Análise | ToeJam & Earl: Back in the Groove
Disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC
ToeJam & Earl são, ou pelo menos deveriam ser, velhos conhecidos dos jogadores mais antigos, pois ToeJam & Earl: Back in the Groove é a quarta aparição da série no mundo dos jogos. O jogo foi desenvolvido pela HumaNature Studios que foi fundada pelo criador da série, Greg Johnson. O título foi lançado em 1º de março de 2019 para Xbox One, Nintendo Switch, PlayStation 4 e PC.
Acho válido dar um apanhado geral na história até aqui dos jogos da série ToeJam & Earl. A franquia já passou por mudanças gráficas ao longo do tempo e seus 28 anos de existência, contando com 4 jogos nesse período. Vou dar um pequeno resumo de cada jogo com uma informação e outra a respeito.
ToeJam & Earl (1991): O primeiro título foi lançado para o console Sega Genesis (Mega Drive por aqui). Era uma aventura cooperativa para 2 jogadores e as fases eram geradas aleatoriamente, o que na época era algo inovador e desafiante, dizem as lendas que Greg Johnson retirou o conceito dos 2 personagens de um sonho que teve. O primeiro visual gráfico da dupla ficou nas mãos de Steve Purcell que em seu currículo, na época, tinha a criação de outra dupla famosa, Sam and Max.
ToeJam & Earl: Panic on Funkotron (1993): Encorajados com o sucesso alcançado por Sonic the Hedgehog, a Sega entrou em contato com com Greg Johnson e seu parceiro de desenvolvimento, Mark Voorsanger para o desenvolvimento de um novo jogo da dupla, desta vez um jogo de ação horizontal. Como a perspectiva do jogo era outra, foram colocados mais detalhes nos personagens do que tínhamos antes, o que gerou uma mudança visual significativa.
ToeJam & Earl III: Mission to Earth (2002): Aqui as coisas começaram a perder um pouco o rumo, já que originalmente o game seria lançado para Sega CD e Saturn. Acabou, um bom tempo depois, dando as caras no Xbox. Com o pensamento de que os jogadores estavam crescendo, ToeJam e Earl receberam uma mudança no visual se tornando mais maduros, tendo uma atitude estética urbana, se ligando as músicas de rap dos anos 2000.
O retorno às origens com Back in the Groove
Com a flexibilidade do atual mercado de jogos eletrônicos, que permitem o resgate de pérolas antigas, por meio do conceito dos jogos menores e desenvolvidos de forma mais independente, essa onda de remakes de jogos continua a todo vapor.
Muita vezes é exatamente nesta tentativa de trazer de volta algo memorável aos gamers, mexendo com sentimentos e sensações destes antigos clássico. Talvez revigorando o interesse dos jogadores antigos e adquirindo novos adeptos para futuramente fazer novas interpretações de séries que estão esquecidas no tempo.
Foi assim que a 4 anos atrás teve início a campanha no Kickstarter para trazer de volta ToeJam & Earl, feita diretamente por Greg Johnson – ninguém mais, ninguém menos que o designer original da franquia. Aparentemente isso tinha tudo para dar certo, pois a arrecadação ultrapassou a meta e alcançou o valor final de 500 mil dólares, cem a mais do que o projeto precisava.
Tudo começa com um botão errado
No começo do jogo temos uma divertida (e um tanto nostálgica) abertura explicando como chegamos a situação da aventura que iremos desfrutar no título, sendo apresentado ao ToeJam, o alienígena vermelho com 3 pernas, e seu parceiro rechonchudo Earl, acompanhados por suas respectivas namoradas, Latisha e Lewanda.
Sobrevoando próximo a Terra, Earl acaba apertando um botão errado que, ao invés de aumentar o volume do som do rádio da nave, acaba criando um buraco negro. Porque né, botões errados fazem isso. Nisso o nosso planeta é sugado pelo buraco, assim como a nave, que acaba sendo destroçada, assim como o quarteto alienígena. A espaçonave é destroçada em 10 pedaços. Agora a missão do jogador é recuperar todas elas, remontá-la e dar o fora da zona que virou o planeta Terra, também destroçado pelo buraco negro.
O objetivo do jogo então é ter que encontrar cada uma das peças, em fases que funcionam em andares, que estão ligados entre si por elevadores. Porque, reforçando, nosso planeta foi totalmente destroçado, em pedaços de cenários fragmentados, interligados por estes elevadores. Um conceito que remete ao jogo original de 1991.
Importante dizer que andar, por sua vez, é gerado aleatoriamente. Por lógica os andares com numerações maiores serão mais difíceis que os menores. Cada fase por sua vez, pode ter ou não uma peça da nave para ser coletada, para saber se devemos explorar em busca dela ou se podemos correr para a próxima fase, basta observar o ícone superior que nos avisa da presença ou não de peça nas proximidades. Enquanto tentamos achar a peça e achar a saída da fase, temos que cuidar de somente mais uma coisa… de nossa sobrevivência. Afinal, nem todos os terráqueos amam alienígenas.
