folhagem nas áreas externas, ou dentro das pequenas edificações. Os inimigos possuem muitos detalhes em suas armaduras, vestimentas. Tudo é visualmente tocante.
Na parte do gameplay, é necessário elogios na questão dos checkpoints, sempre realizados em um tipo de ídolo. Estes pontos de descansos não são tão longe uns dos outros, quanto são as fogueiras em Dark Souls. Quase sempre à vista do jogador, e é um ponto com vários recursos úteis para melhorar habilidades ou viajar para outros pontos do jogo. Nem mesmo o loading destas viagens rápidas me incomodou. Estes carregamentos não são rápidos, mas estão longe de serem exaustivos como ainda podem ser nesta geração de jogos.
Também gosto que o idioma padrão do jogo seja em japonês. Ouvir os personagens falarem no idioma da região a qual se passa a aventura é altamente imersivo. E, para nossa felicidade, o jogo conta com ótimas legendas em português. Sendo assim, não acho que este seja um jogo que precisasse de qualquer tipo de dublagem – independente de ter em demais idioma como o inglês. Está ótimo do jeito que está.
Não tenho do que reclamar da trilha sonora, ainda que ela não tenha me chamado muito a atenção. Já na parte dos efeitos sonoros, estes sim os achei incríveis. O som das espadas se chocando, rebatendo, dentre outras armas que os inimigos usam. Estão muito bem sonorizadas.
Aliás, o fato do jogador usar apenas um tipo de arma também não me incomodou aqui. Até porque as habilidades envolvendo essa arma vão mudando ao longo da aventura. Novas formas de combos, ataques e movimentos. A espada é a mesma, mas o jogador passa a utilizar de diferentes formas. E o braço prostético? É uma ferramenta secundária que também evolui ao longo da jornada, com diversas opções bacanas. Complementa o repertório e a dinâmica do sistema de combate. Torna tudo muito intuitivo.
Ao fim, acredito que Sekiro: Shadows Die Twice é uma produção que pode agradar tanto aos fãs dos jogos da pegada hardcore de Souls, quanto servir como uma porta de entrada para aqueles que nunca jogaram um título da FromSoftware. Há desafio, mas não é masoquista quanto outros títulos do estúdio normalmente são. O mundo e a ambientação do jogo é maravilhosa, seu sistema de combate, tanto quanto a exploração das locações são viciantes. Combate são repletos de momentos de tensão e adrenalina, enquanto o mundo do jogo tem um mistério e charme inigualável. Sua estrutura de progressão é totalmente aberta após o primeiro ato inicial, deixando que o jogador crie seu próprio caminho, enquanto também decide em quê deseja se especializar e fortalecer. E o título tem dezenas de horas de gameplay. É uma aventura que vale seu preço, especialmente para aqueles que gostam de uma experiência single player.
Galeria
Extra – 50 minutos de Gameplay
Dando uma nota
Ambientação fantástica, locações que surpreendem - 10
Sistema de combate singular, divertido e viciante - 10
É difícil, mas não é frustrantemente punitivo - 10
Funciona com fãs do estúdio, mas também ao público de fora - 10
Todo o mundo do jogo é interconectado, com diferentes opções de rotas - 10
Confrontos épicos contra diferentes tipos de chefões - 10
É uma jornada longa, o game tem dezenas de horas de campanha - 10
10
Excelente
Dado o legado da FromSoftware, é possível entender que Sekiro: Shadows Die Twice possa soar intimidador para alguns jogadores. Mas não se deixe levar por aí. Sekiro é uma obra prima do estúdio. Muito mais equilibrado do que outras produções da casa. É maravilhoso em todos seus aspectos técnicos. Uma jogabilidade que sabe lhe desafiar, mas sem frustrar. É fácil entrar em seu mundo e se sentir imerso a tudo ali. Como não querer jogar algo assim?