A Última Colônia, terceiro livro da série Guerra do Velho, devidamente devorado e concluído. Que leitura maravilhosa. Um livro que começa com uma pegada diferente dos dois romances anteriores, e que quando se pensa que não conseguirá concluir certas ideias, o livro lhe dá um soco no estômago ao concluir não só sua trama, mas o conclui de uma forma a fechar uma trilogia a qual não esperava ter sido encerrada aqui!
Quer dizer, ainda há mais três livros baseados nesse universo. Nem tudo acabou. Mas algo se encerrou, e não vou dizer neste momento porque seria um spoiler desnecessário a futuros leitores da obra. Basta dizer que foi uma jornada satisfatória, incrível e que não me deixou nem um pouco menos animado para ver o conteúdo dos próximos livros, e as perspectivas diferentes que os mesmos provavelmente serão.
Antes de continuar – desacelerando a marcha usada nos parágrafos acima – é interessante dar a ficha técnica de A Última Colônia. A obra pertence ao escritor norte americano John Scalzi, também autor de Encarcerados – outro livro incrível que também chegou a ser lançado no Brasil, enquanto também há diversos outros do autor que permanecem inéditos. É o terceiro livro de uma série de seis, sem a previsão de que outras sequências serão produzidas. Lançado nos Estados Unidos em 2007, e agora em julho deste ano aqui no Brasil, pela editora amante de ficção científica, a Editora Aleph.
A Última Colônia é um livro totalmente dependente dos dois livros anteriores, Guerra do Velho e As Brigadas Fantasma, não sendo possível viajar pelo mesmo sem ter lido ambos os livros anteriores. Diferente do segundo (Brigadas) que até permite que o leitor o leia antes de Guerra do Velho (ainda que tenha spoilers deste), pois em ambos os livros iniciais os protagonistas das tramas são diferentes e independentes, unidos a um elo que você não vai querer saber nesse mesmo do texto limpo de spoilers. O que A Última Colônia faz, que torna essencial ter lido ambos os livros anteriores, é reunir estes dois protagonistas distintos em uma jornada com ambos.
A obra Guerra do Velho ainda não possui nenhuma adaptação televisiva. Os direitos já esteve nas mãos do canal Sci-Fi em 2014, para uma série que nunca saiu do papel. Em dezembro de 2017, foi a vez da Netflix adquirir tais direitos, pensando na produção de um filme. Entretanto, a julgar pela falta de novas informações desde então, é bem provável que a ideia não tenha ido adiante. Ou seja, os livros ainda não a única fonte para se conhecer esse fantástico universo.
Feito as devidas apresentações, a seguir o texto será dividido em dois momentos. A primeira parte totalmente sem spoilers, com uma breve apresentação e opinião a respeito do livro. Simples para aqueles em dúvida se devem ou não ler a franquia ou esta terceira parte. Após isso haverá uma segundo parte com spoilers a respeito da trama. Indicada para aqueles que já concluíram a leitura do livro e querem um espaço para ler a seu respeito. Se você não quer spoilers, fique apenas com a primeira parte abaixo. E não se preocupe em não saber onde parar: eu irei avisar quando a zona de spoiler chegar.
Zona sem Spoilers – Você deve ou não ler este livro?
Primeiramente é preciso dizer que não se deve partir para A Última Colônia sem ter lido os dois livros anteriores da série. Ambos são excelentes e valem a penar serem lidos. É possível encontrar aqui mesmo no site, resenhas sobre Guerra do Velho e As Brigadas Fantasma, caso queira saber mais (links abaixo). Trata-se de uma ficção científica bem moderna, que cria soluções únicas para a exploração espacial, enquanto explora o conceito da curta vida do ser humano.
Cada livro trabalha um tema, e possui seu próprio protagonista, em meio a tantos outros personagens carismáticos e tão interessantes quanto os principais. Em A Última Colônia, Scalzi não fez nem um pouco diferente. Há o retorno de John Perry e Jane Sagan, que são os astros dos livros anteriores, e portanto os conhecemos, porém há diversos outros novos personagens. Bons e interessantes personagens, diga-se de passagem.