Sobrevivência e caos, um andar por vez
Note que se você cair nas beiradas das fases você vai parar na fase anterior, além de perder um pouco de vida. Dependendo do lugar onde cair, podemos cair em outro espaço vazio da fase e descer ainda mais. Vivenciei esta alternativa e lhe garanto que não é nada agradável. Os elevadores que nos levam para os níveis superiores também podem ser malignos, e ao mostrarem dentes para nós vão nos levar para o andar abaixo, e dai a coisa começa a se mostrar mais complicada. Temos também humanos espalhados pela fase, que podem nos dar uma mão ou não para sobrevivermos até a próxima peça da nave.
A ideia geral do game é exploração. O jogador deve andar pelas áreas aprendendo o que cada personagens estranha faz nesse mundo. Ele lhe ajuda? Te ataca? Vira seu aliado? Explorar é o segredo, mesmo quando não há uma peça da nave no andar em si, pois o jogo conta com um sistema de level up, para que seu personagem progrida por alguns status e se torne mais resistente aos andares superiores, que são ainda mais caóticos de elementos, personagens e coisas para se explorar.
Para encarar esta aventura podemos controlar ToeJam, Earl (ambos com 2 versões, uma clássica e uma nova) suas namoradas (Lewanda e Latisha), e personagens secretos que são liberados ao se completar o jogo na dificuldade normal ou superior. Cada personagem possui atributos de status diferente, como maior vida, velocidade, sorte, habilidade de encontrar itens etc.
Um curiosidade que vale a pena comentar: o jogo conta com uma fase 0. Para acessá-la você deve usar a boia disponível em um dos presentes da primeira fase e “navegar” pelo mapa até achar uma ilha onde teremos como cair a tal fase 0. Um pequeno easter egg interessante de se compartilhar.
Para novatos no mundo de ToeJam & Earl, há um modo/mundo tutorial onde a dificuldade é amenizada e podemos encontrar todas as peças da nave, desta forma descobrimos mais do funcionamento da jogabilidade. Porém, por ser um tutorial, tal modalidade não nos mostra o que acontece quando recolhemos todas as 10 peças da nave, sendo obrigatório jogar o game da sua forma verdadeira para descobrir o futuro dessa turma.
O título também entrega um modo multiplayer online (4 jogadores) e multiplayer de sofá (2 jogadores) com a tela dividida. É uma alternativa interessante, que me fez lembrar de antigamente, quando jogamos com a tela dividida com os amigos e o tempo passava tão rápido que pra lá e pra cá e já era noite.
Pequenas frustrações
Infelizmente o jogo tem alguns problemas que podem afastar jogadores mais novos, que não tenham um ímpeto de jogar para valer. No meu caso, nunca havia jogado o clássico de 91. Sabia de sua existência porque é uma franquia que foi famosa no passado, nos meus tempos de criança. Não cheguei a ter um Mega Drive na época em que o jogo esteve em seu auge.
E agora, podendo ter a chance de ter essa experiência, identifico que o problema de ToeJam & Earl: Back in the Groove fica com as novidades adicionadas a mecânica já consolidada da série: a barra de experiência (que nos permite subir de nível, aumentando aleatoriamente atributos do personagem escolhido), os atributos em si (velocidade, tamanho do inventário, nível de sorte) inimigos novos, batalhas de dança (achei interessante pois me diverti em muitas delas podemos fazer a música e depois devemos acertar as teclas para dançar a mesma), chapéu que concedem habilidades especiais, presentes, níveis noturnos e o retorno do minigame Hyper Funk Zone que veio diretamente de ToeJam & Earl in Panic on Funkotron (Mega Drive, 1993). Olhando assim é muita coisa misturada e poucas acabam se destacando individualmente.
Os inimigos apesar de serem novos, falham em fazer de sua entrada uma atribuição que se destaque, pois não oferecem uma diferença maior nos desafios e principalmente criatividade: o troll de internet é uma versão alternativa do Cupido, cujo ataque também é inverter os controles do jogador. O ataque básico da maioria dos inimigos é correr de encontro ao personagem e assim retirar partes da vida, ou empurrar para as beiradas da fase. Cansei de perder vidas devido a isso.
E aqui tem algo que acredito ser uma falha frustrante do jogo: ele apresenta um sistema de save, mas que somente salva durante a sua jornada para que você continue do mesmo ponto específico. Caso perca todas as vidas o save é apagado e você terá que jogar tudo novamente. Isso acaba ficando maçante, pois muitas vezes se perde todo o nosso progresso no jogo devido falta de sorte na forma como o sistema procedural cria alguns andares. Não encontrar itens, ou inimigos muito agressivos e coisas assim. Perder sua última vida devido ao uso de um item erroneamente também pode ser bem frustrante. Fora que a morte ocorre em andares bem à frente da aventura, pois os primeiros são sistematicamente mais fáceis. Voltar desde o começo acaba sendo uma chata experiência repetitiva.
