Análise | A Plague Tale: Innocence
Disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC
A Plague Tale: Innocence figura facilmente entre os jogos que mais gostei neste primeiro semestre de 2019. Trata-se de uma produção da Asobo Studio, com a Focus Home Interactive como parceria de distribuição. A percepção que tenho é que o jogo foi bem elogiado pela crítica, mas há uma grande parcela da comunidade de jogadores que mal deu atenção ao título. Talvez seja este o momento de dar atenção ao jogo.
O jogo é uma aventura focada em uma experiência single player. Não há multiplayer, ou qualquer modalidade online. Os dois principais elementos são sua forte e imersiva narrativa somado a sua jogabilidade furtiva, onde o confronto quase sempre precisa ser evitado e puzzles para passar sem detecção são partes do desafio proposto.
Dá tranquilamente para comparar a experiência de A Plague Tale: Innocence com aquele encontrado em Hellblade: Senua’s Sacrifice, outro sucesso desta geração. Ambos os títulos apresentam uma história que leva o jogador para dentro de um mundo fantástico. Cheio de drama, mistério e tensão. A produção da Asobo Studio não supera o trabalho incrível da Ninja Theory, mas nem por isso fica muito por baixo. A Plague Tale é um jogo impressionante em muitos aspectos.
Período sombrio
A história tem início no reino da França em 1348. Porém acho importante afirmar que não se trata de uma narrativa que tem como proposta narrar fatos reais. É apenas inspirada na época em que a Inquisição da Igreja Católica Romana era muito forte, e também no terrível caso da Peste Negra, uma pandemia que assolou parte da Europa e matou milhões de pessoas.
O cenário é este, mas os eventos, os personagens, a trama são todos ficcionais. Inclusive os ratos, um elemento importante as mecânicas do jogo, são propositalmente exagerados, especialmente quando o jogo atinge seus últimos capítulos. As pragas tomam uma direção mais da fantasia e do misticismo, deixando um pouco a ciência de lado.
Dois irmãos
A trama tem início com Amicia, uma jovem que vive com sua família em uma confortável posição social, por assim dizer. Entretanto a família tem seu próprio drama particular, pois Hugo, o irmão caçula de Amicia, sofre de uma cruel e mortal doença. Isso a faz ter um pouco de raiva do irmão, pois sua mãe passa muito tempo com ele, estudando meios de curar sua doença.
Amicia vê seu mundo virar de ponta cabeça quando a Inquisição bate a sua porta, atrás de seu irmão doente. Ambos se veem obrigados a fugir de seu lar, enquanto testemunham um massacre, seu pai é morto no instante em que se recusa a ajudar. Empregados da casa são assassinados em seguida. Ao fim, Amicia e Hugo estão sozinhos. Sem um lar, fugindo de algo que não entendem o porquê de estar acontecendo.
E mal sabem eles que tudo isso é só o começo de um pesadelo, pois uma infestação inacreditável de ratos negros está no subsolo da região, cercando toda a área e matando e infectando a todos que tem contato com a praga. E eles não irão ficar no subsolo por muito tempo…
Incrível narrativa
A forma como a Asobo Studio encontrou para contar a história de Amicia e Hugo é magnífica. O jogador se sente envolvido no drama familiar dos irmãos, que perderam tudo. Amicia é a irmã mais velha, que agora se vê perdida no mundo, sendo caçada pela inquisição, por ratos, por aqueles que querem matar qualquer pessoa doente, sem um lugar para ir, sem saber o que fazer com seu irmãozinho a qual nunca teve muito contato. É uma história comovente.
Hugo por outro lado representa a inocência presente no título do jogo. É uma criança, que não entendo o mundo ao seu redor. Por que querem matá-lo? O que aconteceu com seus pais? Por que ele não pode voltar para casa? Recai sobre o ombro de Amicia, assim como ao do jogador, manter Hugo vivo. Como pai, a história me tocou em diversos momentos. A muitos cenas bem tristes no começo, quando o mundo dos irmãos veem abaixo e eles perdem tudo. Como responder a isso? E eles mal tem tempo para processar tudo, pois os perigos surgem um atrás do outro. Será possível um final feliz para eles?
Fique de mãos dadas
Em boa parte da campanha o jogador irá controlar Amicia, enquanto estará sempre de mãos dada com Hugo. Isso talvez possa soar uma mecânica estranha, até porque NPCs sempre são estranhos quando se tornam parceiros do jogador. Aqui não há problemas com essa mecânica. A Asobo parece ter se dedicado a não fazer disso um problema.