Se o primeiro livro apresenta os mistérios de se levar idosos para o espaço, lutarem uma guerra a qual nada sabem, e o segundo livro revela uma conspiração que pode levar a uma guerra em meio as explicações de como se pode criar seres humanos que já nascem adultos, este terceiro livro também leva sua trama para outro caminho distinto. Agora somos apresentados como é possível colonizar outros planetas.
A primeira metade de A Última Colônia é exatamente sobre essa perspectiva. John e Jane são convocados a participarem de uma nova colônia, que pode mudar o destino de todas as demais colônias que existem pelo espaço. Há um segredo, um mistério em torno desse evento, mas você, como leitor, só vai descobrir quando John e Jane também perceberem que há algo errado.
Se os dois livros anteriores tem muitos elementos de ficção científica criados para compor este universo, aqui neste livro, Scalzi optou por uma abordagem diferente, criando um cenário ainda de ficção espacial, mas colocando seus personagens em um ambiente em que super tecnologias não podem ser usadas nesta nova colônia. Isso dá um ar meio retrô a trama, enquanto costura eventos que vão ser trabalhados da metade para o final do livro.
Scalzi demonstra muita habilidade em conseguir esconder os segredos da trama. Assim como consegue segurar até o fim o clímax da história. Sem ter que conclui-la cedo demais, evitando páginas desnecessárias após o término de seu enredo. Tanto que durante a minha leitura dos capítulos finais estava com a impressão de que o livro deixaria muitas pontas no ar, o que não aconteceu. O capítulo final, com maestria, amarrou tudo o que faltava, e fechou de forma totalmente satisfatória a história de John e Jane.
A Última Colônia também não é um livro necessariamente repleto de ação. Os anteriores possuem bem mais. Porém aqui há momentos bem pontuais em que a ação acontece, dois mais especificamente. Ambos são conflitos tensos e divertidos de serem lidos. Scalzi manda muito bem em construir momentos e lhe deixar aflito por não saber o que virá a seguir. Gostei em particular de um segmento envolvendo lobisomens (que não são exatamente lobisomens) que se provou aterrorizante.
A leitura do livro é agradável e de fácil entendimento. Não há grandes cenas megalomaníacas que se tornam difíceis de serem imaginadas, ou terminologias absurdas daquelas que você fica sem entender direito qualé da ciência empregada ali. Fora que o humor de John Perry é muito singular. Senti saudades dele no segundo livro e aqui o personagem volta do jeitinho que me lembrava dele no primeiro Guerra do Velho.
A minha única reclamação em torno da condução do texto, e não sei dizer se isso está no original ou é algo da tradução da Aleph, diz respeito as siglas. O primeiro terço inicial do livro tem muitas siglas em relação a organização das forças militares que compõe esse universo. São siglas para a força militar, departamento de colonização, forças especiais, o governo e afins. Houve momento em que me senti confuso em como a organização política militar da série estava sendo dividida, hierarquicamente, devido as muitas siglas. Uma legenda das siglas em alguma parte do livro acabou me fazendo falta. Não que isso estrague sua compreensão, afinal na minha cabeça toda essa organização e divisão do exército espacial é uma coisa só mesmo (mesmo que não seja).
A Última Colônia é um livro satisfatoriamente divertido. Para quem estava com saudades desse universo é um prato cheio, pois trabalha outro aspecto que os livros anteriores ainda não haviam trabalhado (a colonização dos planetas), enquanto traz de volta John Perry e o coloca novamente ao lado de Jane Sagan. O casal – que agora tem uma adorável filha adotiva – funciona maravilhosamente bem.
Acaba sendo um livro bem menos maluco do que As Brigadas Fantasma, que vai até o limite máximo da loucura que esse universo de transferência de consciências e super seres humanos e clones poderia ir. A trama política é certeira, colocando em cheque o forte militarismo dos livros anteriores, enquanto mostra que como somos uma raça muito egocêntrica, certamente teríamos problemas em lidar com outras raças alienígenas em um espaço que não necessariamente cheio de planetas para serem habitados.
Em determinados momentos foi inevitável pensar em como o conflito entre as raças no livro me remetem ao universo de Halo, série de jogos desenvolvido na plataforma de games do Xbox. Não me surpreenderia se houvesse alguma inspiração do Scalzi nessa série de jogos eletrônicos. O General Gau tem um total ar de um personagem que poderia encontrar no mundo de Halo.