Antes que me esqueça, legal mencionar que os tais itens, aqui são chamados de presentes. E estes tende a ser uma faca de dois gumes. Com eles você pode ganhar armas, habilidades temporárias (correr mais rápido, voar, ficar invisível, pular mais alto, ver o elevador final, achar as peças da mãe etc) ou encontrar problemas, como perder vida, mostrar aos inimigos sua posição, ter os controles invertidos ou algo dessa linha. Muitas vezes teremos que escolher aleatoriamente, pois os presentes não dizem o que fazem. Há um personagem que mostra o que é cada, mas cobra uma taxa pelo serviço e não está em todos os andares. Fora que grana é algo crucial aqui, pois é usado para diversas outras situações, como contratar uma cantora de ópera viking para nos proteger por um tempo da fase.
Também fiquei incomodado com os loadings demorados entre as fases. Mesmo que sejam engraçados, com uma tela colorida, seu personagem dentro do elevador e as suas falas bem humoradas. Nessas horas também acabei identificando pequenas falhas na tradução para o português. Entendo que o jogo está construindo o cenário do próximo andar nesse carregamento, mas ainda assim leva mais tempo do que normalmente acredito ser aceitável nos dias de hoje, em quê os games carregam muito rapidamente.
Vale ou não vale à pena?
ToeJam & Earl: Back in the Groove é um jogo feito especificamente para fãs, contando com músicas antigas regravadas, até mesmo há alguns apoiadores do projeto que se tornaram personagens dentro do game. Independente de ser fã de longa data ou não, se você tiver mais um controle e alguém para jogar, a modo multiplayer é sem dúvida um dos pontos fortes do game, já que jogar sozinho acaba ficando enjoativo em pouco tempo, mas com outra pessoa que também goste deste estilo de game, vai ser um experiência recompensadora.
Trata-se de um game que aposta no senso de nostalgia do jogador. Suas mecânicas são até hoje algo bem diferente dos jogos de ação e aventura, focando muito mais no senso de exploração e descoberta, do que a adrenalina de um sistema de ação e reação em plataforma ou combate. É mais sobre entender suas regras, como agir e reagir conforme os perigos presentes em cada área. E sobre a sorte de encontrar e usar os itens certos. O visual com a câmera quase com uma visão vista de um ângulo superior também ajuda esse efeito nostálgico.
O que pesa a favor do título é o fato do mesmo estar todinho localizado em português. O clássico de 1991 não tinha isso, o que dificultava muito para a moleca na época entender exatamente os diálogos e o humor do jogo. Back in the Groove acaba sendo o jogo mais acessível para a comunidade brasileiro de jogadores. É fácil entender as regras, mesmo que os menus e alguns aspectos da interface sejam confusos inicialmente. Leva tempo para entender certinho todos os comandos e suas opções, especialmente na parte de uso dos presentes.
No mais, o visual do jogo está incrível. Perde-se a pixel art original, mas ganha um belo visual tradicional 2D animado. Que remete muito aos sentimentos do primeiro jogo da série. Combina com o título, brincando com os aspectos originais, mas tornando o título moderno aos jogos independentes de hoje em dia. Os personagens são engraçados e se movimenta com muito gingado e atitude.
Fora que a música do jogo é um evento a parte do jogo em si. Com pitadas de funk music (aquele norte americano que mistura soul, jazz e blues – nada a ver com o funk carioca brasileiro) e hip hop. A trilha sonora do jogo acaba sendo contagiante e acerta muito bem o compasso dos demais elementos que compõe a obra.
Enfim, certamente ToeJam & Earl: Back in the Groove não é um destes títulos independentes que tenta agradar a todos os gêneros e tipos de jogadores. Não, pelo contrário. A ideia é realmente atingir pequenos segmentos, a velha guarda de uma geração bem antiga de console, tal qual os fãs das antigas e toda uma nova geração que gosta de jogos estranhos e fora da bolha do ordinário. Se você está em um destes grupos, há uma boa chance de gostar da esquisitice de ToeJam & Earl.
Galeria
Extra – 40 minutos de gameplay
Dando uma nota
Divertido e engraçado em vários momentos - 8
Tom músical é um grande aspecto de sua experiencia - 8.5
Inimigos e armadilhas são interessantes, mas tendem a soa repetitivos - 7
Jogar sozinho pode ser meio cansativo após algumas horas - 6.5
Multiplayer, local e online, certamente revigora a jogabilidade - 8.5
Pode ser frustante morrer e ter que reiniciar desde o começo - 7
Emula muito a experiência clássica, porém sem soar engessada ou envelhecida - 8
7.6
Bom
ToeJam & Earl: Back in the Groove é um jogo que faz um apelo nostálgico. É uma volta às origens da série, com o mérito de conseguir modernizar algumas de suas mecânicas e seu visual. Aos fãs é uma bela oportunidade para revisitar a série. É algo único, estranho e diferente. E é totalmente acessível a uma nova geração de jogadores que estejam buscando algo incomum e fora da curva do que é comum hoje em dia. Pode ser frustrante, ou cansar após algumas horas, mas certamente a adição do multiplayer, diversos modos, personagens e afins, podem segurar e dar um certo valor de replay ao jogo. Sem dúvida vale à pena conhecer.