É fácil controlar Amicia, e, por consequência, Hugo. A Plague Tale: Innocence é um jogo furtivo e tem muito poucos momentos de combate. E quando há, Hugo nunca foi um problema pra mim. Os guardas sempre virão atrás do jogador. Hugo nunca será detectado sem que você queria que isso aconteça. Não há momentos em que essa mecânica fique quebrada ou bugada. Ao se esconder ele se esconde junto, ao andar ele anda junto. É bem redondinho a programação aqui. Fora que isso cria momentos interessantes, como pedir para ele lhe ajudar com alavancas, pedir para Hugo subir em plataformas antes de você e assim por diante.
Há até mesmo um certo segmento da campanha em que Hugo não estará mais ao lado da Amicia. Admito que nestes momentos até senti falta do meu parceiro mirim ali do lado, para conversar com Amicia, para me deixar mais tenso ainda por querer protegê-lo.
Esconda-se, não seja detectado
Boa parte da experiência da campanha significa se manter escondido. Amicia não é parea para os soldados da inquisição. Um ou outro você pode enfrentar, com uma espécie de estilingue que Amicia possui. Conforme a história progride, Amicia vai ganhando certas habilidades que vão lhe ajudar nisso. Como sua arma atira pedra, soldados de capacete, por exemplo, não podem ser nocauteados. Algo na trama lhe ensinará a criar um composto que fará com que os soldados tirem seus capacetes para que você possa nocauteá-los.
Porém é preciso cuidado. Ser detectado fará com que todos os soldados partam para cima de Amicia. E não é possível vencer diversos soldados ao mesmo tempo. Amicia só dá conta de um, talvez dois. Os recursos também são escassos. Você normalmente tem pedras a vontade, mas compostos químicos são mais raros.
O sistema de furtividade de A Plague Tale também é digno de elogios. Se você está atrás de um móvel ou um arbusto, nada irá detectá-lo mesmo. O jogo não buga, não há falhas nessa mecânica. É muito satisfatório ver como funciona bem. Ainda que haja margem bem grande ao ser detectado para sair da visão do soldado e voltar a se esconder. Nesse ponto eles são burros, pois em alguns segundos param de lhe procurar.
Isso o jogo poderia se esforçar para não ser tão óbvio. Os soldados esquecem e voltam exatamente para os pontos de origem e suas trilhas pré-programas. O sistema poderia ser mais inteligente e fazê-los improvisar um pouco. Pena que não o faça.
Ratos, ratos e mais ratos
Soldados da inquisição não são o único problema de Amicia. Os ratos também serão. Estas pragas surgem na escuridão da noite, dentro de casas, nas sombras. Quando eles estão no ambiente o único lugar salvo é na luz, seja do sol ou de uma tocha queimando.
Ratos também são a sua forma de passar por guardas. Apague tochas dos soldados, ou quebre seus lampiões, e isso fará a horda comê-los vivo. Sim, os ratos comem toda carne viva a qual eles conseguirem alcançar. Eventualmente Amicia e Hugo vão aprender alguns truques e como lidar com os ratos, o jogo nunca para de adicionar novas habilidades , capitulo por capítulo. Até um composto que atrais os ratos será aprendido. Aí basta arremessar em um soldado, mas garanta que não haja um local com luz para ele se proteger.
Boa parte dos puzzles do jogo envolvem os ratos. Como passar pela horda, ou desviá-la, ou afugentá-la. Normalmente são desafios simples, que não exigem demais do jogador para solucionar. Também quase não há margem para inventividade, as soluções são quase sempre únicas. Ilumine o caminho, empurre os ratos para alçapões ou sirva soldados para que eles fiquem ocupados enquanto você passa pelos mesmos.
Entretanto o feito desse elemento vivo e seu fluxo dentro do jogo nunca deixa de impressionar o jogador. O título consegue manter a infestação sempre interessante. É sempre tenso lidar com estes segmentos. Novas habilidades acabam sendo necessárias e os desafios tendem a mudar um pouco a cada nova horda encontrada.
Companheiros de viagem
Ao longo do progresso da campanha Amicia irá encontrar pessoas que vão lhe ajudar em sua jornada. Estes personagens irão possuir habilidades únicas que adicionam novas mecânicas ao jogo. O jogador irá lidar com estes NPCs da mesma forma que Hugo. Em nenhum momento eles lhe atrapalham. Se Amicia está indetectável, eles também sempre estarão.
Estes personagens também se envolvem emocionalmente à trama. O jogador passa a ficar preocupado com alguns deles. Todos possuem histórias próprias, assim como seu próprio arco. Dentre as habilidades, Amicia aprenderá novos compostos químicos, assim como pedirá ajuda para abrir baús e portas fechadas com trancas, assim como nocautear guardas sem precisar usar sua arma e gastar pedras.
Acaba sendo uma boa solução para que o jogo tenha ritmo e dinamismo, sem que se mantenha um fluxo muito igual do início ao fim de seus capítulos.