Por fim, para quem leu os livros anteriores – e os adorou -, A Última Guerra é o final de uma trilogia muito bacana. O livro encerra um ciclo, e mesmo que haja outros três, o leitor aqui se despede de personagens a qual talvez ainda não estivesse pronto para se despedir. O fim chega. E tudo bem. O que posso dizer para encerrar essa parte? Vá ler Guerra do Velho, As Brigadas Fantasma e A Última Colônia. Não é uma leitura que vá lhe fazer ficar arrependido. Prometo.
Onde comprar? A Amazon é meu lugar favorito para adquirir livros nesse momento. Lá você encontra Guerra do Velho, As Brigadas Fantasma e A Última Colônia, separados ou em um pacote com os três livros. Fica a dica!
Zona COM Spoilers – Prossiga apenas se leu A Última Colônia
Não pense que vou contar todo o livro neste segundo segmento desta resenha. Nada disso. Quero apenas apontar os momentos que mais gostei e mencionar algumas das boas ideias que Scalzi teve para com a trama. Além de apontar uma ou outra coisinha que gostaria de ter visto um melhor trabalho narrativo. Posso começar por isso, alias.
Mencionei na área sem spoiler os tais lobisomens, que não são lobisomens, e sim os habitantes do planeta a qual John e todos seus colonos estão agora habitando. O segmento em que John e Jane estão atrás dos caçadores que estão sendo caçados pelos lobisomens é de tirar o fôlego. Há todo um impacto nesse ponto do livro, demonstrando que há perigos ali e que o primeiro contato humano com uma raça inteligente desconhecida nem sempre é das mais positivas.
E nesse aspecto acho que o livro escorrega em não mostrar mais o que aconteceu com essa raça que habitava Roanoke. Achei que o livro poderia retomar alguns dos aspectos da problematização de colonizar Roanoke no terceiro ato do livro. É um elemento que acaba ficando um pouco esquecido após a chegada de Gau e os eventos seguintes. Tudo bem que depois fica claro que a tecnologia na colônia acabou sendo liberada e as forças de defesa da mesma estavam em um nível básico até mesmo para se defender contra mísseis atirados da órbita espacial do planeta. Os lobisomens não deveriam mais ser um problema. Mesmo assim, achei que a raça que habitara o planeta antes dos humanos chegarem ainda teria alguma importância dentro daquele ecossistema.
Indo adiante, gostei do final do livro, ainda que parte de seu desfecho acabe ficando um pouco claro quando John e Jane falam um pouco sobre o planeta Terra lá pela metade do mesmo. Ali senti que ficou aquela dica de que assunto não iria morrer apenas em uma promessa. O que suspeitava era de que ficaria uma ponta para o próximo. Que nada, como disse, foi uma surpresa ver como a jornada de John e Jane se encerraram em um bonito ciclo. Não só a história do casal teve um desfecho merecido, como foi impactante para todo o universo da série daqui em diante. Mudaram as regras do jogo. Isso, pra mim, acabou sendo inesperado.
Já a respeito de Gau… que personagem incrível. Com uma ideologia difícil de comprar por completo, mas altamente sedutora. Eu terminei o livro sem confiar totalmente que o que ele está fazendo é correto, entretanto, consigo plenamente entender seu ponto de vista, e acho que para o Conclave ele é a peça fundamental para não se tornar algo tão ruim quanto o exército humano espacial quer que seja. Gau não é um vilão, mas certamente não pode ser pintado de herói. Acho que revolucionários tem uma pitada de Gau, não podem ser totalmente bonzinhos, mas precisam entrar no jogo de cintura para que não se tornem tiranos diante de um cenário em conflito.
O que mais posso dizer? Gostei de Zoe adolescente e mal posso esperar pelo quarto livro da série, em que a mesma é a protagonista. Esse livro narra os eventos deste livro, mas sobre o ponto de Zoe. Incluindo até mesmo sua viagem a Gau, em que neste livro é apenas resumido pela personagem quando retorna a Roanoke. O Obins, Hickory e Dickory também são personagens fascinantes. São dois personagens que não deixam fácil a leitura de suas personalidades para o leitor do livro. Você nunca sabe o que pode vir deles.
Os habitantes de Roanoke também foram personagens simpáticos. Uns mais do que outros. Os estereótipos deste personagens serviram muito bem ao propósito da trama, incluindo o jornalista que prega a liberdade da imprensa, o cara que deseja ser o líder da colônia, o menonita pacifista, entre outros. Todos tiveram um momento chave dentro do enredo. E fiquei triste pela morte de um destes personagens.
Quanto ao status quo deixado por Scalzi no final do livro, por John e Jane terem sacaneado a forma como a União Colonial e sua força militar conseguiam seus soldados na Terra, também me deixou instigado a querer saber mais sobre as consequências de tais eventos a longo prazo. O livro fecha seu ciclo dando a entender que poderia acabar aqui e tudo bem. O final funciona. Entretanto o mundo mudou e se novas histórias surgirem, nova coisas poderiam vir a ser trabalhadas e as consequência seriam sentidas. E até porque, no final, o real vilão não foi necessariamente derrotado. Ele apenas precisou rever conceitos e a forma como os humanos estão explorando e colonizando o espaço e tratando suas colônias.
Talvez o uso do personagem Szilard, general das forças fantasmas, tenha sido um pouco exagerado. Em alguns momentos do livro, já em seu terceiro ato, esse personagem me parecia meio o Dumbledore nos livros de Harry Potter. O cara que sabe tudo, mas somente vai dizer o que tem a dizer quando toda a solução do livro é esclarecida. Meio clichê, mas tudo bem. O argumento do personagem foi convincente. Fora que ele ter ou não deduzido tudo que ele disse que deduziu não muda em nada os atos de John ao longo de toda a trama. É apenas importante o fato dele ter escolhido o casal para essa missão. Funciona e não incomoda.
Outro aspecto que até entendo os motivos de não existir é o impacto surpresa que existe nos livros anteriores no que diz respeito aos elementos tecnológicos que permite esse universo existir. A ficção científica pura em si. O primeiro livro faz isso muito bem, ao deixar o leitor sem fôlego com as possibilidades de viver no espaço, em um novo corpo, com a ciência da transferência da mente. O segundo livro não tem esse mesmo impacto, mas ainda assim consegui ser tão extraordinário quanto, ao apresentar humanos que vivem no vácuo do espaço, clones e backups da mente humana. É mais maluco, mas ainda aceitável dentro das regras desse universo. A Última Colônia não faz nada nesse sentido de deslumbrar o leitor com alguma tecnologia a qual jamais conseguiríamos pensar por conta própria. Porém, ainda assim, ao final, Scalzi ainda ensaia um pequeno aspecto de como os corpos artificiais evoluíram graças ao experimento em Jane.
A Última Colônia me surpreendeu. Não esperava o fim de uma trilogia com o arco John Perry e Jane Sagan, especialmente por saber que há mais livros nesse universo. Entretanto acho que fechou muito bem em sua proposta, e deixou o universo da série mais instigante para trabalhar em outras histórias, com outros personagens. Fiquei animado em conhecer os próximos livros, protagonistas e tramas. Mesmo sem John Perry.
Dando uma nota
É excelente rever John Perry e Jane Sagan novamente juntos - 10
Explora um novo ponto que os livros anteriores não abordaram (a colonização em si) - 9.5
Há menos momentos de combate, porém quando há é frenético - 8.8
Narrativa de Scalzi continua afiada, mantendo bom ritmo e humor - 9.5
Há alguns clichês, com um final que é fácil o leitor suspeitar antes de acontecer - 8.5
Quem é o vilão? Livro faz uma ótima reflexão em torno do real inimigo - 10
Encerra a trilogia inicial de forma satisfatória - 9.5
9.4
Incrível
A Última Colônia entrega uma narrativa menos frenética do que a dos dois livros anteriores da série, mas mantém muito bem o suspense e o mistério envolto a missão de colonizar um planeta. É sensacional rever John Perry e Jane Sagan novamente juntos. É um livro que encerra um ciclo. Essencial para fãs deste universo criado por Scalzi.