A Plague Tale: Innocence é um destes jogos em que a história vai se desenrolando em meia a ação. Os personagens estão sempre conversando. Então acaba sendo interessante que Amicia quase nunca está completamente sozinha. E o texto do jogo é muito bem escrito.
Visual…
Normalmente não separe um segmento em minhas análise para tratar de visual ou som, mas no caso de A Plague Tale: Innocence acredito que seja importante ressaltar estes dois elementos. Primeiro que o jogo é incrivelmente bonito. Trabalha muito bem os efeitos de luz, sombras e reflexos, com todos os detalhes de um jogo de época, que nos remete com boa imersão século XIV.
Mas não só porque é bonito, mas porque sua cenografia é impressionante e até mesmo chocante em certos momentos. Especialmente no início, quando Amicia e Hugo vão tomando conta da infestação de ratos e como isso está afetando a região para a qual estão fugindo. A vila com as marcações nas casas, o campo de soldados mortos e a fazenda com as vacas, são momentos em que a ambientação é certeira no choque que precisa causar ao jogador. O horror é muito claro nestes momentos.
Além disso a própria engine do jogo, que consegue processar, pelo que pesquisei, até cinco mil ratos em tela é incrível. O efeito visual destas pestes é algo único em um videogame. Não consigo pensar em nada no mesmo nível que não fosse jogos de zumbis como Dead Rising. Com a vantagem de que aqui, todos os ratos serem iguais, não é um problema.
… e som
Na balança para criar equilíbrio ao visual está a parte sonora do jogo. A trilha musical é matadora. É tensa quando precisa ser, é meiga quando Amicia está lidando com os sentimentos de tudo que está acontecendo ao seu redor, e some quando precisa sumir, dando aquele sentimento de prender o ar.
O jogo também possui uma ótima dublagem, em inglês tem aquele sotaque carregado do inglês britânico, o que dá um charme ao jogo. mas para aqueles que querem algo mais realista, o jogo também conta com áudio em francês, já que é uma trama que se passa na França.
Independente do áudio escolhido, vale reforçar que o jogo está localizado aqui no Brasil para nosso português por meio de legendas. Não é uma barreira ao público que não tem habilidade com outros idiomas.
Considerações finais
Ao fim, dá para dizer que A Plague Tale: Innocence é uma obra prima. Funciona como uma ótima história a ser contata, e é um agradável título de se jogar. Não reinventa nenhuma mecânica no mundo dos games, mas faz muito bem o que muitos outros fazem muito mal, especialmente no que diz respeito aos elementos de furtividade.
Tem problemas sim, não vou mentir. A aventura é linear, sem espaço para explorar soluções diferentes, ou uma árvore de diálogos que possam levar a revelações diferentes entre as conversas do jogo. Apesar de habilidade serem apresentadas ao longo de toda a aventura, parte dela permanece idêntica do começo ao fim. Mas isso se salva porque o jogo é genuinamente bom. Não é enjoativo ou cansativo.
Eu esperava que fosse encontrar muitos bugs ou problemas técnicos envolvendo as áreas de ratos e guardas, mas não houve nada assim durante minha jogatina. O sistema de construção de compostos químicos também me preocupou no início, de chegar algum momento e não ter recursos para construir as coisas, mas logo notei que a ideia desse sistema não era ser assim e nunca houve falta de recursos.
Em uma geração em quê há muitos lançamentos focados em gêneros como e-sports, battle royales e multiplayer, ou em campanhas que apostam em gêneros seguros, como roguelites, FPS e tiroteio, é um frescor ver como A Plague Tale: Innocence foge de tudo isso e tenta ser algo único e original. E felizmente consegue ser. Como disse lá no começo, pra mim ele se tornou um dos melhores títulos single player deste semestre. Para quem procura algo assim, é quase que um título obrigatório.
Galeria
Extra – Os três primeiros capítulos (Gameplay sem comentários)
Dando uma nota
Imersivo, com uma trama que comove e prende até que a mesma seja concluida - 10
Jogabilidade furtiva que funciona, sem bugs ou chatices que quebram o jogo - 9.5
Linear, siga a trama, e sem valor de replay, com exceção de alguns colecionáveis - 8.5
Puzzles simples, sem complexidade e quase sempre sem soluções alternativas - 7.5
Boa progressão, com novas habilidades do começo ao fim - 9
Visual arrebatador, que choca e impressionante em vários momentos - 9.5
Trilha sonora incrível, boa dublagem e localizado em português por legendas - 10
9.1
Excelente
A Plague Tale: Innocence é uma experiência narrativa single player altamente imersiva. É um jogo cativante, sobre dois irmãos tentando sobreviver a um terrível evento que assola a França em 1348. Com mecânicas de furtividade e puzzle, com pouco combate, é uma proposta bem sucedida fora da mesmice dos jogos de aventura da geração. Imperdível.